A catástrofe vivida no Rio Grande do Sul, nos meses de abril e maio deste ano, deixou marcas profundas. Tão fortes quanto aquelas vistas nas paredes de residências, lojas, empresas. Tão devastadoras quanto o cenário de um pós-guerra em bairros, rodovias e lavouras. Além de todo o prejuízo financeiro e estrutural que ultrapassa as dezenas de bilhões de reais, há as marcas deixadas no coração.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre divulgaram dados de uma pesquisa que ainda está em andamento com famílias atingidas pelas cheias. Os dados já divulgados são de que 90% destes sofrem com ansiedade pós-traumática. Relatos de pesadelos com água são constantes. No ouvir o desabafo e a lamentação das famílias diretamente atingidas pelos rios, uma palavrinha repete-se constantemente: medo. A ponto de um simples barulho de chuva bagunçar a saúde mental.
É neste coração marcado por uma tragédia que também há algo precioso. Que sempre esteve ali. Mas que nos dias de dor, floresce de forma especial. Falo da confissão de fé. Do afirmar qual é o conteúdo do crer. De quem é o Deus que habita neste coração marcado pelas aflições de uma pandemia e, agora, pelos traumas de uma catástrofe climática. Ouvi o triste relato de uma pessoa de que as águas levaram até mesmo sua certidão de batismo. Mas os benefícios e a nova vida gerada por este sacramento, nenhuma tragédia no mundo poderá arrancar de nós. Graças à ação do Espírito Santo.
E é aí que entra a teologia luterana. Como uma terra sólida e firme, como sempre foi. Que semeia nestes corações não um ensino raso e condicionado a milagres e prosperidades, como se isso fosse o termômetro da presença do Senhor. A teologia luterana aponta para a cruz. Para o Deus presente também em meio a tragédias e desastres. Para o Deus que passou pela desastrosa e escandalosa cruz. A sólida teologia luterana aponta para Jesus como um Deus que chora com o seu povo, como o fez com Marta e Maria (Jo 11.35). Esta teologia também aponta para Jesus e seu ensino, que nos tira a ideia de que tragédias são punições pontuais de Deus, como ele mesmo falou diante da tragédia que envolveu a queda da torre de Siloé (Lc 13.1-5).
Este ensino bíblico não pinta o céu na terra. Mesmo que tenhamos os dois pés dentro do Reino de Deus, nossos dias se dão nesta criação arruinada pela queda no Éden. Expostos estamos às calamidades. Mas a ressurreição do Salvador nos faz aguardar ansiosamente o novo céu e nova terra. Onde, aí sim, não haverá a possiblidade de sofrer. Enquanto este dia não chegar, a promessa de Jesus é estar todos os dias com o seu povo (Mt 28.20). Todos os dias. Também nos dias de tragédia.
Hoje, Deus relembra o maior motivo que há para acalmar o coração. Coração de famílias que perderam parte de sua história. Coração de empresários, agricultores e funcionários que perderam anos, se não gerações, de trabalho. Coração de congregações que estiveram com seu templo debaixo d´água. Coração de uma igreja que vê sua centenária editora – Editora Concórdia – perder não apenas materiais impressos, mas um conteúdo que poderia transformar vidas. Para esses corações, Deus relembra o maior motivo para se acalmarem: “Não tema, porque eu estou com você” (Is 41.10).
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