Eu vejo a luz

Ter a chance de estar ao lado do meu avô para evangelizá-lo foi determinante na minha decisão de aceitar o chamado para ser pastor da Hora Luterana. Eu sabia que essa seria minha última oportunidade de voltar para São Paulo durante o tempo de vida dele. Com seus 93 anos, sua saúde estava debilitada. Eu, Kamila, minha esposinha, Akemi e Stella, minhas filhas, voltamos à capital paulista com a missão compartilhada de estarmos ao lado dele sempre que pudéssemos. A sala do sobrado em que ele morava, no Ipiranga, foi palco de muitas conversas sobre Jesus e seu amor. Utilizei todas as abordagens que conhecia: teologia encarnacional, missional, história da salvação, apologética. Não se preocupe caso você, querido(a) leitor(a), não esteja familiarizado(a) com esses termos. Eles não me valeram de muita coisa na prática evangelística que relato aqui. O que realmente tocou o coração daquele senhor de Okinawa foi o canto das bisnetas, Akemi e Stella.

Certa vez, levei minhas filhas para visitá-lo numa quarta à noite. Enquanto eu conversava com o nonagésimo senhor, Stella demonstrou sinais de sono típicos de uma criança de dois anos. Eu pedi à Akemi, de sete anos, que cantasse a Ordem das Vésperas para a irmã menor. Explico: lá em casa, utilizamos essa bonita e antiga ordem litúrgica para fazer as meninas dormirem. Obediente, Akemi começou: “Abre, Senhor, os meus lábios”. Stella reprovou: “Esse não”. Akemi seguiu para o cântico de Maria: “A minha alma engrandece ao Senhor”. Novamente, Stella expressou seu descontentamento: “Não!” Enquanto as duas meninas desenhavam seu embate litúrgico, eu continuava utilizando toda minha habilidade possível para levar Cristo ao meu avô. Ele ouvia e rebatia, como a Stella fazia com a Akemi. Os dois “rebeldes” só pararam de rebater quando a Akemi iniciou o cântico de Simeão: “Senhor, agora, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois meus olhos viram tua salvação, a qual preparaste perante a face de todos os povos, luz para iluminação dos gentios e para glória de teu povo, Israel…” (Lc 2). Ao final, Stella se acalmou, e meu avô exclamou: “Que música bonita!”

Foi essa música que meu avô pediu que eu cantasse em seu leito de morte. Em 18 de dezembro, eu o visitei no hospital, imaginando que seria minha última chance. Novamente, eu tentei de tudo, sem sucesso. Quando eu estava prestes a desistir, ele me perguntou: “Por que você não vai para casa? Vai cuidar das meninas. Por que você ainda está aqui?” Eu respondi: “Porque eu amo o senhor. Porque Deus ama o Senhor.”

A partir daí, a conversa fluiu. Comecei a falar do amor de Cristo por nós. O outro paciente do quarto e sua esposa pararam de falar e passaram a acompanhar a nossa conversa. A cuidadora do meu avô, que chegou no meio do diálogo, nos viu e disse baixinho: “Eu sei o que está acontecendo aqui”. Depois, foi para um canto e começou a orar, seguindo sua tradição pentecostal. Em determinado momento, eu falei de Simeão e da luz do Salvador que ele esperou a vida inteira. Meu avô exclamou: “Agora, eu também vejo a luz. Não tenho mais medo. Canta pra mim a música da Akemi”. Não consegui de imediato. Tentei engolir as lágrimas, enquanto escutava a cuidadora, assembleiana, glorificando a Deus com “glórias e aleluias”, e a esposa do outro paciente, católica romana, agradecendo com “Jesus, filho de Santa Maria, louvado sejas”. Controlando as emoções, reuni forças, peguei sua mão e cantei o cântico de Simeão para ele, que dormiu logo em seguida.

Esta foi a penúltima conversa que ele teve em vida. Na última, ele perguntou à Janete, esposa dele e minha “vódrasta”, se eu voltaria ao hospital, pois ele desejava receber a comunhão. Não deu tempo. Ele não acordou mais e veio a falecer em 24 de dezembro. Foi comemorar o Natal com o próprio Jesus.

Se antes a chance de evangelizar meu avô foi importante para eu aceitar o chamado da Hora Luterana, hoje a experiência da conversão do meu avô me motiva a permanecer na Hora Luterana, pois desejo cooperar com a igreja de Cristo na missão de “Levar Cristo às Nações e as Nações à Igreja”. Compartilhei minha história por duas razões. Primeiro, acredito que testemunhos desse tipo motivam você a não cansar de evangelizar seus familiares e amigos. Segundo, esse relato mostra que evangelizar não precisa ter um caráter “profissionalizante”, quase “industrial”. Não foi o preparo acadêmico de um “doutorando em Teologia” que trouxe luz às trevas, mas o amor artesanal das bisnetas.

A Hora Luterana quer ser sua parceira nesse evangelismo mais “artesanal”, de coração para coração. Quer falar com a gente? Envie sua mensagem para [email protected]

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