O mês de novembro pode ser considerado o mês dos músicos, não apenas pelo fato do dia 22 ser o Dia de Santa Cecília (‘padroeira’ dos músicos) e, por esse motivo, Dia do Músico. Mas também pelo fato do dia 20 de novembro (de 1931) ser a data de nascimento do Rev. João Wilson Faustini, “pioneiro da música sacra evangélica no Brasil”, sendo escolhida pela Igreja Presbiteriana Independente (IPI) como “Dia do Músico Evangélico”, em sua homenagem.
Não é por menos que se faça esta devida homenagem: dos 573 hinos que figuram em nosso Hinário Luterano, aproximadamente 36 são de sua autoria (seja como autor dos textos, tradutor, compositor ou arranjador). Seus hinos estão presentes em diversos hinários brasileiros, além de ser o editor de grandes coleções de músicas em Língua Portuguesa em seu tempo (dentre elas, pode-se destacar a coletânea “Os Céus Proclamam”). Para marcar essa data, o Mensageiro Luterano faz entrevista com o Rev. Faustini.
Mensageiro Luterano – Rev. Faustini, quando o senhor se interessou pela música?
João Wilson Faustini – Minha irmã mais velha, Martha, foi pianista e sempre se reunia com suas amigas e amigos para cantar em nossa casa. Ela foi minha primeira professora de música e cantou no coro do antigo Instituto José Manoel da Conceição (JMC), uma instituição que existia na cidade de Jandira, subúrbio de São Paulo. Eu me lembro de que esse coro, regido por Evelina Harper, visitou a cidade de Pirajuí, onde morávamos, e com 8 anos de idade me encantei ao ouvi-lo se apresentando em um culto. Entre as músicas, ouvi, deslumbrado, pela primeira vez, o “Aleluia” do oratório “O Messias” de Händel. Aos 12 anos eu cantava contralto no coro regido pela minha irmã. Aos 13 eu era o único organista da Igreja Presbiteriana Independente de Pirajuí, SP. Já nessa idade me interessava muito pelos hinos. Fui estudar no Instituto JMC, a mesma escola pré-teológica que minhas irmãs haviam frequentado, e onde eu também seria aluno de Evelina Harper, excelente musicista e dedicada missionária americana.
ML – Onde o senhor realizou seus estudos, na área, aqui no Brasil? E nos EUA?
JWF – Como já disse, iniciei os meus estudos de piano com minha irmã. Éramos 8 irmãos, e Martha sempre nos estimulou e deu aulas, praticamente para todos. Alguns irmãos se destacaram na música, como Loyde, que desenvolveu linda voz de soprano, e Zuinglio, “basso profondo”, que foi cantor profissional, estudou na França e atuou em muitos concertos no Brasil e exterior até a sua morte. Aos 17 anos fui estudar no mesmo Instituto JMC, onde Martha e Loyde haviam estudado e cantado sob a regência de Evelina Harper, e eu também tive esse privilégio. Com ela, iniciei o meu aprendizado de regência e hinologia. Fui seu auxiliar e substituto na direção do Departamento de Música e dos coros do Instituto JMC a partir de 1951, quando o casal Harper voltou de férias aos Estados Unidos. O primeiro coro que regi foi o da 1a Igreja Presbiteriana Independente de Osasco, subúrbio de São Paulo. Evelina Harper sempre me estimulou. Ela ouviu o coro de Osasco regido por mim e, percebendo meu interesse e talento, conseguiu da Igreja Presbiteriana Americana, (The Board of Foreign Missions) uma bolsa de estudos no Westminster Choir College em Princeton, New Jersey, nos Estados Unidos, onde ela mesma havida estudado. Como minha bolsa era para apenas dois anos, trabalhei lavando pratos na universidade e também em um restaurante da cidade, e nos fins de semana tomava conta de crianças como baby sitter. Até defunto carreguei para ganhar uns troquinhos e poder custear mais um ano de estudos, e assim poder completar as exigências do curso. No meu último ano no Westminster, recebi uma taça pela melhor composição de um canto de Natal entre os alunos formandos, intitulada “Only a Manger Cold and Bare” (publicada em português pela SOEMUS, na coleção Dádiva Divina, p. 10, sob o título de “Ele nasceu num pobre lugar”). Em junho de 1955, recebi o meu Bacharelado em Música Sacra, com especialização em canto e órgão, voltando ao Brasil nesse mesmo ano. Fiz depois o curso de Canto Orfeônico e Canto, no Instituto Musical de São Paulo e na Escola Paulista de Música, requisito da época para poder lecionar em escolas Brasileiras de nível superior. Nove anos mais tarde, voltei aos Estados Unidos para fazer o Mestrado em Música, com especialização em composição, no Union Theological Seminary School of Music, de Nova York, também com bolsa de estudos.. Participei também de oficinas e seminários de música coral com grandes regentes, como John Finley Williamson, Robert Shaw e Wilhelm Ehman.
ML – Como organista, quais foram seus maiores desafios?
JWF – Uma das exigências do programa de Mestrado no UTS de Nova York era demonstrar, na prática, o que estudávamos em sala de aula. Assim foi que em outubro de 64 assumi o cargo de Ministro de Música e organista-regente na St. Paul’s Presbyterian Church, de Newak, NJ, uma igreja com americanos, brasileiros e portugueses, com cultos nas duas línguas. Exerci esse cargo até voltar ao Brasil em 1972. Nesse período, compilei o hinário bilíngue Seja Louvado, traduzindo muitos hinos do calendário cristão até então inexistentes em nossa língua. Dez anos mais tarde, em 1982, voltei novamente aos Estados Unidos, mas desta vez como pastor da mesma igreja que havia servido anos antes como Ministro de Música.
A partir de 1996, depois de ter servido a Igreja St. Paul’s como pastor por 14 anos e de ter ser sido jubilado e recebido o título de pastor emérito, assumi o cargo de Ministro de Música na Second Presbyterian Church, de Elizabeth, New Jersey, onde eu residia. Essa igreja possui um órgão de tubos e um órgão eletrônico Rodgers. Depois de tantos anos exercendo um pastorado para uma congregação de imigrantes, com múltiplas atividades, pude novamente voltar à prática da música, sentar no banco desses órgãos e reativar minhas antigas técnicas. Ali havia um coro de semiprofissionais, que liam música muito bem, e pude fazer um trabalho bastante compensador, apesar de eu mesmo ser o acompanhista. Nessa época, também comecei a publicar nos Estados Unidos músicas brasileiras para órgão de tubos (Brazilian Organ Music, em cinco volumes) e três coleções de hinos de minha composição (When Breaks the Dawn, The Heavens Are Telling e Adoro Te) Esses hinários contém hinos de minha composição com textos em inglês, escritos por autores pertencentes à Sociedade Hinológica Americana, muitos dos quais já traduzi também para o português.
ML – Conte-nos um pouco de sua vivência como regente coral, no Brasil e nos EUA.
JWF – De agosto de 1955 a junho de 1964 fui regente e organista da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo (Catedral Evangélica) e também lecionei e dirigi o Departamento de Música do Instituto José Manuel da Conceição, em Jandira, SP. Após o meu Mestrado, a partir de 1972, voltei ao cargo da Catedral Evangélica e, a seu pedido, em 1974, fui ordenado o primeiro Ministro de Música pelo Presbitério de São Paulo, da IPI, podendo exercer todas as funções pastorais. Passei, também, a dirigir o Departamento de Música da Faculdade de Teologia da IPI, enquanto também lecionava em duas outras faculdades paulistas (Alcântara Machado e Santa Marcelina).
Durante os anos que morei nos Estados Unidos, continuei vindo ao Brasil para participar dos Seminários de Música Sacra realizados em São Paulo, a compor e publicar música sacra. Estes seminários de música coral encorajaram alguns ex-alunos meus a fundar a SOEMUS, Sociedade Evangélica de Música Sacra. Todos os anos eu preparava coleções musicais novas para a rotina da música coral nas igrejas, que eram lançadas nos eventos mencionados. Os primeiros volumes da coleção Os Céus Proclamam foram lançados ainda quando eu dirigia o Departamento de Música no Instituto JMC, entre os anos 1957 e 1964. Os outros volumes e outras coleções foram publicadas quando ainda residia nos Estados Unidos. Assim surgiram as coleções Ecos de Louvor, em dez volumes, o Hinário Seja Louvado, Louvemos a Deus, em três volumes, Sempre Louvarei, 25 Hinos Novos para Um Novo Dia, e uma quantidade enorme de músicas avulsas.
ML – O senhor é autor e tradutor de diversas músicas e hinos na Língua Portuguesa. Quais são os desafios e dificuldades desse ofício?
JWF – Traduzir sempre é mais complicado do que criar um novo texto, embora um novo texto exija mais criatividade. Podemos criar textos em prosa ou poesia. Para criar é preciso ter o que dizer. A prosa é de uma estrutura menos rigorosa, enquanto que a forma poética para canto estrófico é mais rígida, porque exige as mesmas acentuações em cada verso de cada estrofe, além das rimas, que dão beleza aos versos. Por outro lado, a forma da poesia métrica facilita ao compositor, dando-lhe já uma forma musical estética proveniente da regularidade dos acentos métricos, o que não acontece com os textos em prosa. Os italianos dizem que os tradutores são na realidade ‘traidores’… Isto porque é muito difícil de dizer exatamente o que um original em outra língua diz, porque o português, como o alemão, é uma língua com palavras de muitas sílabas. O inglês, por exemplo, tem muitas palavras monossilábicas, como “church”, “Christ”, “love” “hope”. Estas e muitas outras, em português, exigem três, quatro ou mais sílabas (i-gre-ja, Cris-to, a-mor, es-pe-ran-ça). É óbvio que não poderemos encaixar nenhuma palavra multissilábica numa melodia que tenha apenas uma nota para uma sílaba, para que a tradução possa ser cantada com a mesma música. Temos que usar outros recursos, como sinônimos, apanhar a ideia geral, usar ordem inversa, etc. Não há dúvida de que é um grande desafio.
ML – Conte-nos sobre o seu pseudônimo, J. Costa.
JWF – Pouco tempo depois que voltei ao Brasil após o meu Bacharelado em Música, trouxe comigo algumas traduções de hinos bastante conhecidos na América do Norte, mas desconhecidos aqui no Brasil. Essas foram as minhas primeiras traduções. Um desses hinos era o “Deus dos antigos” (God of Our Fathers). O coro do JMC introduziu esse hino no Brasil com a minha primeira tradução e sob a minha regência, em uma grande igreja de São Paulo. O texto começava assim: “Desde o passado Deus nos protegeu”. O hino vibrante e marcial empolgou a congregação, mas, na saída do templo, o pastor dessa igreja, um iminente pregador que gostava de música e, mesmo sem entender as regras de prosódia e acentuação musical, tentava escrever suas letras para hinos, disse-me: “Faustini, eu acho que você é um bom músico. Mas eu acho que você deve deixar que os poetas escrevam as letras. Cuide da música, que eles farão os textos.” Algum tempo depois, voltamos a visitar essa mesma igreja, e então entreguei ao pastor uma nova tradução que eu havia feito do mesmo hino, agora como “Deus dos antigos”, mas desta vez usando o pseudônimo de J. Costa. O referido pastor leu o texto em voz alta com grande empolgação, e depois me disse: “Este sim! Vê-se que é um bom poeta!” A partir desta experiência, continuei a usar esse pseudônimo, porque compreendi que, apesar de ter crescido na prática de traduzir, o meu nome era um empecilho para as pessoas aceitarem minhas traduções, simplesmente pelo fato de eu ser músico… Uma experiência semelhante também ocorreu quando o Concílio Mundial de Igrejas enviou-me uma lista de hinos conhecidos para saber quais deles já haviam sido traduzidos para o português. Eu enviei ao CMI todos os que eu tinha na época, e traduzi alguns da lista que ainda não tínhamos em nossa língua. Alguns tinham o meu nome como tradutor, e outros o pseudônimo de J. Costa. Para minha surpresa, todos os de J. Costa foram aceitos pela comissão de brasileiros que participavam da compilação do hinário, e apenas um hino de Faustini foi aceito!
ML – Qual a importância do texto da música para a fixação de verdades bíblicas nas mentes do povo de Deus?
JWF – Lutero, em poucos anos, fez com que a Alemanha fosse doutrinada na Palavra de Deus. A música, indubitavelmente, contribuiu muito para isso. Os hinos da época da Reforma e os hinos tradicionais da Igreja geralmente focalizam em Deus, seu caráter, sua obra salvadora, e nas doutrinas básicas da fé, como o arrependimento, o perdão, a vida eterna. Os cânticos populares de hoje tendem a focalizar no homem e suas experiências e sentimentos pessoais. Como consequência disso, nossa geração não conhece os fundamentos da doutrina cristã. As pessoas não sabem bem o que creem, e mudam de uma denominação para outra sem ter convicção e nem poder articular oralmente a sua fé.
ML – Como compositor de antemas (obras sacras para coros) e hinos, quais são os desafios e dificuldades?
JWF – O desafio é grande. As pessoas de nossa geração estão acostumadas a terem tudo instantâneo e descartável. A música cantada nos cultos, nos dias de hoje, de modo geral, retrata isto, tanto nos regentes como nos cantores. Músicas novas sempre são necessárias, e as mais usadas se tornam descartáveis. Ficamos acostumados aos resultados imediatos em tudo. Há exceções, naturalmente. Mas poucos são os que se interessam em fazer um preparo musical longo e adequado para poder produzir música coral de qualidade. Poucos coros se preocupam com a técnica vocal, com a produção de som vocal bonito e artístico. Muitas das músicas das igrejas de hoje são cantadas por pequenos grupos de louvor, que, para substituir uma boa técnica vocal, utilizam-se de microfones individuais. Processo imediato, para supostamente se conseguir projeção vocal. O volume e som fazem sucesso imediato, mas dificilmente estas músicas permanecerão para a posteridade, devido à sua qualidade popular. Normalmente, as músicas populares duram uma geração. As eruditas permanecem, justamente pela sua qualidade e pelo seu valor artístico.
ML – Quais as coleções de músicas (entre hinários e livretos) que senhor editou?
JWF – Para dizer a verdade, são tantas as músicas que publiquei que não tenho a conta exata. Procuro adicionar as publicações num programa de dados no meu computador, e já passam de mil hinos (1.170), mas isto não inclui ainda os hinos do Hinário Seja Louvado e nem as publicações dos últimos dois anos, que precisam ser atualizadas. Muitas das minhas publicações permanecem nas prateleiras de duas salas da “SOEMUS” (Sociedade Evangélica de Música) em São Paulo, por diversas razões. A primeira delas é porque muitas igrejas, em todas as denominações, já não têm coros, e por optarem por um tipo de música mais popular e imediato. Nada contra a música popular. Ela tem o seu lugar, mas com esta tendência, os coros tendem a desaparecer. Outra razão para as publicações ficarem nas prateleiras é que o brasileiro, de modo geral, não respeita as leis de “copyright” (direitos autorais). Os regentes compram uma cópia e fazem 40 fotocópias para os seus coristas. As cópias publicadas e impressas deixam de ser vendidas! Pela lei, essas pessoas podem ser processadas, como acontece frequentemente no mundo musical. Sabemos de muitas igrejas que foram processadas por fazerem cópias ilegais ou gravarem CDs sem a devida permissão dos proprietários. Os crentes, que deviam ser exemplos, muitas vezes são os que mais burlam essa lei, até quando compilam os hinários denominacionais! Em 2003, uma grande denominação brasileira editou um novo hinário e incluiu muitos dos cânticos atuais, pertencentes a grandes publicadoras americanas, sem a devida permissão. Toda a edição de milhares de cópias com música, em magnífica encadernação, e uma edição só com a letra, tiveram de ser recolhidas a fim de que a Igreja não fosse processada! Uma nova edição teve de ser totalmente refeita e publicada, com permissões obtidas e pagas conforme a lei, para evitar um escandaloso processo. Eu mesmo poderia processar muitos coros e diversas denominações que usam minhas músicas cobertas pela lei de copyright em seus hinários ou fazem gravação dos hinos sem a devida permissão.
ML – Qual é o seu sentimento ao ver suas composições entoadas na Igreja Luterana e em outras igrejas no Brasil?
JWF – Sinto-me feliz por ter contribuído, mesmo dentro das minhas limitações, para a música, o louvor e a edificação do Reino de Deus. Vejo que há muito para ser feito em nosso país. Procuro contribuir para que a Igreja de Cristo, independente de sua cor denominacional, busque a excelência no ministério da música. Procuro ajudar e orientar jovens neste sentido. Enquanto o Senhor me der vida, saúde e lucidez, continuarei a trabalhar por isto.
ML – Pela quantidade e qualidade das suas obras e atividades, o senhor é considerado por muitos como “o pioneiro da Música Sacra Evangélica no Brasil”. De que forma isso marcou a sua vida?
JWF – Eu tive um chamado bem claro do Senhor para isso, desde os meus 12 anos. Não acho que tenha sido realmente pioneiro. Antes de mim, na música coral brasileira, houve Artur Lackschevitz, Alyna Muyrhead, Evelina Harper, Albert Ream, Henriqueta Rosa Fernandes Braga e muitos outros. Cada um fez a sua parte. Pioneiros mesmo foram Robert e Sarah Kalley e João Gomes da Rocha, que publicaram os primeiros hinos e hinários na língua portuguesa! Grandes autores também têm contribuído de maneira significativa para a nossa hinologia, como Jerônimo Gueiros, Isaac Nicolau Salum, Antônio de Campos Gonçalves, Porto Filho. Na própria Igreja Luterana temos nomes importantes como Rodolpho Hasse, Leonido Krey, Octacílio Schüler, Donaldo Schüler, Bruno Rieth, Hans Gerhard Rottmann e tantos outros!
ML – O senhor é autor dos livros “Música e Adoração” e “Música e Teologia Hoje”. Quais são os desafios da Música Sacra Evangélica na atualidade?
JWF – Muitas pessoas que lideram a música na Igreja, de modo geral, não demonstram interesse em conhecer teoria musical, harmonia, solfejo, boa leitura musical, regência, técnica vocal, hinologia, historia da música, português, etc. Não temos escolas significativas e qualificadas para o ensino da Música Sacra. Muitas igrejas não têm visão para isto. Muitos seminários brasileiros não preparam os pastores para discernir o que é bom e o que não serve para o culto de adoração. Em decorrência disto, e de modo geral, os jovens também não têm uma visão correta do papel da música no culto, e não têm grande disposição em investir tempo, dinheiro e anos de estudo para servir nesse ministério. É muito mais fácil aprender meia dúzia de acordes no violão ou no teclado, coletar alguns textos piedosos e ter a pretensão de se apresentar como os levitas bíblicos, que eram todos mestres e instruídos no canto (1Cr 25.6-7). Nada contra, mas naturalmente é muito fácil de compor e cantar músicas populares. Muitos podem fazer isto sem grandes estudos e preparo musical adequado, e ela tem o seu lugar. Mas, infelizmente, esse grande dilúvio de músicas é muitas vezes de qualidade inferior, pouco artístico, e de conteúdo teologicamente duvidoso. Há princípios bíblicos que devem ser observados, quanto ao uso da arte na adoração. Por exemplo, o melhor para Deus. Ele é digno de receber sempre o melhor, como exigia do seu povo no passado: as primícias, os primeiros frutos, o primogênito, a ovelha sem defeito, são alguns exemplos. O princípio da reverência, da moderação, também são importantes: Deus não é um Deus surdo, para que o louvemos com um som exagerado, que tenha um índice de decibéis mais elevados que o ouvido humano possa suportar… Temos de voltar à beleza e à simplicidade e a fazer da música uma “serva”, e não um fim em sim mesmo dentro do culto de adoração. Isto é o que tento ensinar e fazer.
ML – O senhor sempre participa das conferências da sociedade de hinos dos EUA e Canadá. Qual é o cenário da hinologia atual no mundo e no Brasil?
JWF – Sim, sou membro vitalício dessa sociedade desde os anos 60. Eu vejo que o Brasil acompanha e imita de maneira assustadora o que ocorre no resto do mundo, particularmente nas megaigrejas. Creio também que a apostasia dos tempos do fim virá através da deturpação e deterioração da adoração, através da música irreverente e da distorção teológica do seu conteúdo.
ML – Atualmente alguns hinários brasileiros estão sendo editados e reeditados, por exemplo, as novas edições do “Cantai Todos os Povos” (Igreja Presbiteriana Independente), o nosso “Hinário Luterano” (IELB), o da Igreja de Confissão Luterana (IECLB) e o da Igreja Metodista (“Hinário Metodista Brasileiro”). Tais hinários seguirão padrões internacionais, com partituras a quatro vozes e cifras para acompanhamentos no violão e teclado, que sirvam ao mesmo tempo aos músicos e à congregação em suas devoções. Qual a sua opinião sobre essas iniciativas?
JWF – Acho os hinários nos padrões internacionais extremamente importantes. Na realidade, os hinários acabam sendo o único manual de fé e doutrina que pode estar nas mãos das pessoas leigas, especialmente daquelas que raramente manuseiam a Bíblia. O uso de telas com textos projetados está tirando os hinos das mãos do povo. Mas os hinários, em geral, buscam a excelência doutrinária e artística, e incluem assuntos de todo o calendário litúrgico e as doutrinas básicas do Cristianismo, o que não acontece com os cânticos populares. Os hinários trazem hinos que foram frutos de profundas reflexões e experiências cristãs de irmãos nossos que viveram no passado, unindo assim o corpo de Cristo, e constituem um verdadeiro cânone indispensável para doutrinar o povo.
ML – Qual recado que o senhor deixa aos músicos evangélicos luteranos do Brasil?
JWF – Invistam no estudo da música, em todas as suas ramificações, dominem a leitura musical, a teoria da música, a harmonia, o contraponto, o piano, o órgão; estudem canto, técnica vocal e regência; estudem a Bíblia com os olhos de um músico e busquem nela os princípios bíblicos importantes para a vida cristã que se aplicam também à música. Estudem hinologia, desde os tempos apostólicos, conheçam os autores de hinos atuais de outras línguas, aprendam a traduzir, a compor e a escrever hinos congregacionais; conheçam a história da Igreja!
Ábner Elpino Campos
Membro da comissão técnica para a reedição do Hinário Luterano
Coordenador do Departamento de Música da Congregação Da Cruz
Regente dos Coros Misto e Masculino Da Cruz
*Texto publicado na edição de novembro de 2014.