Viajando com Jesus: como assim? Explico: a parte central do evangelho de Lucas, que vai de 9.51 a 19.45, é conhecida como a “narrativa da viagem”. Nela, Jesus está a caminho de Jerusalém, sem que apareça um roteiro definido. No início dessa seção, ouvimos que Jesus “manifestou, no semblante, a firme resolução de ir para Jerusalém” (Lc 9.51). Depois, de tempos em tempos, o evangelista lembra que Jesus está a caminho de Jerusalém. Aparecem expressões como “enquanto seguiam pelo caminho” (9.57; 10.38) e “de caminho para Jerusalém” (17.11; veja também 18.35; 19.28). Por fim, ao ver a cidade, Jesus “chorou por ela” (19.41) e, indo adiante, entrou “no templo” (19.45).
A “narrativa da viagem” no Lecionário
Na Série Trienal C, usada na IELB, em 19 domingos (em 2025, do final de junho ao começo de novembro) as leituras de evangelho são tiradas desses dez capítulos da parte central do evangelho de Lucas. Nesse trecho aparece muito ensino de Jesus. Numa ocasião (13.22), Lucas escreve que “Jesus passava por cidades e aldeias, ensinando e caminhando para Jerusalém”. São 16 parábolas e apenas cinco milagres, em dez capítulos. Nove dessas parábolas são lidas na igreja (em média, uma parábola por mês). Várias histórias bíblicas favoritas aparecem nessa seção do evangelho de Lucas, e apenas em Lucas: o bom samaritano (10.25-37), Marta e Maria (10.38-42), o rico tolo (12.13-21), a figueira estéril (13.6-9), a dracma perdida (15.8-10), o filho pródigo (15.11-32), o administrador infiel (16.1-13), o rico e o mendigo (16.19-31), os dez leprosos (17.11-17), o juiz iníquo (18.1-8), o fariseu e o publicano (18.9-14), Zaqueu, o publicano (19.1-10).
O tema da riqueza
Um tema que se destaca em Lucas, e também na narrativa da viagem, é “riqueza”. Esse é o assunto que, depois de “reino de Deus”, Jesus aborda mais vezes nos três primeiros evangelhos. A riqueza é a grande concorrente do reino de Deus. Ela é o maior ídolo de todos os tempos. Em Lucas, já no primeiro capítulo, no Magnificat (ou Cântico de Maria), celebra-se o fato de Deus encher de bens os famintos e despedir vazios os ricos (Lc 1.53). Nas bem-aventuranças, os pobres são bem-aventurados (Lc 6.20), mas “ai de vocês, os ricos, porque vocês já receberam a consolação!” (Lc 6.24). E, na “narrativa da viagem”, merecem destaque o rico tolo (Lc 12), o administrador infiel (Lc 16) e o rico Zaqueu (Lc 19). Estes textos se encontram apenas em Lucas.
O rico tolo (Lc 12.13-21)
O rico tolo não é uma parábola no sentido estrito da palavra, porque o rico não representa ninguém; ele é apenas um exemplo de um rico, caracterizado pela sua tolice. Os campos daquele homem produziram em abundância, e ele fez o que somente um rico poderia fazer: derrubou os galpões acanhados e construiu outros maiores. Tratou de fazer uma “poupança extra” para garantir o futuro. Esqueceu que não podia controlar Aquele que poderia pedir a sua alma. Era rico, mas não “rico para com Deus”.
Esse exemplo deveria nos deixar inquietos, porque, ricos ou pobres, temos muito (ou tudo) em comum com aquele rico. Quem não pensa em ter em depósito muitos bens para muitos anos? Nós chamamos de louco aquele que não pensa em como irá viver os anos da aposentadoria! Jesus chama de louco o acumulador. Onde vou pôr a minha colheita? Uma opção teria sido: reparta com os outros! Ser rico para com Deus inclui isso também. Generosidade pode não ser nossa marca principal, mas ela é muito enfatizada na Bíblia. (Veja também como é significativa a continuação do texto, em Lc 12.22-34. Deus cuida de nós dia após dia.)
O administrador infiel (Lc 16.1-13)
Esta, sim, é uma parábola, porque o administrador nos representa, como igreja. Mais do que “infiel”, ele foi “esperto” (16.8). E esta é a única parábola que trata daquilo que chamamos de “mordomia”. Jesus conta a parábola e faz várias aplicações. Ele estimula a sagacidade no uso dos recursos materiais. Recomenda o bom uso da “riqueza injusta”, isto é, sua rentabilização para o Reino. O melhor uso do dinheiro é o que se destina a fazer amigos para os tabernáculos eternos. Jesus também lembra a fidelidade no trato daquilo que é “o pouco” e na administração do que é “dos outros”. Por fim, reforça que o único a quem devemos servir é Deus. Uma fartura de ensino sobre “riqueza”.
Zaqueu, o publicano (Lc 19.1-10)
A história de Zaqueu é um resumo do ministério de Jesus, segundo Lucas. Zaqueu é o nome que podemos dar ao filho pródigo de Lucas 15. Afinal, ele é um cobrador de impostos (veja Lc 15.1). Todos (e não apenas os fariseus) murmuraram (veja Lc 15.2), dizendo que Jesus tinha ido à casa de um “pecador”. Zaqueu recebeu Jesus com “alegria” (outro tema central de Lucas, também em Lc 15). Jesus declarou que tinha vindo buscar e salvar “o perdido” (Lc 19.10; 15.32). A reação de Zaqueu tocou naquilo que ele tinha de mais característico (além de sua baixa estatura): os bens. Nesse sentido, Zaqueu é o modelo do homem rico que se depara com o reino de Deus, ou seja, que é encontrado por Jesus. Temos muitas viúvas pobres (ela aparece mais adiante, em Lucas 21); podemos ter mais Zaqueus e ser mais como Zaqueu!
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