O salmo 50 brota de angústias: da angústia de Davi, da angústia de todos. De angústia canta um rei bem-sucedido, instalado na gloriosa Jerusalém, incertezas lhe mostram que o aparelho militar e o exercício da autoridade não são resposta aos seus tormentos. O medo acontece diante de um perigo palpável. A angústia enfrenta o vazio, teme a catástrofe. O angustiado não encontra braços que o acolham, palavras amigas não o confortam, possibilidades sonhadas desmoronam, não vê fisionomia amiga na imagem refletida no espelho, os dias desfilam sem rumo, coisas lhe escapam, amigos também. A dor se renova a cada passo, o sentido da vida lhe escorre dos dedos.
“Invoca-me.“ Quem manda invocar? É uma voz que brilha nos raios, fala na força dos ventos, mais forte que os ventos, mais distante do que o pico das altas montanhas, embora esteja mais próxima do que todos os sons familiares, voz que soa no silêncio. A voz soa em Jerusalém, mas não se limita às fronteiras de Israel. Convoca povos no Oriente e no Ocidente. O olhar que nos enxerga conhece nossas faltas, ouve nossas súplicas. Aparelhos sensíveis são menos que brinquedos comparados com a sensibilidade divina. A luz que brilha em Jerusalém, soa nas parábolas de Cristo, abre ouvidos, restaura a visão, ilumina cidades, dirige-se a todos os habitantes do Globo, aos desabrigados. Para ser ouvido, Davi deve guardar a coroa, dobrar os joelhos. Davi terá que sair do palácio, sair de si para ir ao encontro do Juiz. Quando? No dia da angústia. Nem antes nem depois. Dia em que está imerso em nada, dia em que nada tem sentido, dia em que falta tudo.
Que sacrifícios oferece quem invoca? Sacrifício nenhum. O que oferecer a quem tem tudo? Invoca-me liberta palavras reprimidas, dores ocultas. Quem invoca narra, reúne fragmentos. De nossas dores aproximam-se ouvidos divinos. A invocação responde ao Deus que fala, atravessa ruínas. Muitas palavras se perdem, aqui não se perde palavra nenhuma, eloquente é o gemido, ainda que débil. A aproximação dispensa formalidades, podemos aproximar-nos de Deus a qualquer hora. Na presença de Deus, temos acesso a nós mesmos, à nossa pequenez, à nossa fraqueza. O caminho é da fraqueza à abundância. Por ter tudo, Deus dá, dá sem limites. Dá seu próprio Filho aos que o recebem.
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