Rev. Filipe Schuambach Lopes
Pastor da IELB
Caxias do Sul, RS
Pentecostes é uma das mais antigas e significativas celebrações do calendário cristão. Muito além de uma data isolada, esta festa encerra o glorioso Tempo Pascal e marca, com alegria e poder, o início de uma nova era: a era da igreja, nascida pela ação do Espírito Santo.
Celebrada cinquenta dias após a Páscoa e dez dias após a Ascensão do Senhor, a festa de Pentecostes nos conduz àquele dia extraordinário em que, reunidos em oração, os discípulos receberam o prometido Espírito Santo, com som de vento impetuoso, línguas de fogo e a proclamação das maravilhas de Deus em diversas línguas. Ali, se cumpriu a promessa de Jesus: “Vocês receberão poder, ao descer sobre vocês o Espírito Santo” (At 1.8).
Desde então, a Igreja vive e se move pelo poder do Espírito. Pentecostes não é apenas uma lembrança de um evento passado, mas uma celebração viva da presença contínua de Deus entre nós. É também o ponto de transição do tempo pascal para o tempo da igreja: o tempo em que somos enviados ao mundo como testemunhas do Cristo ressuscitado.
Raízes e desenvolvimento da festa de Pentecostes
Antes de ser celebrada pela igreja de Cristo, Pentecostes já ocupava um lugar especial no calendário do povo de Israel. No Antigo Testamento, essa festa era conhecida como Festa das Semanas, ou Shavuot, e acontecia cinquenta dias após a Páscoa judaica, conforme instruções em Levítico 23 e Deuteronômio 16. Originalmente, era uma festa agrícola, na qual se ofereciam as primícias da colheita do trigo como expressão de gratidão e reconhecimento da fidelidade e generosidade de Deus. Dois pães eram trazidos diante do Senhor como símbolo dessa aliança.
Com o passar do tempo, Shavuot passou a lembrar também um acontecimento decisivo na história da salvação: a entrega da Lei no Monte Sinai. Ali, o povo libertado do Egito foi formalmente constituído como nação santa, selando sua identidade por meio da aliança com Deus. A Festa das Semanas se transformou, assim, numa celebração do nascimento do povo de Deus, marcado por sua Palavra e chamado à fidelidade.
É nesse pano de fundo que a festa cristã de Pentecostes ganha seu pleno significado. Quando os discípulos estavam reunidos em Jerusalém, cinquenta dias após a ressurreição de Jesus, celebrava-se ali essa mesma festa. A cidade estava cheia de judeus vindos de todas as partes do mundo. E foi justamente nesse contexto, durante a festa que lembrava a aliança e a entrega da lei, que Deus enviou o Espírito Santo, cumprindo a promessa de Jesus.
Conforme narra Atos capítulo 2, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos com som de vento impetuoso e línguas como de fogo. Eles passaram a falar em diversas línguas, e todos os presentes ouviam as grandezas de Deus em seu próprio idioma. Aquela confusão de vozes, que um dia dividiu os povos em Babel, foi agora superada pela pregação do Evangelho que reúne, ilumina e cria um só corpo: a Igreja de Cristo.
Pedro, cheio do Espírito, anuncia que tudo aquilo era cumprimento da profecia de Joel: Deus derramaria seu Espírito sobre toda a carne, e todo aquele que invocasse o nome do Senhor seria salvo. A aliança do Sinai, antes escrita em pedra, agora seria gravada nos corações. E naquele mesmo dia, cerca de três mil pessoas foram batizadas. O Pentecostes tornou-se, assim, o marco visível do nascimento da igreja, formada não por linhagem de sangue ou nacionalidade, mas pela fé em Cristo ressuscitado.
Nos primeiros séculos, a Igreja compreendia Pentecostes como o ponto culminante do tempo pascal, um único e grande ciclo de cinquenta dias que começava com a ressurreição do Senhor. Durante esse tempo, cada domingo era celebrado como um novo Domingo de Páscoa. O quinquagésimo dia, então, era solenizado com grande alegria como o dia da descida do Espírito e da fundação visível da igreja.
Já no século III, Hipólito de Roma menciona Pentecostes como um tempo especial para a celebração dos batismos, o que demonstra sua íntima ligação com a nova vida em Cristo. No século IV, com o desenvolvimento mais claro do calendário litúrgico, Pentecostes foi colocado ao lado da Páscoa e da Epifania como uma das três grandes festas da redenção.
Em Roma, no século VI, encontramos registros no Sacramentário Gelasiano indicando que Pentecostes possuía vigília própria, missa específica e até uma oitava, ou seja, oito dias de celebração prolongada. Era também o momento de conclusão do período mistagógico, em que os recém-batizados recebiam ensino aprofundado sobre os mistérios da fé, após sua iniciação na vigília pascal.
O domingo seguinte ao Pentecostes passou a ser conhecido como Domingo da Trindade, marcando a transição entre o tempo pascal e o tempo da igreja. Em várias tradições cristãs, celebram-se ainda a segunda-feira e a terça-feira de Pentecostes, com leituras e orações próprias, refletindo a importância prolongada dessa festa.
Hoje, no lecionário da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, essa tradição ainda se conserva: temos leituras e celebrações próprias para a véspera de Pentecostes, para o Dia de Pentecostes, para a Noite de Pentecostes (ou Segunda-feira de Pentecostes) e para a Terça-feira de Pentecostes. Essa estrutura revela que Pentecostes não é apenas um único domingo, mas uma vivência rica e contínua da ação do Espírito.
O que começou como a Festa das Semanas, celebração da colheita e da entrega da lei, tornou-se, no Cristo ressuscitado, a festa do novo povo de Deus. Uma colheita de almas foi iniciada, uma nova aliança foi selada pelo Espírito, e a Igreja foi lançada em sua missão de proclamar o evangelho a todas as nações. Pentecostes é, assim, a festa do novo Sinai, a inauguração da nova criação, o envio da Igreja e a certeza de que o Espírito Santo continua a operar poderosamente por meio da Palavra e dos sacramentos.
Pentecostes e o tempo Pascal
Pentecostes não é apenas uma celebração isolada no calendário da igreja. Ela é o ponto culminante do tempo pascal, encerrando um período de cinquenta dias iniciado com a ressurreição do Senhor. Esse tempo, conhecido na tradição como “os grandes cinquenta dias”, é vivido como uma única e prolongada festa da vida, marcada pela presença do Ressuscitado entre os seus.
Desde o Sábado de Aleluia até Pentecostes, a igreja vive em tom de alegria, exultação e vitória. Durante os primeiros quarenta dias, o círio pascal permanece aceso, simbolizando a luz de Cristo ressuscitado, que brilha sobre o mundo e conduz os fiéis no caminho da vida eterna. Na celebração da Ascensão do Senhor, esse círio é solenemente apagado, indicando que Jesus, embora invisível, continua presente por meio da Palavra, dos sacramentos e da ação do Espírito Santo.
Durante esse tempo, os fiéis se aprofundam na compreensão dos mistérios do batismo e da santa ceia. Isso segue a tradição da Igreja primitiva, que ensinava aos recém-batizados, chamados de neófitos, os significados mais profundos da fé após a sua iniciação na Vigília Pascal. Esse período mistagógico era dedicado ao ensino contínuo, à oração e à integração dos novos membros à vida da comunidade.
Pentecostes é, portanto, a plenitude desse caminho. A vitória do Cristo ressuscitado alcança sua realização plena quando ele envia do céu o Espírito Santo. O Espírito que pairava sobre as águas da criação, o mesmo que desceu sobre Jesus no Batismo, agora repousa sobre toda a Igreja. Ele é a presença viva de Deus, que consola, ensina, fortalece e envia.
A festa de Pentecostes não marca apenas o fim do tempo pascal. Ela inaugura também o tempo da missão, quando a Igreja, fortalecida pela Palavra e pelos sacramentos, é enviada ao mundo como testemunha do evangelho. Assim, Pentecostes é ao mesmo tempo uma conclusão e um começo. Encerramos o ciclo pascal, mas iniciamos a caminhada do tempo da igreja, onde, movidos pelo Espírito, seguimos vivendo a fé, anunciando a salvação e aguardando o retorno glorioso de Cristo.
O Espírito Santo e a vida da ogreja
A festa de Pentecostes nos lembra que o Espírito Santo não é uma força abstrata, nem um sentimento que vem e vai, mas a terceira pessoa da Trindade, que age de modo concreto e contínuo na vida da Igreja. Ele age por meio de instrumentos visíveis, que a tradição da Igreja chama de meios da graça, e o faz de maneira objetiva e eficaz.
De forma clara e direta, o artigo V da Confissão de Augsburgo afirma: “Para que alcancemos essa fé foi instituído o ministério que deve ensinar o evangelho e administrar os sacramentos. Pois a palavra e os sacramentos são como instrumentos pelos quais é dado o Espírito Santo que opera a fé onde e quando agradar a Deus naqueles que ouvem o evangelho, isto é, que não é pelos nossos méritos, mas por causa de Cristo que Deus justifica aquele que crer que é recebido na graça por causa de Cristo”.Isso significa que o Espírito Santo está ativamente presente no santo ministério, o qual foi instituído por Deus para proclamar o evangelho e administrar os sacramentos. Por meio desse ministério, o Espírito chama, congrega, ilumina e santifica o povo de Deus.
No Batismo, o Espírito Santo nos regenera, nos torna filhos de Deus e membros do corpo de Cristo. Como escreve o apóstolo Paulo: “Ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo” (Tt 3.5). No Batismo, o Espírito dá fé, perdoa pecados, cria nova vida e nos incorpora à comunhão da Igreja. Não se trata de uma cerimônia simbólica, mas de uma ação verdadeira e poderosa de Deus.
Na pregação da Palavra, o mesmo Espírito continua operando. Ele convence do pecado, leva ao arrependimento e gera fé. É o Espírito quem faz com que a Palavra seja viva, eficaz e pessoal. “A fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo.” (Rm 10.17). O pastor, ao proclamar o Evangelho e absolver os pecados em nome de Cristo, age como instrumento do Espírito para edificação e consolo dos fiéis.
Na santa ceia, o Espírito Santo nos une ao verdadeiro corpo e sangue de Cristo, concedendo perdão, vida e salvação. A ceia não é apenas memória, mas participação real na graça de Deus. Por isso, após a distribuição dos elementos, o pastor declara: “Que esta ceia vos fortaleça e preserve na fé para a vida eterna”.Essas palavras expressam o cuidado constante do Espírito, que sustenta os fiéis na comunhão com Cristo.
Assim, o Pentecostes não é apenas uma lembrança do passado. É uma realidade que se renova toda vez que a Igreja se reúne em torno da Palavra e dos sacramentos, sob o ministério que Cristo mesmo instituiu. O Espírito Santo continua vindo a nós, edificando-nos na fé, consolando os corações abatidos e nos mantendo firmes até o dia da consumação. Por meio do santo ministério, o Senhor continua sua obra entre nós, distribuindo os tesouros da salvação que Cristo conquistou na cruz.
Talvez, nos acostumamos a pensar que o Espírito só age no estrondo e no espetáculo. Que ele só se manifesta onde há sinais visíveis e maravilhas gritantes. No entanto, a maior parte da Sua obra acontece em silêncio. Sem vento. Sem fogo. Apenas com água e Palavra. Apenas com pão e vinho. Apenas com vozes humanas, fracas, mas que carregam a força do céu.
Símbolos e cores da Festa de Pentecostes
A celebração de Pentecostes, como todas as festas do calendário cristão, está repleta de símbolos que ajudam a comunicar e a aprofundar o mistério celebrado. Os sinais visuais e litúrgicos falam à alma, despertam a memória da fé e nos colocam em comunhão com a grande tradição da Igreja.
A cor litúrgica do Pentecostes é o vermelho. Essa cor, que aparece poucas vezes no ciclo do Ano da Igreja, é usada para indicar a presença do fogo divino, símbolo tradicional do Espírito Santo. O vermelho remete às línguas como de fogo que pousaram sobre os apóstolos no dia de Pentecostes e representa também o amor ardente de Deus, que consome o pecado e inflama o coração dos fiéis com fé e coragem. Além disso, o vermelho também é a cor dos mártires, indicando que a vida cristã, movida pelo Espírito, está disposta ao testemunho fiel até mesmo em meio ao sofrimento.
Entre os símbolos mais antigos associados ao Pentecostes está a pomba, que representa o Espírito Santo em sua suavidade, pureza e poder. Embora apareça com destaque no Batismo de Jesus, a pomba também se tornou um sinal visual comum para a presença do Espírito em diversas manifestações litúrgicas e artísticas da Igreja. Outro símbolo frequente é a chama, usada tanto em candelabros e estandartes quanto na decoração do altar e da nave, evocando o fogo que aquece, ilumina e purifica.
A Missão da Igreja no Poder do Espírito
A celebração de Pentecostes não é apenas memória do passado. Ela é envio. Assim como os discípulos foram cheios do Espírito e começaram a anunciar corajosamente as maravilhas de Deus, também hoje a Igreja é enviada ao mundo, conduzida e fortalecida por esse mesmo Espírito que veio do alto.
A missão da igreja nasce do coração de Deus e se realiza por meio da ação do Espírito Santo. Ele é quem desperta, envia, consola, fortalece e guia. É o Espírito quem concede os dons, distribui os ministérios e anima a proclamação do evangelho. O Pentecostes marca, portanto, o início visível dessa missão que não se limita a Jerusalém, mas alcança os confins da terra.
A Igreja, ao proclamar o evangelho, administra os meios da graça, chama ao arrependimento, testemunha a ressurreição de Cristo e oferece a reconciliação com Deus. E tudo isso não é feito por sua própria força, mas pela presença viva do Espírito Santo, que continua a operar onde e quando quer, por meio da Palavra e dos sacramentos.
O Espírito não age de maneira desordenada ou mística. Ele forma a igreja como comunidade visível, reunida ao redor do altar, da fonte batismal e do púlpito. É nesse contexto que os dons espirituais são colocados a serviço do próximo, em amor, em edificação e em testemunho. A missão da Igreja é, por isso, uma extensão da própria missão de Cristo. Como o Pai o enviou, assim ele envia a sua igreja, no poder do Espírito.
O mundo em que vivemos continua marcado por línguas que confundem, corações que se afastam e povos que se dividem. É justamente nesse cenário que a igreja é chamada a viver o Pentecostes: anunciando a salvação em Cristo com clareza, com fidelidade e com compaixão. E quando ela age assim, o Espírito continua reunindo pessoas de toda tribo, povo, língua e nação em torno do cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Conclusão
A Festa de Pentecostes é mais do que uma lembrança histórica. É celebração viva da ação contínua de Deus na vida da sua igreja. A descida do Espírito Santo sobre os apóstolos não foi um ponto final, mas o começo de uma nova etapa no plano da salvação: a etapa da missão da Igreja, animada, guiada e sustentada pelo Espírito.
É o Espírito Santo quem continua agindo em nosso meio, por meio do ministério instituído por Deus, onde a Palavra é fielmente proclamada e os sacramentos são corretamente administrados. Como confessa a igreja no artigo V da Confissão de Augsburgo, por esses meios o Espírito é dado, cria fé e conserva os fiéis na comunhão com Cristo. Quando ouvimos o evangelho, quando somos batizados, quando participamos da santa ceia, é o Espírito quem age, quem consola, quem fortalece e quem nos preserva na fé verdadeira para a vida eterna.
Pentecostes nos lembra que não estamos sozinhos. O mesmo Espírito que deu coragem aos apóstolos para proclamarem o evangelho é o Espírito que hoje nos enche de fé, de esperança e de amor. Ele continua reunindo o povo de Deus, formando a Igreja e enviando-a ao mundo com a mensagem da cruz e da ressurreição.
E é com essa fé, com esse consolo e com essa missão, que celebramos a vinda do Espírito, suplicando com toda a igreja: “Vem, Espírito Santo, enche os corações dos fiéis e acende neles o fogo do teu amor. Aleluia”.
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