O poder para abrir e fechar o Céu

A renúncia do papa Bento 16 e a sucessão dele por um cardeal argentino, o papa Francisco, já saíram das manchetes nos jornais. No entanto, é bom voltar ao assunto para dar uma olhadinha no ensino do Ofício das Chaves. Ofício das Chaves? O que é isto? Alguns sabem de cor a explicação de Lutero no Catecismo Menor: “É o poder peculiar que Cristo deu a sua igreja na terra para perdoar os pecados […] Onde está escrito isto? Nosso Senhor Jesus Cristo diz a Pedro, no Evangelho de Mateus, capítulo dezesseis…”. O que segue na leitura é o mesmo texto bíblico que a igreja romana usa para fundamentar a instituição divina do papado, e assim colocar Pedro como o primeiro papa. Mas Lutero questiona: “‘Esta pedra’ não pode significar nem São Pedro nem sua autoridade por causa da palavra de Cristo ‘e as portas do inferno nada poderão contra ela’. Ora, está tão claro como a luz do dia que ninguém é edificado na Igreja nem resiste às portas do inferno pelo fato de estar sob a autoridade exterior do papa, pois a maioria dos que se apegam obstinadamente à autoridade do papa e nela se fiam está possessa por todo o poder do inferno, cheia de pecado e maldade. Além disso, alguns papas foram hereges, promulgaram leis heréticas, e ainda assim, permaneceram na autoridade. Por isso ‘esta pedra’ (…) deve referir-se tão somente a Cristo e à fé, contra os quais poder nenhum pode qualquer coisa” (A respeito do papado em Roma, Obras Selecionadas de Martinho Lutero, v. 2, p. 228).

Mas, e agora? Qual a nossa postura enquanto o mundo todo saúda o novo papa? Permanece aquilo em que acreditamos, segundo as nossas confissões luteranas. É claro, não precisamos nem devemos voltar às disputas históricas da Idade Média, quando as circunstâncias foram outras. O caminho hoje é o diálogo e o respeito com as demais igrejas cristãs, sobretudo com a Igreja Católica. E se o atual papa é jesuíta, uma ordem católica que surgiu no século 16 para combater a Reforma Luterana, certamente, hoje, os luteranos não oferecem nenhum perigo ao Vaticano. Aliás, boa parte das ameaças atuais contra os católicos são as mesmas contra os luteranos: frieza espiritual, abandono de fiéis, imoralidades, escândalos, etc. Por isto, nosso desejo é que o papa Francisco consiga resolver os problemas de sua igreja e contribua na missão que Cristo entregou a todos os cristãos.

No entanto, o motivo que nos separou dos católicos ainda permanece: a questão das indulgências e, no mesmo bolo, o pretenso poder papal. E, em última análise, o Ofício das Chaves. Um exemplo disto vimos na televisão, dias atrás. No anúncio da bênção Urbi et Orbi, foi dito: “O Santo Padre Francisco vai agora conceder a todos os presentes e a todos aqueles que recebem a sua bênção por meio do rádio, da televisão e das novas tecnologias, indulgência plena na forma estabelecida na Igreja”. Segundo os dogmas católicos, indulgência é a “remissão, perante Deus, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi apagada; remissão que o fiel devidamente disposto obtém em certas e determinadas condições pela ação da Igreja que, enquanto dispensadora da redenção, distribui e aplica, por sua autoridade, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1471). “Em certas e determinadas condições”? Ora, este foi o ponto que Lutero levantou nas 95 teses, sobretudo ao dizer na tese 21: “Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa”.

Nós sabemos e cremos, segundo a Bíblia, que uma pessoa é absolvida dos pecados unicamente pela fé no perdão que é oferecido, de graça, pelo Senhor Jesus Cristo. A principal tarefa da igreja é anunciar este perdão, o Ofício das Chaves, sem nenhum tipo de condição ou “indulgência papal”. Este poder que abre e fecha os céus está na congregação local, na igreja visível, onde a Palavra de Deus é pregada e o Batismo e a Santa Ceia são celebrados. Não é um poder exclusivo de uma pessoa, mas de todos os cristãos, oferecido por Cristo, a pedra fundamental. Como disse Lutero: “As palavras de Cristo (Mateus 16.18) são pura promessa graciosa a toda a comunidade, dirigidas a toda a cristandade”.

Texto publicado no Mensageiro Luterano de abril de 2013.

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