“Tome o menino e sua mãe e fuja para o Egito”

“Tudo está pronto, podemos partir!”, diz José, e olha para sua esposa, mãe forte, segurando seu primeiro filho. Difícil ter que partir com tanta pressa, logo após uma visita alegre de homens do Oriente. Seus presentes serão de grande utilidade na viagem que se aproxima; não será fácil chegar no Egito, são muitos dias de caminhada. Ainda estava escuro, como na noite em que chegaram em Belém, quando partiram enquanto todos dormiam. Um mal se aproxima, e os dias que virão serão de dor e pranto para muitas famílias em Israel.

O aviso do anjo não saía do pensamento de José, “Levante-se, tome o menino e a sua mãe e fuja para o Egito. Fique por lá até que eu avise você; porque Herodes há de procurar o menino para matá-lo” (Mt 2. 13). Mas quanto tempo seria? Será que seu primeiro filho cresceria longe da família, longe do povo, longe do Templo? Maria, sua esposa ainda tão jovem, sofrerá por viver longe de pessoas queridas. Não poderá acompanhar o crescimento de João, filho de Isabel, sua amiga e parente que lhe falou palavras lindas na sua gravidez. Será que a ira de Herodes alcançaria João? Será que alcançaria Jesus?

A dor da despedida, o medo da incerteza, a caminho até um país distante, só restava confiar em Deus, que outrora trouxe promessas doces e verdadeiras. Confiar na misericórdia do Senhor, que vai de geração em geração sobre os que o temem, e esperar que com seu braço forte ele derrube dos seus tronos os poderosos e exalte os humildes (Lc 1.46-55).

O sol raiou, iluminando um tempo sombrio na terra de Israel que estava ficando para trás. Sangue de crianças seria derramado na tentativa de matar o futuro Rei dos Judeus. Herodes morreria sem encontrá-lo, e sua morte traria de volta a esperança da família retornar do Egito para Israel. Até lá Deus cuidaria da família no país distante, como prometeu.

A história da família de Jesus é marcada por uma situação em que precisam abandonar seu país e buscar refúgio longe de casa. Sua própria nação era uma ameaça. A fuga para o Egito é a fuga de uma família refugiada, desafiando o futuro incerto na esperança de salvar suas vidas do mal que os persegue dentro de suas fronteiras.

Esta história, tão antiga quanto o texto bíblico, se assemelha com as páginas dos jornais em todo mundo. Vivemos um período de intensa movimentação de refugiados. Sírios para a Europa, afegãos pendurados em aviões, venezuelanos buscando amparo no Brasil. Histórias de dor, de fuga, de medo, de despedida, de morte. Nos barcos que atravessam o mediterrâneo, o medo da guerra obriga a encarar a letal deriva sobre o mar que divide nações. O abismo de água que divide céu e inferno, morte e esperança, passado e futuro. A crise dos refugiados é o cenário de um mundo guiado pelo ódio, violência, fome e intolerância religiosa. Quantos Josés e Marias precisarão sair de madrugada em busca de refúgio? Quantos morrerão tentando?

A situação dos refugiados em todo o mundo tem sido tema de grande preocupação de organizações internacionais, governos e igrejas. Os números são expressivos: entre 2011-2019, o Brasil recebeu 1.085.673 imigrantes e refugiados, e só em 2020 foram 28.899 refugiados, sendo muito deles vindos da Venezuela e Haiti. São pessoas que já estão nas nossas cidades, estados e país.

A realidade de um refugiado não é fácil. Além de toda sua história que o forçou a deixar seu país, ainda enfrenta a escassez de recursos, a discriminação por parte da população, a dificuldade de fazer parte da sociedade e os muitos casos de exploração do trabalho (pela necessidade, muitos aceitam trabalhar sob péssimas condições de salário e emprego).

Entre as muitas necessidades, chama a atenção a importância do acolhimento, do fazer parte do país, de criar vínculos. Entre as várias instituições que tem se colocado a serviço do acolhimento de imigrantes e refugiados, é importante destacar como as igrejas de diversas denominações tem ido ao encontro dessas famílias para oferecer ajuda, capacitação, moradia, saúde e emprego. Os bons exemplos se multiplicam, inclusive na IELB.

Além dos trabalhos que estão acontecendo em diversas congregações por todo o Brasil, a IELB, através das congregações do Norte do país e do Departamento de Ação Social, criou o projeto COMPARTIR, Serviço Luterano de atenção ao Migrante e Refugiado. O projeto surgiu na região Norte, mais especificamente em Roraima, devido ao grande número de refugiados venezuelanos que estão presentes nessa região. As igrejas reconheceram a necessidade de atendimento a esse grupo de pessoas, e o trabalho continua crescendo.

Esse trabalho é fundamentado em quatro verbos de ação: Acolher, Proteger, Promover e Integrar. A partir dessa estratégia, procura-se levar às famílias: segurança alimentar, moradia segura, saúde e higiene, educação, esporte e lazer, emprego e renda, integração e proteção. Além de proporcionar ajuda de forma integral, observando as necessidades das famílias, o projeto busca integrar as famílias na sociedade brasileira através da interiorização, que leva as pessoas para outras regiões do Brasil onde há melhores condições para recomeçar a vida. Estados das regiões Sul e Sudeste já receberam esses refugiados com a missão de integrá-los na sociedade.

A lembrança da história da família de Jesus ajuda a observar que ele já foi uma criança refugiada. Cristo se identifica com o imigrante e o refugiado em Mateus 25.35, dizendo, “eu era forasteiro, e vocês me hospedaram”. O Salvador está ao lado daqueles que estão passando necessidade e envia seus discípulos para estenderem a mão às necessidades daqueles que sofrem.

Diante da realidade dos imigrantes e refugiados que já estão próximos de nós, a Palavra de Deus nos dá exemplos de acolhimento e amor para com aquele que está em necessidade. Como discípulos de Jesus, somos chamados a ter um olhar sensível àqueles que estão ao nosso redor, estendendo ajuda na medida das nossas capacidades e dons.

Como congregações, podemos apadrinhar famílias e buscar informações com os projetos como o Compartir. A igreja é um ambiente privilegiado para o acolhimento, pois carrega o servir a Cristo através do amor estendido aos que estão precisando de ajuda. São os braços e mãos do Senhor acolhendo forasteiros de todos os povos, línguas e nações. Colocando em seus lábios um novo cântico de louvor a Deus. Ouvir as histórias desses Josés e Marias é abrir os ouvidos para famílias que, como a família de Jesus, estão em busca de salvar suas vidas.

Gabriel S. Sonntag

Pastor

Cariacica, ES

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