Estivemos recentemente em Nova Iorque (EUA), participando da Conferência Global de uma entidade internacional chamada “Parlamento & Fe Internacional”. O tema foi: “Unindo nossas nações e reconciliando nosso mundo”, e juntou representantes de mais de 30 países para debaterem sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
A Agenda 2030 é um plano de ação global que reúne 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas para erradicar a pobreza e promover uma vida com dignidade para todos. O que as lideranças globais anunciaram, quando implementaram essa agenda no ano de 2015, foi o seguinte:
Antevemos um mundo de respeito universal aos direitos humanos e à dignidade humana, ao Estado de Direito, à justiça, à igualdade e a não discriminação; ao respeito pela raça, etnia e diversidade cultural; e à igualdade de oportunidades que permita a plena satisfação do potencial humano e que contribua para a prosperidade compartilhada. Um mundo que investe em suas crianças e no qual cada criança cresça livre da violência e da exploração. Um mundo em que cada mulher e menina desfrute da plena igualdade de gênero e no qual todos os entraves legais, sociais e econômicos para seu empoderamento tenham sido removidos. Um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo no qual as necessidades das pessoas mais vulneráveis sejam atendidas.
Porém, na busca da paz através da instrumentalidade da justiça e promoção de valores universais, a ONU e seus líderes deixaram de lado a primeira das liberdades humanas e o verdadeiro elemento de conexão entre todos estes grandes objetivos: a liberdade de crer e viver conforme o compromisso de consciência gerado pela fé. Não há, em nenhuma das 17 ODS ou nas 169 metas qualquer referência à liberdade religiosa.
Tal omissão mostra que o pressuposto antropológico a partir do qual a agenda foi criada deixou de lado uma das primeiras – se não a mais importante – necessidade humana fundamental: o propósito da existência e seu fim último. Quando isso acontece, diz o filósofo Roger Scruton, deixa-se espaço para que as ideologias substituam a religião neste papel de buscar “o propósito último da vida, o caminho para a redenção e o consolo para todas as aflições”.
Não é, portanto, o fato de a religião ocupar seu espaço na sociedade que a divide e gera insegurança ou não promove a paz; antes, é a ausência de um lugar para ela na “mesa” que produz um vácuo indesejado, e que será inevitavelmente ocupado de maneira indevida.
A liberdade de crença (íntima convicção) somente se concretiza no fim com a liberdade religiosa (expressão da fé), por meio de liturgia e culto, de ensino e de prática de vida. E aí temos dados estarrecedores de que 70% da população mundial sofre com algum tipo de perseguição religiosa. Não é possível pensar em um mundo de “paz e justiça” sem que isso passe pela liberdade de viver a própria fé – e isso também deve acontecer num ambiente onde o que seja bom para mim também o seja para o meu próximo.
Talvez seja realmente uma oportunidade única em nossa geração para sermos sal e luz em tempos de alta conectividade, grande esfriamento espiritual e enormes desafios para o amor ao próximo no exercício de nossas vocações.
Nesse espírito, aproveitamos nossa participação no evento para endereçar a lideranças mundiais a posição de que a Agenda 2030 somente terá maior alcance legítimo quando o espaço de liberdade religiosa for uma prioridade global!
Jean Regina e Thiago R.Vieira
Coluna Direito Religioso