Os programas de Natal, ou encenações sobre o nascimento de Jesus, sempre incluem três personagens. As crianças ficam fascinadas, pois estes personagens são os que trazem os presentes à manjedoura. Estamos falando dos Reis Magos, também conhecidos como os três sábios que vieram de terras longínquas do Oriente para honrar e adorar o Salvador Jesus, dias após seu nascimento (Mt 2.1-12).
Por mais importante que tenham sido os presentes trazidos pelos magos (Mt 2.11), por mais vistosas e exóticas que foram suas roupas – o que sem dúvida ajudou a embelezar as encenações a que você assistiu no Natal –, a importância que a Bíblia dá à visita tem uma envergadura muito maior, qual seja: Jesus é o único Salvador, enviado por Deus a toda humanidade! Em outras palavras: Deus manifestou sua glória entre nós e enviou o seu “único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
Os três Reis Magos estão incluídos na narrativa do Natal, porque o plano de Deus incluía, também, salvar os que não pertenciam ao povo de Israel (Is 42). Estes, que são chamados de ‘gentios’ (Is 42,1, 6), veriam a salvação que Deus enviou por meio do seu povo escolhido: Israel.
Epifania é o nome escolhido para designar este momento de destaque no ano da Igreja. Epifania é a última data que integra o Ciclo do Natal, parte que se encontra no início do calendário eclesiástico, o ano da Igreja. E não é sem razão que Epifania também recebe a designação de Natal dos Gentios, isto é, quando Jesus é revelado ao mundo não judeu como o cumprimento da promessa de Deus lá no Gênesis: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3.15).
Para não deixar dúvidas, Epifania é uma palavra de origem grega, traduzida para o português como: “mostra”, “manifestar”, “apresentar-se”, “tornar-se conhecido”, “revelar”. Assim, para nós cristãos, o Dia de Epifania (6 de janeiro) é a celebração da manifestação e da revelação do Salvador Jesus Cristo a todo o mundo, simbolizado pela visita dos magos orientais.
A estes sábios e estudiosos homens, os magos, Deus manifestou a estrela que revelava o nascimento do Rei dos judeus (Mt 2.2). Eles viram o sinal epifânico de Deus e, porque acreditaram na revelação de Deus, viajaram muitos dias para ir adorar o Salvador. Estes magos esperavam encontrar o Rei dos reis na majestade do palácio de Jerusalém, afinal, lá morava o rei. Por isso, o rei Herodes ficou sobressaltado com a notícia de que um rei havia nascido sem o seu conhecimento. Sua angústia ficou mais latente ainda quando os renomados estudiosos dos textos do Antigo Testamento revelaram o que Deus já havia revelado através do profeta Miquéias, muitos anos antes: “Em Belém da Judéia, porque assim está escrito por intermédio do profeta: ‘E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar a meu povo, Israel’ ” (Mt 2.6-7 citando Mq 5.2).
Quando soube disso, Herodes quis eliminar a aparição deste novo rei, pois temia perder seu trono e seu poder. Mas Deus tinha o seu plano, que não incluía a morte do menino Jesus. No plano de Deus – a Obra da Salvação – Jesus ensinaria e depois morreria crucificado (Sexta-Feira Santa), ressuscitando ao terceiro dia (Páscoa). Esse era o plano de Deus. E assim aconteceu!
Na Igreja Cristã, celebrar Epifania é lembrar o caráter salvífico de Cristo, que se manifesta a todo o mundo como o Salvador prometido. Três aspectos importantes precisam ser pontuados: a Igreja Cristã, o Batismo e a Santa Ceia.
Epifania através da Igreja
Epifania, a manifestação do Salvador Jesus Cristo ao mundo, dá-se através da sua Igreja, ou, conforme confessamos no Credo Apostólico: “a comunhão dos santos”. A comunhão está no encontro com a palavra de Deus; fora desta não pode haver comunhão de santos. Deus continua a agir através de seu povo hoje assim como o fez no passado (lembrando novamente Is 42), para que o seu nome seja manifestado e tornado conhecido através da pregação da sua Palavra; aliás, uma ordem de Cristo a todos nós (Mt 28.19-20). Esta palavra não é de sabedoria humana. Veja: os magos eram sábios e profundos conhecedores das ciências humanas, mas adoraram o menino Jesus porque Deus revelou que este era o Rei dos reis, o Senhor dos senhores, o Salvador do mundo. A Igreja Luterana tem como tarefa principal proclamar o Evangelho a todos os que “estão no vale da sombra da morte” (Sl 23), manifestando-lhes o perdão e a graciosa salvação que somente é possível em Cristo. Através da palavra anunciada, Deus se manifesta hoje a todas as pessoas, em todos os lugares e situações, para que o nome de Jesus seja conhecido e, assim, muitos sejam salvos.
Epifania através do Batismo
Epifania é a manifestação do Salvador Jesus Cristo para o mundo através do Batismo. O Batismo “não é apenas água simples, mas é água compreendida no mandamento divino e ligada à palavra de Deus” (Catecismo Menor). Através do sacramento do Batismo, Deus manifesta de forma visível e concreta a sua Palavra. Através do Batismo, somos perdoados dos nossos pecados (At 2.38) e, assim, unidos de modo real e absoluto com Cristo, recebendo as qualidades do Salvador Jesus Cristo, que nos livra de nossa condição de perdidos e afastados de Deus (Gl 3.26-27). Isto nos dá a certeza de que a morte não tem mais poder sobre nós (Rm 6.3-5). O Batismo de Jesus foi a manifestação (epifania) da ação do Deus Triúno na salvação da humanidade (“Este é meu Filho amado, em quem me comprazo” Mt 3.17). Por isso, a Igreja Luterana tem como tarefa anunciar a Palavra de Deus a toda criatura e batizar em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Epifania através da Santa Ceia
Epifania, a manifestação do Salvador Jesus Cristo ao mundo, dá-se através da Santa Ceia. Novamente lembrando as palavras do nosso Catecismo Menor, a Santa Ceia (Sacramento do Altar): “É o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, dado a nós cristãos para comer e beber, instituído pelo próprio Cristo”. Quando os cristãos se reúnem à volta do altar do Senhor para o partir do pão e o repartir do cálice, estão anunciando “a morte do Senhor até que ele venha” (Liturgia Luterana, Ação de Graças). A Igreja Luterana ensina, crê e confessa que Deus concedeu este sacramento para fortalecer a fé e a certeza da salvação, recebidas no Batismo e sempre proclamadas pelo Evangelho. É Deus quem nos fortalece a fé! É Deus que nos dá o perdão! Independentemente da fé da pessoa que distribui a Santa Ceia. A palavra é de Deus, e a Santa Ceia é a manifestação visível do amor de Deus por todos os que integram a “família da fé”, a “comunhão dos santos”, a Igreja Cristã.
O Dia de Epifania está inserido no ano da Igreja conectado solidamente com Natal e Páscoa, como a manifestação do amor de Deus ao mundo. Isso inclui você e eu, pessoas que Deus tornou justas e, assim, livrou da condenação eterna unicamente por meio da fé (justificação pela fé). Com isso, somos tornados herdeiros da bem-aventurança, a vida eterna (Rm 8.17), para que anunciemos a sua Palavra salvadora a todos os povos que não conhecem o Salvador. Com nossas vozes, mãos, pés e dons viveremos conforme a salvação que está em nosso coração e mente, caminhando nos mandamentos de Deus (santificação pela fé).
A Epifania que comemoramos no dia 6 de janeiro nos faz lembrar que agora vivemos aqui no mundo; no entanto, também nos lembra de uma futura Epifania do Senhor Jesus, quando ele virá em glória e majestade e nos receberá na bem-aventurança celestial. Esta será a Epifania final e plena!
Por isso, sejamos testemunhas vivas e diárias da Epifania de Cristo ao mundo, o Salvador que é a Água Viva e que dá a vida, que é eterna e presente em Deus. Você e eu somos testemunhas deste amor de Deus, que se manifestou a nós na Palavra, no Batismo e na Santa Ceia. Por isso, “[…] não podemos deixar de falar daquilo que temos visto e ouvido” (At 4.20) aos que estão próximos de nós: familiares, amigos e todos com quem convivemos. Que Deus nos abençoe em nosso caminhar!
*Este texto foi publicado no Mensageiro Luterano de janeiro/fevereiro de 2014.
Clóvis V. Gedrat
Pastor e professor de teologia/filosofia
São Leopoldo, RS