Dificuldades com a padronização

Atrofiar um pouco a cada dia é sempre ter que descobrir uma nova estratégia para fazer coisas básicas. As mãos que seguravam um copo, de repente já não seguram mais o mesmo copo. Os dedos que datilografavam em uma máquina de escrever, hoje não suportam o teclado de um notebook.
Então você descobre novos copos, começa a reivindicar xícaras de asas grandes nas cafeterias, aprende a digitar com os nós dos dedos.

Cadarços de sapato passam a ser desafiadores. Pela manhã, exigem de você um duelo. O tempo de alguns segundos transformados em minutos.
Sabonetes de glicerina, você vai descobrindo, são muito escorregadios. Os critérios para a escolha do sabonete passam a considerar sua textura e a possibilidade de escorregarem menos em uma mão que já não mais se espalma.

O aperto de mãos, a propósito, substituído por um “soquinho” amigável.

Você que gostava de usar camisas sociais, abotoáveis, vê-se escolhendo as básicas de malha para fugir dos botões. Chaves passam a ser suas inimigas. Moedas, idem.

Quando se tem uma doença degenerativa, que o vai atrofiando ao longo do tempo, o mais duro é ter que reaprender constantemente aquilo que você já faz. Não é glamouroso, acreditem, tampouco heroico. É chato pra caramba, e doloroso.

Ir a um coquetel se transforma quase em uma prova olímpica. Equilibrar-se com muletas, as mãos atrofiadas tendo que segurar a comida ou um copo e – pasmem – ainda conseguir comer! Não rola, e a tendência é educadamente dizer, não, obrigado, estou sem fome.
A atrofia constante também lhe ensina que, muitas vezes, quem pensa em design e layouts não pensa em funcionalidade. Talheres, copos, pratos, sanduíches, etc. Na sanduicheria descolada que existe aqui perto de casa, por exemplo, não há talheres. Para um sujeito, como eu, que a cada dia precisa reaprender a fazer coisas simples, comer um hambúrguer nesta sanduicheria descolada é algo quase impossível.

Isso para não falar das maçanetas redondas e das xícaras de café com asas fechadas ou muito pequenas (sim, sou viciado em café!). Se sua mão é atrofiada, maçanetas redondas e xícaras com asas não convencionais transformam-se em um Everest a ser escalado sem tubo de oxigênio!

Falo dessas coisas, mas poderia falar de muitas outras, e a lista seria infindável, principalmente no domínio dos self-services.

Ocorreu-me escrever sobre isso, e talvez outro dia eu volte ao assunto, porque ouço essas conversas a respeito da acessibilidade e a primeira coisa que vem ao discurso das pessoas são as rampas e elevadores, mas acessibilidade é muito mais. É, por exemplo, dispor de xícaras com asas largas na cafeteria, e considerar que atividades muito simples para você podem representar algo enorme para alguém que está do seu lado.

Principalmente quando se trata de uma pessoa cuja condição física não é estacionária.
PS.: compartilho esta experiência porque penso que ela pode ajudar na reflexão sobre acessibilidade. Não se trata, portanto, e obviamente, de pedir às pessoas que tenham piedade. Caso julgue que este texto pode contribuir com o debate a respeito dos direitos das pessoas com deficiência, sua publicação e compartilhamento estão autorizados, desde que mantido na íntegra e citada a autoria.

(Viegas Fernandes da Costa – Historiador, escritor e professor do Instituto Federal de Santa Catarina)

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias Relacionadas

Congregação Cristo Redentor, de Maceió, AL, celebra 43 anos

Culto festivo de aniversário também contou com dedicação de novo projetor e recepção de dois novos membros

Veja também

Congregação Cristo Redentor, de Maceió, AL, celebra 43 anos

Culto festivo de aniversário também contou com dedicação de novo projetor e recepção de dois novos membros

A Escola Dominical

Sua origem e importância para a edificação do povo de Deus

Igreja realiza a 10ª Conferência do MML

O evento reuniu a equipe do MML, pastores e esposas, proporcionando um espaço de aprendizado, reflexão e renovação