Como Deus constrói seu relacionamento conosco?

Pouco se aborda essa pergunta na igreja ou, quando é trazida à luz, nem sempre aparece na forma correta. Por isso resolvi escrever. Ela é muito importante sempre, contudo, fundamental em certos momentos e contextos de nossa existência.

Há quem pense que a maneira de Deus se relacionar conosco se dá por meio dos acontecimentos que marcam nossa vida. Os acontecimentos que nos sobrevêm, entretanto, produzem duas reações, dependendo do momento em que ocorrem. Explico: se nos trazem bons resultados e vantagens são considerados bênçãos que nos revelam quem é Deus, ou seja, um Pai gracioso e misericordioso, cuja graça e misericórdia se percebe nas bênçãos. São ocasiões que nos levam a louvar e agradecer, pois temos um Deus que nos ama. Está errado isso? Não; todavia não é por esse caminho que Deus constrói seu relacionamento conosco. Aliás, poderá, em outros momentos, provocar dúvidas em nós a respeito da maneira como o Senhor trata conosco.

Chegamos, então, à segunda reação possível. Ela poderá ser de desconfiança em relação ao Pai bondoso de outros momentos. Neles soa muito alto em nosso interior o intrigante “por quê”? daquilo que nos sobreveio. Na existência de muitos cristãos o “por que isso”, “por que aquilo”? se repete dentro de um somatório de acontecimentos desagradáveis, tristes e, por que não, frustrantes. Onde estará, então, aquele Deus cuidador, amparador e bondoso que imaginamos sempre estar conosco? O que está acontecendo no relacionamento dele conosco que tem provocado tantos dissabores no nosso dia a dia? Será que Deus não é assim como sempre pensamos ser? Teremos pouca fé e, por isso, as bênçãos são retidas? Aliás, essa seria uma resposta muito a gosto da teologia da glória. Infelizmente, apesar de muito presente em vários discursos religiosos, seu efeito é afastar de Deus e não dele aproximar, pois o “Senhor dos Exércitos” não nos tem defendido do ataque de inimigos que ele afirma poder destruir com o sopro de sua boca. Talvez esteja cuidando com poder de outros, porém nós fomos deixados de lado. Por quê?

Não, Deus não constrói seu relacionamento conosco por meio do caminho dos acontecimentos da nossa existência. Ele é Senhor e não precisa responder às interrogações que levantamos diante dele. Ou melhor, ele as responde, contudo, para tanto, ele nos conduz por um outro caminho. É aquele que nos faz chegar aos pés da cruz de Jesus Cristo. É lá que o Senhor se revela dentro do que ele considera plenitude de revelação, a qual é demarcada por ele e não pelos nossos anseios, curiosidades ou invencionices. Tudo que precisamos conhecer a respeito da maneira como o Senhor se relaciona conosco é percebido aos pés da cruz. Lá está o Deus que se humilhou, foi castigado e morreu por nós, a fim de que fôssemos exaltados à condição de filhos amados, não recebêssemos o merecido castigo pelos nossos pecados e fôssemos tirados da morte eterna e alçados à bem-aventurança da vida eterna. Quem é Deus? É aquele que se revela na pessoa do Filho Jesus Cristo! Como ele olha para nós? Por meio do olhar perdoador e salvador do Filho Jesus Cristo! Onde devemos procurá-lo? Na vergonha e aparente impotência da cruz, que deixa de ser vergonhosa e impotente ao se manifestar na vitória gloriosa sobre satanás, a morte e o pecado. E os frutos dessa vitória são estendidos graciosamente a cada um de nós e nos garantem, entre outras coisas, que é certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel, conforme testemunho do salmista (Sl 121.4). Essa verdade nos permite viver na confiança e segurança do amparo divino em toda e qualquer situação. O Senhor Jesus pendurado no madeiro da maldição é prova permanente de que nosso Deus se relaciona com amor com suas criaturas. Por isso, nos cabe como igreja conduzir as pessoas pelo caminho ao Gólgota em todas as nossas pregações e não nos limitarmos a levar o nosso povo até a cruz somente na Sexta-feira Santa. Será saudável à nossa ação pastoral a reflexão a respeito daquilo que pregamos e ensinamos, principalmente no que se refere à maneira como Deus se relaciona conosco. O caminho apontado tem levado à segurança e conforto da cruz? Ou tem sido trilhado sobre a insegurança dos acontecimentos sobrevindos, o que sempre dará a impressão de que estamos caminhando sobre uma ponte suspensa com a ameaça de despencarmos a qualquer momento? Creio que até mesmo a maneira como convidamos as pessoas em dificuldades a orar poderá ser revista. “Vamos orar ao Deus que tem poder”? ou “Vamos orar ao Deus que foi à cruz na pessoa do seu Filho”? Qual das duas maneiras nos fará enxergar o amor do nosso Deus, ao qual nos confiamos em paz e esperança?

O apóstolo Paulo esmerou-se sobremaneira por anunciar o evangelho do Cristo crucificado. Na carta aos Efésios, 2.12, ele aponta para o tempo em que aqueles cristãos não conheciam o Cristo crucificado e afirma que foi o tempo em que “não tinham esperança e estavam sem Deus no mundo”. Isso, todavia, mudou completamente a partir da recepção do evangelho cruciforme e, por isso, o apóstolo afirma: Mas agora, em Cristo Jesus, vocês, que antes estavam longe, foram aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz (Ef 2.13, 14a). Sim, o sangue de Cristo vertido sobre a cruz nos aproxima de Deus. Que fantástica notícia! Que consoladora mensagem! Essa, sim, nos leva a cantar confiantemente o “tal como estou, tão pecador, chego a ti”.

Conduzidos pelo Espírito Santo através do caminho da cruz, desfrutemos do amor permanente, eterno, do Deus Todo-Poderoso, para quem nossas fragilidades nunca serão superiores à sua graça e misericórdia.

Tudo que precisamos conhecer a respeito da maneira como o Senhor se relaciona conosco é percebido aos pés da cruz. É lá que o Senhor se revela dentro do que ele considera plenitude de revelação, a qual é demarcada por ele e não pelos nossos anseios, curiosidades ou invencionices. O Senhor Jesus pendurado no madeiro da maldição é prova permanente de que nosso Deus se relaciona com amor com suas criaturas

TAL COMO ESTOU, TÃO PECADOR (Hino 347 – Hinário Luterano)

1. Tal como estou, tão pecador, confiando em teu divino amor, a teu convite chego aqui — Cordeiro santo, venho a ti.

2. Tal como estou, me inclino ao mal, no meu estado natural. A pura imagem eu perdi — Cordeiro santo, venho a ti.

3. Tal como estou, eu busco a paz. Desgraça e medo o mal me traz. Em árduas lutas me afligi — Cordeiro santo, venho a ti.

4. Tal como estou, me acolherás e a remissão concederás, pois ao teu sangue recorri — Cordeiro santo, venho a ti.

5. Tal como estou, me salvarei, na tua graça esperarei. A tua bênção recebi — Cordeiro santo, venho a ti.

JUST AS I AM, WITHOUT ONE PLEA

Letra: Charlotte Elliott, 1836; trad. Rodolpho F. Hasse, c. 1938 Música: William B. Bradbury, 1849; arr. George J. Elvey, 1816-1893.

Paulo Moisés Nerbas

Pastor e professor emérito

Campo Bom, RS

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