Tenho me reunido com algumas congregações luteranas para esclarecer dúvidas sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e uma dúvida que surge, que pouco tem relação com LGPD, é a questão de acesso a documentos e registros da congregação por terceiros.
Percebi que o assunto não é assim tão raro de acontecer, e há poucos esclarecimentos sobre como proceder, deixando pastores e diretoria em dúvida. Então, para colaborar, seguem esclarecimentos e sugestão de procedimentos:
Que arquivos podem ser acessados por terceiros?
Alguns documentos podem e devem ser acessados por terceiros, como: certidões de casamento, de batismo, confirmação e profissão de fé; registros de transferências de membros; cadastro de pessoas contratadas para trabalhar na congregação, seja por carteira assinada (CLT), seja por contrato; documentos fiscais e contábeis, extrato de conta bancária; atas de reunião de diretoria, atas de assembleia; estatuto, regimento interno; e o cadastro individual dos membros.
Quem são os terceiros?
Chamamos de “terceiros” quem não faz parte da congregação. Exemplos: escritório de contabilidade; advogados; pesquisadores; autoridades; outra congregação; o Centro Administrativo da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB); e particulares (pessoas físicas sem nenhuma ligação com a congregação).
Em que situação esses terceiros podem acessar esses documentos?
Basicamente são cinco as situações em que terceiros podem acessar os arquivos da congregação: processo judicial ou administrativo; pesquisa; interesse privado; contrato; e fiscalização.
Situação 1
Acesso a documentos por terceiros devido a processo judicial ou administrativo
É bastante comum, quando uma pessoa está buscando reconhecimento de aposentadoria rural, seja pela via administrativa (INSS), seja judicial (Justiça Federal), ter que provar sua ligação com a terra. Essa prova é obtida através de certidões de casamento ou de batismo. Por esta razão, pessoas com ou sem nenhuma ligação com a congregação buscam na igreja uma 2ª via ou cópia autenticada de certidões de seus pais ou avós.
Nestes casos, a não há como negar o acesso ao documento, é um direito da pessoa obtê-lo; se a congregação negar, poderá ter que responder a outro processo judicial ou ter que atender o pedido via ordem judicial.
Tipo de documentos requisitados:
Certidão de batismo, casamento; confirmação ou profissão de fé. Registro de transferência de membros.
Como proceder?
1 – Confira o real relacionamento entre quem requer o documento e os nomes que constam no documento.
2 – Não entregue originais para que a pessoa faça cópia e depois devolva.
3 – Agende para a pessoa retirar uma cópia autenticada.
4 – Nem todas as congregações arquivam uma via da certidão, algumas apenas registram no livro (Livro de Batismos; Livro de Casamentos, etc.), neste caso, a Diretoria deve elaborar uma certidão, assinada pelo presidente, declarando que no livro tal, na página tal, encontra-se o registro do casamento de fulano; ou o batismo de cicrano ocorrido naquela congregação, em tal data. MUITO IMPORTANTE, nesse tipo de documento, para não prejudicar a pessoa, é referir datas, local e testemunhas (padrinhos).
Outra possibilidade judicial é quando a própria congregação estiver envolvida em algum processo judicial, nesse caso, pode acontecer de o juiz requisitar documentos que contenham dados pessoais dos membros.
Tipo de documentos requisitados:
Estatuto, Regimento Interno, cadastro de membros, registro de ofertas, extrato bancário, relatórios fiscais, contratos, etc. Dependerá de cada caso.
Como proceder neste caso?
1 – Nunca entregue documentos originais, nem para o advogado ou advogada. Somente entregue documentos originais se a ordem judicial referir essa obrigatoriedade.
2 – Verifique com o advogado ou advogada a possibilidade de pedir sigilo judicial do documento, para não expor o nome dos membros. Lembre-se que o processo judicial é público, portanto, qualquer pessoa pode ter acesso, menos a documentos classificados com grau de sigilo.
Situação 2
Acesso a documentos para fins de pesquisa
Também não é raro das igrejas serem procuradas por pessoas que estão pesquisando sobre sua própria origem, montando sua árvore genealógica, ou historiadores pesquisando sobre origem de povoados, localidades, famílias, etc.
Nesses casos, as igrejas são fontes fundamentais de pesquisas, e aqui os procedimentos serão diferentes conforme o decurso de tempo de cada documento.
Primeiro, é importante que as congregações entendam que o acesso a esses documentos é regulado por duas leis diferentes: a Lei Federal nº 8.159/91 e a Lei Federal nº 13.709/18 (LGPD).
O art. 16 da Lei nº 8.159/91, combinado com o art. 22, § 2º, Inc. III do Decreto nº 4.073/22, determina que os registros de arquivos de entidades religiosas produzidos anteriormente à vigência do Código Civil de 1916 passam a ser de interesse público e social.
Ou seja, os arquivos das igrejas, anteriores ao código civil não são mais das igrejas, mas do Estado Brasileiro. Sendo assim, as igrejas, de “donas dos registros” passam a ser “fiel depositário”. Essa condição coloca as igrejas na obrigação de zelo dos documentos. Eles não podem ser destruídos, comidos por traças, molhados por goteiras, café ou chimarrão, não podem ser danificados por mofo ou poeira, e são de livre acesso público.
Quanto aos documentos posteriores a 1916, o acesso passa a ser regulado pela LGPD. O problema é que a própria LGPD estabelece um marco temporal quanto aos procedimentos a serem adotados antes e depois da LGPD (2018). Para documentos com dados pessoais anteriores à LGPD, é necessário aguardar uma regulamentação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Essa regulamentação ainda não existe.
Tipo de documentos requisitados:
Certidão de batismo, casamento; confirmação ou profissão de fé. Registro de transferência de membros.
Como proceder nesse caso?
Documentos anteriores a 1916 |
Documentos posteriores a 1916 até 2018 |
Documentos posteriores a 2018 |
· Livre acesso, não pode impedir. · O acesso deve ser em ambiente preparado, o pesquisador não pode estar consumindo alimento ou líquidos. · Deve ter alguém acompanhando a pesquisa. · O pesquisador deve usar luvas. · Registrar o acesso, quem, quando, o que. · O pesquisador não pode levar os documentos, se for necessário cópia deve formalizar o pedido.
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