Quando começou a liberdade religiosa? Na modernidade, foi com o reformador Martinho Lutero, quando chamado pelo imperador Carlos V perante a Dieta de Worms, para refutar seus escritos. Depois de pedir um dia para pensar na exigência de se retratar, acabou dizendo que “minha consciência está presa nas palavras de Deus – não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro” (OS 6, 1996, p.126).
Ao analisar o contexto, podemos enxergar um professor de teologia e padre católico que foi convocado perante uma corte de justiça para uma transação penal – deixaria seus escritos em troca de sua vida e seu status jurídico. De lá para cá, sabemos o que houve: Lutero foi excomungado, sequestrado por seus amigos, e de 1521, data deste evento, até 1546, quando faleceu, liderou um dos movimentos mais significativos e de maior impacto no Ocidente. Um dos muitos frutos dessa ousada declaração foi justamente a noção de que, uma vez portadores de inata dignidade pelo Criador, também nossos compromissos de consciência despertados pela iluminação do evangelho devem ser respeitados. Nascia aí o fundamento que moldaria o sistema de liberdades civis fundamentais, sendo a religiosa a primeira e base das outras (econômica, de expressão, reunião etc.).
Ao longo dos séculos, o que se viu foi o amadurecimento institucional tanto da igreja quanto do Estado (que, aliás, surgiu como o conhecemos a partir de todo este movimento eclodido da Reforma). As liberdades surgiram no horizonte, os valores do evangelho fermentaram a consciência de muitos mais, e, seja por muitas batalhas ou pela intrepidez de pioneiros, os sistemas políticos se adequaram à realidade da fé religiosa que leva à Cidade de Deus protegida por quem ele decidiu que cuidasse da cidade dos homens.
Porém, com o avanço iluminista e secular, muito também se fez para retirar os valores transcendentes da arena pública, empurrando a influência da igreja para dentro de seus muros, e buscando construir um ambiente “neutro” para que o homem prevalecesse e progredisse. Vieram o cientificismo do século 19 e os experimentos sociais – além das guerras – do século 20, para derrubar quaisquer esperanças de que houvesse espaço para um homem sem Deus. Porém, depois da fumaça das bombas, viu-se que a cultura cristã, especialmente na Europa, também havia ficado em frangalhos.
Hoje, por exemplo, temos a parlamentar Päivi Räsänen e o bispo luterano Juhana Pohjola, que estão sofrendo um processo judicial na Finlândia por conta de sua expressão de consciência religiosa. A política manifestou seu descontentamento com a Igreja Luterana estatal da Finlândia a respeito do tema da sexualidade, casamento, ética e comportamento religioso. Fez uma postagem no Twitter em 2019, e foi processada por discurso de ódio contra a comunidade LGBTQIA+ pelo Ministério Público de lá. O bispo (que lidera um sínodo luterano que tem comunhão com a International Lutheran Council, a mesma que a IELB integra), também foi processado por concordar com a parlamentar.
Foram levados a julgamento para um debate teológico, exatamente como Lutero em Worms. Porém, diferentemente dos tempos medievais, as democracias ocidentais estão fundamentadas na liberdade que o Reformador proclamou em 1521! Por conta disso, o tribunal deu ganho de causa à parlamentar e ao bispo. Embora o Ministério Público tenha recorrido e o processo não tenha terminado, já foi um grande avanço.
Quais as lições que tiramos? Primeiro, a liberdade religiosa é frágil e depende do contínuo exercício das gerações para que seja mantida. Segundo, somente uma sociedade que valoriza a fé religiosa também poderá achar importante ter liberdade para expressá-la. Terceiro: somos herdeiros da Reforma que abriu as portas do céu pela redescoberta do evangelho. Que possamos agir dignamente em nossas vocações de proclamarmos a Verdade que liberta!
Jean Regina @jeanregina
Thiago R. Vieira @tr_vieira