Independência brasileira e liberdade religiosa

Este é um mês especial para os brasileiros. Comemoramos 200 anos de independência política, expressão de autodeterminação que nos levou enquanto sociedade a ditar os rumos do que entendemos ser a nossa “busca pela felicidade”. E é interessante acompanhar como o alvorecer do Brasil independente foi crucial para que o evangelho, sob as tradições protestantes, pudesse finalmente fazer morada e florescer por aqui.

É sabido que o impulso da navegação portuguesa foi uma junção de interesse mercantil e força evangelizadora católica, buscando expandir a influência da cristandade católica, conforme a visão de mundo daquele período medieval.

De 1500 até o início do século 19, não havia nem vestígio do protestantismo em nossa terra, a não ser os huguenotes franceses no Maranhão e os reformados holandeses em Pernambuco entre os séculos 17 e 18. Foi apenas com a vinda da Família Real em 1808, e o Tratado de Aliança e Amizade, e o de Comércio e Navegação, que os primeiros raios de liberdade de crença e religiosa começaram a brilhar no Brasil.

A Independência fez com que, gradualmente, o Brasil fosse acomodando novas tradições cristãs e permitindo um convívio pacífico. Certamente conta o fato de que Portugal nunca instalou em seus domínios os chamados Tribunais do Santo Ofício (a Inquisição), o que propiciou um distanciamento entre a Santa Sé e o Brasil português. Nascia aí a “benevolência” do Estado brasileiro para com a religião, que hoje é tão famosa.

Em poucas décadas, o Brasil passou ser alvo das múltiplas tradições protestantes de missão: os germânicos luteranos e reformados chegados a partir de 1824; americanos puritanos em 1835; o Dr. Robert Kalley, que, em 1858 formalizou a primeira igreja protestante de língua portuguesa; a Igreja Presbiteriana, organizada em 1862; os metodistas, em 1871; os batistas em 1881; o sínodo rio-grandense (embrião da IECLB) em 1866; e os luteranos missourianos, embrião da IELB, a partir de 1900.

O século 20 consolidou essa realidade plural, adotando, a partir da República, o modelo de laicidade. Mas no Estado laico brasileiro, existe uma colaboração entre o poder político e o religioso para a promoção do bem comum, como tratamos em nosso livro A Laicidade Colaborativa Brasileira (Vida Nova, 2020).

Assim, nestes 200 anos, o Brasil mostra, de forma única, a liberdade religiosa como um fio condutor que fundamenta nossa sociedade e o próprio Estado. Os fundamentos da República (art. 1º da CF/1988) dependem da liberdade religiosa para serem alcançados. A soberania (I) só existe quando um povo pode autodeterminar sua fé; a cidadania (II) só é plena quando cada pessoa contribui para o bem da cidade terrena a partir de sua perspectiva da Cidade de Deus; a dignidade humana (III) existe quando a fé pode fundamentar a vida, privada e pública; os valores sociais do trabalho e livre iniciativa (IV) só existem de maneira inclusiva quando a fé também pode ser vivida em todos os domínios de vocação humana; e, o pluralismo político (V) acontece quando se respeita a teologia e a vontade de cada grupo de querer participar (ou não) das decisões, evitando o monismo e permitindo a diversidade de ideias.

É como diz o ditado atribuído a Santo Agostinho: “No essencial, unidade; na dúvida, a liberdade; em tudo, a caridade”.

Viva o Brasil!

Jean Regina – @jeanregina

Thiago R. Vieira – @tr_vieira

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