Queridos irmãos em Cristo, estamos em meio a uma pandemia que tem afetado diversas áreas da vida coletiva: da saúde à economia, da espiritualidade à ciência; é também tempo de polarização emocional, pois no mesmo dia podemos, enquanto sociedade, sentir alegria pelos que se recuperam e tristeza pelas famílias dos que partem. Se, a partir da empatia cristã de “chorar com os que choram” (Rm 12.15), você está ou já se sentiu sensível aos estragos provocados pela Covid-19, seja mais que convidado a refletir nas palavras que seguem.
Admito que, para entendermos muitas das razões dos sofrimentos presentes, precisamos momentaneamente fixar nossa atenção ao passado. No início da pandemia no Brasil, publiquei um texto, chamado “Outro vírus”, no Instagram da Banda Vinde a mim, um grupo de louvor no qual participo em minha congregação local, e nele procurei relacionar a Covid-19 com a desobediência do primeiro casal. Resumindo a ideia aqui, enxergo o pecado de Adão e Eva como uma espécie de vírus espiritual que se propagou por toda a humanidade (Rm 3.23), causando os mesmos efeitos do biológico na contemporaneidade: medo, morte, aflição, angústia e sofrimento. Não é uma analogia perfeita, mas para expressar a ideia, creio que sirva. E, assim como em relação ao surgimento do pecado, acerca dessa pandemia levanta-se o seguinte questionamento: onde está Deus no meio disso tudo?
Sei que é sobremodo arriscado levantar um questionamento profundo como esse, mas o anseio de tentar aliviar essa questão arde em meu coração. Nós, cristãos – ao menos os luteranos –, cremos em um Deus que é eternamente o mesmo, não muda e, portanto, seus atributos são invariáveis (Hb 13.8). Um deles, a bondade, é colocado em cheque quando nos questionamos sobre como pode tal Deus ser bom e, apesar disso, permitir a existência do sofrimento. C.S. Lewis, escritor anglicano do século XX e autor da brilhante narrativa cristológica As Crônicas de Nárnia, detalha essa questão em seu livro “O problema do sofrimento”. Aqui, expresso o que considero ser a síntese de sua tese, a qual, na verdade, é seguramente esclarecida pela própria Palavra.
Admitindo que a Bíblia é infalível e, portanto, descreve Deus com exatidão, precisamos considerar que ele sempre foi, é e será bom. Assim, quando criou o mundo, criou-o sem pecado, e tudo era “muito bom” (Gn 1.31). Note que o pecado entra no mundo pela ação do ser humano, quando, ao ser tentado pelo diabo, escolhe (porque tem livre-arbítrio, já que Deus não força uma relação) confiar em algo diferente da providência divina; assim inicia-se a inimizade contra Deus. A meu ver, não há marco cronológico mais devastador do que o momento em que a criatura decide tornar-se inimigo de seu próprio Criador.
Porém nosso Deus não desiste de reconstruir a relação. E, se a inimizade vem por iniciativa do ser humano, a recuperação desta é oferecida por aquele que é o Amigo Fiel. Deus tenta isso com Noé, mas algum tempo depois a geração de Babel o esquece. Também tenta com Abraão, mas logo o povo de Israel o despreza. Apesar de aparentemente não ter motivos – de fato, o saber e o conhecer de Deus são insondáveis (Rm 11.33) –, ele incansavelmente segue tentando, até que entrega seu próprio Filho em morte de cruz para que finalmente tenhamos plena reconciliação com ele. O sacrifício prometido em Gênesis 3.15, logo após a queda, anulou nossa inimizade contra Deus para que nos tornássemos novamente seus amigos pela fé em Cristo. O sangue de Jesus derramado no madeiro fez pulsar o nosso coração e nos envolveu com laços de amor.
Sim, como entusiasticamente cantamos em nossos cultos, “Em Jesus amigo temos”. Ele é o verdadeiro amigo que prometeu estar conosco todos os dias (Mt 28.20); que se alegra com nossa alegria e chora nosso choro; que nos visita em nossa doença; que nos aponta amorosamente o pecado e assim transforma nossa mente; que nos carrega quando estamos sem forças; que nos alimenta quando estamos com fome; que nos fortalece quando estamos abalados; que nos dá a paz que o mundo não pode dar. E, mais recentemente, tenho meditado em uma certeza muito reconfortante: ele é o amigo que não cansa de voltar. Mesmo com nossos erros, pecados, falhas; mesmo que o desprezemos e nos esqueçamos dele tantas vezes, ele não cansa de voltar a estar conosco. Ele não cansa de apaixonadamente nos ver acordar, acompanhar nosso dia e afetuosamente nos despedir para mais uma noite de sono. Ele não cansa de renovar seus votos de fidelidade, pois nada muda o que ele é. E, se essa pandemia de alguma forma está mostrando quem são nossos verdadeiros amigos, podemos ter a certeza de que Jesus é o melhor deles. Afinal, “ninguém tem amor maior do que este: de alguém dar a própria vida pelos seus amigos” (Jo 15.13).
Se o principal ingrediente de toda boa relação é o amor, é certo que podemos amar, porque ele nos amou primeiro (1Jo 4.19). E, da mesma forma que Cristo é para nós um grande amigo, podemos nos espelhar nele para desenvolvermos amizades verdadeiras com outras pessoas. Aliás, não apenas espelhar-se nele, mas vivê-lo em nossas amizades. Pois, além de sua ação invisível, estou certo de que nossos amigos podem ser instrumentos visíveis da manifestação de Jesus. Conhecendo-nos intimamente e sabendo o quanto precisamos de abraço, carinho, afago, motivação, direcionamento e mais uma infinidade de coisas, acredito que Cristo providencie para nós verdadeiros amigos, os quais manifestem visivelmente a essência do Deus invisível.
Se cremos que Cristo é a fonte da verdadeira alegria e prazer… Bem, que privilégio é ser amigo de alguém que nos aproxima dele! Quanto mais cabe a nós, que já o conhecemos, apresentá-lo para aqueles que ainda não sabem quem ele é. E, em tempos de isolamento social, em que se evita ao máximo o contato físico, talvez possamos redescobrir cada vez mais em nossas amizades que isso não é inteiramente necessário para que se mantenha viva a relação.
Mas eu diria que Jesus tem tentado nos ensinar isso há um bom tempo. Afinal, creio que, no meio disso tudo, não precisamos enxergar para ver que Deus, Jesus, o nosso melhor amigo, está bem aqui, cuidando de nós. E ele nunca, jamais se cansará de voltar ao nosso encontro.
Um grande abraço em Cristo, igreja!
Gustavo Munieweg
Estudante universitário
Pelotas, RS