A virgem Maria em relação a José

Maria e José que se dirigiam a Belém, na véspera do primeiro Natal, eram “casados” (pelo contrato de casamento firmado), mas continuavam “noivos” (na medida em que Maria continuava virgem)

“José foi alistar-se com Maria, sua …, que estava grávida.” Este é o texto de Lucas 2.5. Incompleto, é claro. Falta preencher a parte onde estão os três pontinhos. Quem era Maria, nessa viagem a Belém? Estamos familiarizados com “esposa”. A Bíblia de Almeida diz que José foi alistar-se “com Maria, sua esposa, que estava grávida”. Mas a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) diz que José “levou consigo Maria, com quem tinha casamento contratado”. Significa, então, que não eram “casados”? Será que José e Maria teriam viajado a Belém sem serem casados? O que dizem os textos?

          Em Lucas 2.5 aparece, no texto grego, uma forma do verbo mnestéuo, que significa “prometer uma pessoa em casamento”. No Novo Testamento, esse verbo aparece apenas três vezes (Mt 1.18, Lc 1.27, Lc 2.5), sempre em referência a Maria. E sempre na voz passiva, com o sentido de “aquela que foi prometida em casamento”. Como, naquele tempo, os casamentos eram arranjados, quem prometia a moça em casamento eram os pais. E aqui começa o nosso problema e, em boa parte, a solução para o problema: “naquele tempo”. Na sociedade judaica da época de Jesus, um casamento acontecia em duas etapas: o contrato de casamento e a festa de casamento. O contrato (que nós chamaríamos de “noivado”) era algo semelhante ao que noivos fazem no cartório hoje em dia. Feito o contrato, os jovens eram considerados “marido” e “mulher”. Se um deles morresse, o outro seria viúvo ou viúva. Se quisessem “desmanchar o contrato”, isso teria de ser feito por meio de “carta de divórcio”. (Esta era uma opção que José estava considerando, segundo Mt 1.19.) Só que havia um detalhe: o rapaz e a moça, que estavam legalmente casados, não passavam a morar na mesma casa. Isso só viria a acontecer algum tempo depois (normalmente um ano), com a festa do casamento ou as bodas.

          Maria tinha sido prometida em casamento a José. Os dois tinham um contrato de casamento “assinado”. Eram “noivos” no sentido judaico. Assim, no evangelho de Mateus, José é chamado de “marido de Maria” (Mt 1.16). E Maria, que ainda não tinha sido “recebida” por José, é chamada de “esposa” (Mt 1.20). Na prática, porém, não eram marido e mulher. Foi num segundo momento, de acordo com Mateus 1.24, que José “recebeu sua mulher”, isto é, “casou com Maria” (como diz a NTLH). Isso deve ter acontecido antes do nascimento de Jesus. Com um detalhe: José “não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.25).

          No evangelho de Lucas, a história é contada da perspectiva de Maria. (Em Mateus, temos o Natal segundo José.) Maria é uma virgem “que estava comprometida a casar” com José (Lc 1.27). (O texto antigo de Almeida diz “desposada”, mas isso é um tanto obscuro.) Com isso se quer dizer que havia um “noivado” no sentido judaico, isto é, um contrato de casamento com valor legal. Em Lucas 2.5, Maria ainda é aquela que tinha esse contrato de casamento com José. (Nos dois casos, é o mesmo verbo grego mnestéuo.) O evangelista Lucas não fala sobre casamento e também não chama Maria de “esposa” ou “mulher” de José. O que o evangelista Lucas diz é o seguinte: José e Maria tinham um contrato de casamento (eram “noivos”), mas o casamento como tal ainda não tinha sido consumado. Ao dizer que Maria “tinha casamento contratado” com José, sem dizer diretamente que ela era a “esposa” dele, o evangelista afirma mais uma vez que Maria era virgem (como diz Lc 1.27).

          Nesta discussão, nossa maior dificuldade é a diferença cultural. (Em tempo: nessas questões de noivado e casamento, não temos nenhuma obrigação de seguir a cultura judaica!) Se dissermos que, na viagem a Belém, Maria era “noiva” de José, estaremos dizendo “muito pouco”. Ela era mais do que noiva (no sentido moderno): ela era legalmente casada com José. Se dissermos que ela era “esposa” de José, podemos dar a entender que já viviam como marido e mulher. (Aliás, “sua esposa, que estava grávida” pode dar a impressão de que ela estava grávida de José, o que não é o caso! Lucas 2 precisa ser lido à luz de Lucas 1.) Dizer que José tinha “casamento contratado” com Maria (NTLH) também não resolve o problema por inteiro, porque não expressa o fato de que eram legalmente casados, mas na prática eram apenas “noivos”. Nem tudo cabe na tradução! Por isso, um longo artigo sobre o assunto.

Para resumir: aqueles que se dirigiam a Belém, na véspera do primeiro Natal, eram “casados” (pelo contrato de casamento firmado), mas continuavam “noivos” (na medida em que Maria continuava virgem). Jesus nasceu da virgem Maria!

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