Não acredito em perseguição religiosa sobre a decisão de dar poder aos estados e municípios para proibir cultos e missas na pandemia. Uma convicção baseada no entendimento bíblico sobre o que é perseguição aos cristãos, e sobre o que é igreja, o que é política, e qual a relação de igreja e estado. E creio que toda essa polêmica surge exatamente devido à relação promíscua de igreja e política partidária.
Perseguição religiosa sempre existiu e vem aumentando. Segundo a ONG Portas Abertas, no ano passado, 4.761 cristãos no mundo foram mortos devido à sua fé, enquanto 340 milhões de cristãos em 50 países sofrem alto nível de perseguição e discriminação. Situação parecida com os primeiros seguidores de Jesus, proibidos de expressar sua fé, e, por isso, seus cultos em catacumbas para cumprir o que Pedro disse ao Sinédrio, “é mais importante obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).
Então, não devemos fazer o mesmo? Tem um “porém” nessa questão: as restrições de cultos na pandemia não surgiram para acabar com a fé, mas para acabar com o vírus. Locais religiosos não estão livres de contágio, nem o altar com seus elementos litúrgicos. Aliás, muitos fiéis já se infectaram nos templos, e alguns morreram. As leis sanitárias de distanciamento social deveriam ser elogiadas pelos cristãos, seguindo a oração de Davi: “Que eu possa viver para te louvar” (Sl 119.175). Um cristão doente ou morto pelo vírus não pode louvar a Deus na igreja.
E se o assunto são leis que proíbem a presença no templo para render culto, isso já existia no Antigo Testamento. As leis sanitárias impostas ao povo de Israel, descritas em Levíticos, também restringiam a liberdade de ir e vir para preservar a vida contra doenças contagiosas. Havia leis de quarentena, distanciamento, cuidados com a higiene do corpo e das roupas, e pessoas doentes não podiam entrar no templo. Normas que foram respeitadas pelo próprio Jesus, que disse que não veio para revogar a Lei, mas para cumprir (Mt 5.17). Ao curar os dez leprosos, Jesus os mandou se apresentarem ao sacerdote (Lc 17.14), isso para que pudessem provar que podiam retornar ao culto presencial e ao convívio social.
Mas, em qualquer caso de “perseguição”, sempre é bom lembrar as palavras de Jesus: “Amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, para demonstrarem que são filhos do Pai de vocês” (Mt 5.43-45). É claro, quando igrejas e cristãos usam os instrumentos do poder político e econômico para, em nome de Deus, conquistar reinos, então, no lugar de sofrer perseguição, a igreja pratica perseguição. E assim, deixa de ser igreja.
Por fim, vale dizer que a explícita perseguição que um cristão sofre é por ele praticar o amor de Cristo num mundo infectado pelo ódio.
Sobre a perseguição aos cristãos hoje, veja mais aqui.