José, cuidador dos seus irmãos

Vendido pelos irmãos a mercadores de escravos, José se torna governador do Egito. Rejeitado pelos irmãos, movidos por inveja e ódio, José os acolhe com bondade e perdão. Uma história de inimizade e de reconciliação entre irmãos, esta é uma das mais belas narrativas de todos os tempos.

Os sonhos do menino José, de que os seus irmãos o reverenciariam, não anunciavam uma relação de poder, mas de fraternidade, reconciliação e salvação. A justiça, o perdão e a vida foram mais fortes e prevaleceram contra a injustiça, a vingança e a morte. A fraternidade pode ser destruída pelo ódio, ressentimento e desejos de vingança, isso porque ela mesma só é edificada pelo amor, pela compaixão e pelo perdão. Reconhecer as próprias faltas e perdoar as faltas alheias é o que nos permite nos dirigirmos a Deus em oração com as palavras, “Pai nosso, que estás nos céus”. Ninguém pode amar a Deus a quem não vê se odeia o irmão a quem vê, isto é, a quem vê em suas fraquezas e necessidades, em pobreza ou enfermidade.

José viu (reconheceu) seus irmãos depois de vinte anos, mas eles não o reconheceram, como não o haviam reconhecido como irmão na juventude. José viu (socorreu) seus irmãos, angustiados pela fome na terra, apesar deles não o terem visto (se compadecido dele) quando implorava por sua vida. Depois de abandonarem o irmão que vinha até eles depois de muitos dias de jornada, eles o abandonaram numa cova para morrer de fome e de sede. Nem mesmo quando os irmãos se reuniram para comer e beber, eles se lembraram de José, privado de pão e água. Por dinheiro, venderam o irmão a mercadores de escravos e enviaram ao pai a túnica de José, rasgada e manchada de sangue, para convencer Jacó de que o jovem havia sido atacado por animais selvagens no caminho. E, no entanto, José manda servir aos irmãos um banquete e recusa o pagamento pelo mantimento que foram buscar no Egito para não morrerem, eles, suas famílias e o pai, já idoso.

Jacó, há tempos, não recebia notícia de seus dez filhos mais velhos. Envia-lhes o irmão deles, em busca de boas notícias. José vai até eles, mas as notícias que Jacó recebe são as do desaparecimento de seu filho amado. Também Deus enviou seu Filho amado em busca dos filhos perdidos, e estes o crucificaram. José e seus irmãos eram pastores de rebanhos, de ovelhas e cabras, e, como pastores, eram cuidadores do rebanho. Sua missão era conduzir os rebanhos para as pastagens e fontes de água, protegendo-os dia e noite, em constante vigília. De longe, os irmãos avistaram José, mas não cuidaram dele, não lhe deram pão e água, não o protegeram, mas o maltrataram, e, por fim, como ladrões, o venderam para mercadores de escravos.

Os irmãos de José agiram como Caim, que, no campo, longe da presença e proteção do pai, matou seu irmão Abel. Perguntado por Deus – “Onde está Abel, teu irmão?” – Caim respondeu – “Acaso sou eu guardador do meu irmão?” Os irmãos de José não agiram como irmãos, nem como pastores. Guardavam o rebanho de seu pai, mas não guardaram o seu irmão. Duas décadas depois, o governador do Egito, que é o próprio José vendido como escravo, torna-se o pastor e guardador de seus irmãos, de suas famílias e de seus rebanhos. Eles mesmos se apresentam a José para serem escravos, eles mesmos e seus filhos, mas José os acolhe como irmãos. José, no entanto, se faz verdadeiramente irmão de seus irmãos, para que eles também pudessem ser fazer, por fim, também, seus irmãos.

José havia sido apelidado pelos irmãos de “senhor dos sonhos” – interpretados como sonhos de grandeza, de poder e de domínio sobre seus irmãos. E José, tendo alcançado grandeza, poder e domínio, se faz servo de seus irmãos. Seus sonhos se cumpriram por meio do amor e da compaixão, do perdão e da reconciliação, do salvamento e da ajuda, e não por meio de poder ou vingança.

Jesus, também, Senhor e Juiz, se fez nosso irmão, para nos reconciliar com Deus, nosso Pai Celestial, e uns com os outros. As promessas de Deus se cumpriram como reconciliação de todos em Cristo, como família de Deus. O evangelho de Cristo, a sua pregação, é um anúncio do perdão de Deus e, ao mesmo tempo, um chamado a estender o perdão recebido uns aos outros. Como filhos de Deus, reconciliados com o Pai Celestial, oramos: “perdoa as nossas dívidas assim como nós também perdoamos aos nossos devedores”.

Jesus se tornou nosso irmão, nosso cuidador, nosso defensor e advogado junto a Deus. Ele nos convida à mesa, no partir do pão, na oferta divina de reconciliação, perdão, paz, vida e salvação.

Ao participar da ceia do Senhor, não nos tornamos convidados indignos se o fazemos sem perdoar a quem nos tem ofendido ou se negamos o cuidado uns aos outros? Ao partir o pão com Cristo, que nos amou e deu sua vida por nós, ao mesmo tempo, ainda há lugar para nos odiarmos uns aos outros? Ao sermos acolhidos na mesa do Senhor e, com Cristo, darmos graças ao Pai Celeste pelo pão de cada dia, somos capazes de deixar nossos irmãos com fome, sede, frio e abandonados à própria sorte? Ao participar do cálice da bênção, ainda nos julgamos uns aos outros, ainda falamos mal uns dos outros, ainda tecemos intrigas uns contra os outros?

E, no entanto, é justamente no partir do pão – o sacramento do perdão, da reconciliação, da comunhão e do amor – que somos capacitados e ensinados a amar e perdoar nosso irmão. Por esse motivo, suplicamos, também, que a nossa participação na santa ceia fortaleça a nossa fé e renove, em nossos corações, o verdadeiro amor pelo nosso próximo. Jesus, o Bom Pastor, nos acolhe, nos alimenta e cuida de nós. E, guardados no amor de Deus, também nós nos guardamos uns aos outros no amor de Cristo.

Quando os irmãos foram tomados de medo, José respondeu que os perdoava porque Deus o havia enviado ao Egito antes deles para o bem de todos. Deus transformou o mal em bem, guardando a todos em vida. José, que sofreu o mal, tornou-se instrumento do bem. Também Jesus sofreu o mal e se tornou instrumento do bem, vencendo a maldição e trazendo a bênção de Deus a toda humanidade. Perdoar é possível quando nos deixamos cuidar por Deus, que é poderoso para transformar o mal em bem, tornando-nos instrumentos de Deus na prática do bem. José não se tornou prisioneiro do mal que sofreu, alimentando rancores em seu coração, mas esperou, pacientemente, o bem da parte de Deus. E o amor de Cristo o capacitou a se tornar cuidador de seus irmãos.

Luisivan Vellar Strelow

Porto Alegre, RS

[email protected]

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias Relacionadas

Ações de Graças em todo tempo

Célia Marize BündchenPresidente da Região Catarinense “Graças dou por esta vida.” Assim inicia um belo hino que certamente todos nós gostamos de...

Veja também

Ações de Graças em todo tempo

Célia Marize BündchenPresidente da Região Catarinense “Graças dou por esta...

No coração, a guerra. Na Bíblia, a paz

Assista à reflexão do pastor Paulo Teixeira, secretário de Relações Institucionais da SBB, baseado em 2Co 5.18

Aos aflitos

Ao corpo de Cristo pertencem pessoas que se lembram de nós que se aproximam de nós com afeto. A presença do Criador em suas criaturas afasta o medo. João nos garante que podemos caminhar com absoluta confiança, mesmo em época de crise.