Orar – Confiar
Orar, antes de tudo, implica confiar. É por causa do presente da fé, por estarmos em Cristo, que podemos conversar com nosso Pai de forma aberta e sincera. O Catecismo Maior, na introdução ao Pai-Nosso, nos ajuda a visualizar a importância da oração. Por exemplo:
? Nada é mais necessário do que viver continuamente nos ouvidos de Deus, clamando e pedindo que nos dê, preserve e multiplique a fé e o cumprimento dos Dez Mandamentos e remova tudo o que está em nosso caminho e nos impede.
? Ninguém pense que é indiferente orar ou não; devemos e temos de orar, se queremos ser cristãos, da mesma forma como devemos e temos de obedecer ao pai, à mãe, ao governo. Porque, pelo invocar e pedir, o nome é honrado e empregado de maneira proveitosa.
? Deixar de lado a prática da oração pode ser equivalente a considerar Deus mentiroso, pois ele mesmo nos ordenou orar e agregou sua promessa à oração.
? Quando o pensamento desencorajador surgir, “Eu não sei orar”, podemos lembrar que a oração se aprende e se pratica ao longo da vida cristã.
? A oração possui conteúdo. “Quem quer pedir deve apresentar, expor, nomear algo que deseje. Caso contrário, não se lhe pode chamar de oração.” E a oração não acontece apenas em momentos extremos, mas, sim, é um hábito a ser cultivado todos os dias.
Tudo isso a fim de que, antes de tudo, se aprenda a considerar a prece como coisa grande e preciosa.
Aspectos práticos – confiando
A confiança em Deus nos leva a orar, pois confiamos em sua vontade e provisão para a nossa vida. Compartilho algumas reflexões no aspecto prático da nossa vida de oração, a partir de uma perspectiva pastoral.
Pedi e dar-se-vos-á. Cristãos que conversam com o Pai por meio do Filho creem que ele é Deus, e não há sabedoria que possa superá-lo no tocante às nossas necessidades, sonhos, problemas e frustrações. Nossos pedidos e preces, portanto, são apresentados dentro deste conhecimento e confiança. Quando oramos nessa fé, oramos dentro da vontade de Deus.
Tudo posso naquele que me fortalece. O antecedente desse versículo é importante. Pensar em tudo o que podemos em Cristo, que nos fortalece, é pensar no enfrentamento das situações de abundância e escassez com a força que ele dá. Geralmente pensamos em contentamento na dificuldade, mas um aspecto nem sempre notado neste texto é o contentamento na fartura. “Ficar contente com pouco é difícil, mas ficar contente com muito é impossível”. Aprender a viver contente na fartura, mesmo que não pareça, pode ser mais desafiador do que na escassez. O cristão ora por proteção e constância em ambas as situações.
Dedique tempo. Você pode ser uma das milhares de pessoas que têm tido dificuldades em se concentrar por mais de dois minutos para uma oração. Podemos orar a qualquer hora, em qualquer lugar, sem dúvida, e durante qualquer tempo também. Mas dedicar tempo de qualidade para a oração também é uma disciplina útil. Se conseguimos dispor de dezenas de minutos para rolar a tela do celular a esmo, é possível desenvolver uma disciplina de tempo específico para oração. Não faltam motivos para orar, e isso envolve também disciplina e prática constante.
Orar pelos que não têm fé. Lembre-se, o seu melhor amigo ou o seu familiar amado não estará com você na eternidade se partir sem fé em Jesus. Ore pedindo oportunidades para ser reflexo de Cristo para o próximo. Como nem sempre as oportunidades surgem espontaneamente sem que pareça forçado, podemos orar pedindo a Deus que nos impulsione com seu Espírito Santo a pregarmos o evangelho também com nossas atitudes e jeito de viver.
Por fim, e em primeiro lugar, quando falamos em oração, não podemos esquecer da petição: seja feita a tua vontade. A repetição de frases como “Deus é bom o tempo todo” e “Deus é maravilhoso, ele ouve as nossas orações” é bem visível em tempos de bonança e bênçãos, quando há cura, quando há livramento e conquista. Essas declarações podem não aparecer com tanta frequência em momentos de dificuldade e tragédia. No entanto, ao orarmos e vivermos nossa fé, repetimos: “O Senhor o deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor”. Nossa linguagem cristã luterana não é de glória e vanglória, mas de humildade e cruz. Todas as nossas orações são ouvidas e respondidas, mesmo aquelas que não são ouvidas e atendidas da maneira que nós esperávamos que fossem.
Fazer orações é confiar incondicionalmente na vontade de Deus – justa, precisa e perfeita.
Confessar – compartilhamos Cristo para todos
O recorte na abordagem deste tema foi com a escolha do verbo Confessar, a partir de um texto do professor Arnaldo Schuler apresentado à congregação dos professores do Instituto Concórdia de São Paulo (ICSP), em 1986. Alguns aspectos importantes do texto:
a. Confessar significa professar, dar testemunho, declarar publicamente, e a palavra confissões designa declarações de fé.
b. Cristãos sinceramente interessados na difusão do evangelho sempre são confessores. Eles comunicam a fé verdadeira. Essa confissão é responsabilidade de todos os crentes, conforme Pedro nos fez saber. A maneira que a igreja compartilha o evangelho pode abarcar diversas atividades, mas a mais essencial delas é confessar.
c. Em Colossenses 4.6 encontramos a orientação apostólica para o nosso confessar, uma bela síntese que resume o que de mais importante se poderia dizer sobre a maneira de confessar: palavras bondosas, mas não insípidas. Palavras ao mesmo tempo brandas e sadias. Esse confessar pode omitir questões periféricas, ou sem importância, ou indiferentes (pelo menos em si), tais como cerimônias, ornamentos, vestes, formas litúrgicas, etc.
d. Em meio aos debates sobre estratégias de evangelização, não esqueçamos a estratégia ensinada e exemplificada por Cristo: o casamento entre o amor e a mensagem. Deus não prometeu agir através das nossas opiniões, especulações, teorias, por isso, a confissão que pode produzir resultados espirituais em quem nos ouve é aquela que traz os ensinamentos divinos. E o centro de nossa confissão é Jesus Cristo e sua obra.
e. Confessar é uma das mais belas formas de agradecer a Deus pelo tesouro que ele nos deu. Por isso, confessar é privilégio que traz alegria, felicidade e bênção espiritual.
Confissão e vida santificada
Antes de falarmos do aspecto corporativo da fé ativa no amor na congregação cristã, é importante lembrar que nossa fé ativa no amor (santificação) tem a maioria de suas oportunidades de acontecer em três áreas: família, amigos/igreja e escola/trabalho. Antes de pensarmos em amor ao próximo apenas em termos de grandes ações e causas públicas e humanitárias, lembremos que a fé entra em ação, na maior parte das oportunidades, com nosso cônjuge, filhos, irmãos, amigos, colegas – todos aqueles que estão mais próximos.
Na vida corporativa do povo de Deus, a confissão na vida pública da igreja parte de, e está fundamentada em, Palavra e sacramentos. Confessamos a Cristo quando os meios da graça estão no centro. Todas as demais atividades da igreja, as quais podem mudar constantemente em forma, propósito e contextualização, fluem a partir deste centro imutável.
Uma vez que existe abundante material teológico conceitual nesta área, vou utilizar este espaço para compartilhar algumas percepções práticas de ministério sobre confessar a Jesus em um mundo aconfessional – sem pretender esgotar as inúmeras outras possibilidades de confessar Cristo para todos.
Culto. A discussão sobre estilos de culto ocupa, de tempos em tempos, considerável espaço na igreja. Se está mais calma agora, voltará ali adiante. Nas últimas décadas, aparece especialmente no contexto “culto tradicional x culto contemporâneo”. O culto é, sem dúvida, o ponto de início e de chegada, o ponto alto da vida congregacional. Mas a vida de uma congregação não se define apenas pelo culto ou pelo estilo de culto que ela pratica. A vida saudável de uma congregação acontece nas diversas áreas de sua vida onde a Palavra de Deus, em lei e evangelho, tem livre e claro curso. Além disso, esse tema não precisa ser uma questão de “ou”, mas, sim, de “e”. A igreja não precisa abrir mão de sua tradição litúrgica, nem precisa abrir mão de se fazer próxima do contexto em que está inserida.
Música. A música tem fundamental importância como um meio de comunicação. E sendo um meio de comunicação, sempre está em função de alguma coisa. Assim, quando a música cristã é mal manejada, traz o perigo de iludir as pessoas em seus sentimentos e projeções. Bem entendida e utilizada, é meio poderoso para compartilhar Cristo na congregação e no mundo.
O estilo musical da igreja pode receber a mesma abordagem que os estilos de culto. Existe beleza na tradição e na variedade. Esse, no entanto, é um tema historicamente sensível, como estes dois fatos ilustram:
? Por incrível que pareça para o nosso tempo, por séculos, a maioria dos líderes da igreja eram contrários à utilização de instrumentos musicais no culto. A visão dos puristas – de que instrumentos de qualquer tipo eram seculares, “mundanos”, não tendo lugar dentro do templo – prevaleceu. Como resultado, nos primeiros mil anos, a maioria da música vocal na igreja não tinha acompanhamento. O próprio órgão, hoje instrumento comum nas igrejas, levou muitos séculos para ser admitido em um culto público, após várias proibições de papas e editos da igreja.
? No século 17, a Igreja Luterana da Alemanha se encontrava em discussão sobre a adoção ou não de um modelo de música contemporânea de influência italiana, a ópera e a polifonia barroca (especialmente, Bach). Os pietistas posicionaram-se contra a utilização deste estilo musical na igreja, enquanto boa parte dos pastores ortodoxos não viram mal em fazer uso de uma nova forma artística como meio para a comunicação do evangelho.
Como não existe uma música sacra por definição (nenhum tipo ou estilo ou instrumento musical pode ser considerado mais agradável a Deus do que o outro), a regra fundamental para definir a música cristã, ao longo dos séculos, foi seu conteúdo. Isso aumenta ainda mais a responsabilidade da igreja na escolha e na composição de letras e melodias, arranjos e instrumentos, pois se o estilo musical não tem ordenação bíblica, o conteúdo que se quer compartilhar precisa estar ancorado na Palavra, assim como a ordem e decência necessárias para o culto público. Músicas tendem a ficar por muito mais tempo na memória individual e coletiva das pessoas do que, por exemplo, sermões. Isso realça a importância de utilizarmos hinos e canções que sejam não apenas belos e agradáveis, mas corretos em seu conteúdo bíblico.
Acolhimento. Pesquisa realizada na IELB entre os anos 2020-2021 visou a diagnosticar aspectos relacionados ao acolhimento nas congregações luteranas, adicionando ao compartilhar a Cristo e receber pessoas na igreja à importância de assimilá-las no seio da congregação. Os interessantes resultados do estudo já foram disponibilizados para uso da igreja.
Ação Social. A fé em ação olha para as necessidades do próximo e se preocupa com ele. A IELB tem investido crescentemente em sua ação social, e muito ainda pode ser feito nesta área para compartilhar o evangelho de Cristo em formas concretas de amor ao próximo. Corpo e alma necessitam de nossa ação em Cristo, pois ambos são igualmente importantes, e ambos estarão no céu, para sempre, com ele.
Se as pessoas que estão sendo ajudadas chegarem à conclusão de que temos “uma segunda intenção espiritual” ao ajudá-las, elas estarão certas. Estamos ajudando as pessoas nas suas necessidades físicas porque queremos trazer até elas alimento e fortalecimento para a necessidade espiritual, que é não apenas para este mundo, mas para a eternidade.
Internet. O aspecto ao qual dou destaque nesta seção refere-se ao uso do ambiente virtual não apenas como meio, mas também como fim. Isto é, a igreja não precisa utilizar websites e redes sociais apenas como meio para tentar trazer pessoas para seu espaço físico. O ambiente virtual também pode ser a igreja. As plataformas digitais podem ser espaço onde a igreja é igreja para o próximo, o acolhe, o convida, o instrui. Considerando ainda que a IELB ainda não está presente em vários lugares do Brasil, oferecer a igreja no espaço digital poderá ser fator de trazer ainda mais pessoas a Cristo. Isso não implica, novamente, “ou”, mas “e”. Não se trata de substituir, mas de adicionar.
Prepare-se para desconfortar
Como igreja cristã, queremos receber bem a todos, especialmente os visitantes e futuros novos membros. Vamos tentar fazer de tudo para que se sintam confortáveis em nosso meio. A única coisa que não pode deixar de desconfortar, no entanto, é o anúncio da Palavra de Deus. Como cristãos no Ocidente, precisamos estar cada vez mais acostumados com a possiblidade de nossa proclamação e testemunho desconfortarem, ou até ofenderem, gerando reações em uma cultura hostil a muitos pontos da mensagem cristã.
No entanto, esta pode ser uma grande oportunidade. Como tem acontecido ao longo da história, a perseguição pode ser usada por Cristo para fortalecer e unir sua Igreja. Além disso, sabemos que Deus é quem estabelece os limites. Os inimigos do evangelho só podem ir ate onde ele permitir.
Compartilhar HOJE
Às vezes nos perdemos em discussões e minúcias de nossa atividade semanal e esquecemos que ali, na próxima esquina, há pessoas indo para o inferno. A Palavra ensina que pessoas sem a fé em Cristo criada em seus corações, serão afastadas da presença de Deus para sempre. Nossa mensagem é urgente – e como os teólogos costumam chamar, escatológica, apontando para os tempos do fim. Confessar a Cristo e compartilhá-lo é uma tarefa que não pode ser adiada para quando as coisas melhorarem, não pode ser deixada para depois nem enterrada embaixo de uma agenda cheia de compromissos ou do medo de ser cancelado por família, amigos e sociedade.
A oportunidade para este compartilhar, frequentemente, não vem de oportunidades de fala, por isso, grandes oportunidades surgem quando refletimos em nossas vidas práticas o evangelho de Cristo, mostrando seu amor ao próximo. Nossa vida cristã comunica a Cristo para salvar pessoas. No entanto, em vez de deixarmos isso se tornar um fardo (tudo depende de mim) ou um motivo de arrogância (eu levei fulano para Cristo com meu exemplo de vida), lembremos de onde vem esta capacidade: em Cristo está tanto nosso querer como realizar (Fp 2.13). Aqui entra a importância de os cristãos estarem constantemente conectados a Jesus, em Palavra e sacramentos, participação nos cultos, leitura e meditação da Palavra, fé em ação, recebendo perdão e participando da comunhão com os irmãos da mesma fé.
Conclusão
A Palavra de Deus é a fonte de conteúdo, ensino, segurança e confiança para nosso orar e compartilhar; individualmente e como corpo de Cristo. Olhamos para cima, estendemos as mãos para os lados e caminhamos em frente. Firmes até o fim, “em Jesus Senhor, com perdão e amor, espalhando a paz; na alegria e dor. Sua graça nos traz salvação”.
Confiando e confessando, pedimos: “Guia a nossa fé, firmes no agir, rumo ao eterno lugar”.
*Lucas Andre Albrecht
Associate Pastor
Mount Olive Lutheran Church
Regina SK, Canada
NOTA
Texto-estudo completo da temática IELB 2022 e as fontes de referência,