Natal: caminhando na Esperança

Ao longo deste ano, apresentamos reflexões sobre o amor e a fé e suas implicações teológicas, antropológicas e educacionais. Nesta edição, a última de 2021, convido o leitor a refletir também sobre a virtude teologal da esperança. Nada mais apropriado para esta época natalina.

Na edição de janeiro/fevereiro, iniciamos falando sobre a convicção de que existe um significado mais profundo para a existência e que a filosofia educacional cristã se alimenta dessa certeza, que torna luminosa nossa vida. É a visão informada pelo amor de Deus, que nos abre uma maravilhosa perspectiva, genialmente expressa pela poetisa Adélia Prado: “De vez em quando Deus me tira a poesia./Olho pedra, vejo pedra mesmo”.

Se até as pedras nos falam do Logos Criador, quanto mais nosso próximo, quando contemplado como alguém amado por Deus, abre-nos novos horizontes para a vida, e o olhar passa a ser de límpida esperança, pois a esperança fundada em Deus se alicerça na convicção de que “tudo vai terminar bem, tudo terá um final feliz”. Assim, a esperança se projeta em nosso cotidiano, iluminando-o com esse novo olhar: a convicção de que, pelo amor redentor de Deus, nada nem ninguém estão irremediavelmente perdidos.

Seguimos falando longamente sobre o extraordinário alcance educacional e do potencial didático dos conceitos universais e atemporais que são capazes de nortear a prática do educador no mundo atual, sobretudo do educador da Rede Luterana de Educação. Reafirmamos antigas e fundamentais verdades humanas: que o ser humano deseja e necessita coesão e sentido e busca compreender o significado da vida; que deseja algo que lhe dê um senso de ordem interna, integração, unidade e direção. Que precisa de um horizonte, caso contrário, não sabe se está caminhando para frente ou em círculos; que não pode se contentar com os fins imediatos da vida e, em algum momento da vida, faz a pergunta fundamental (Grundfrage): por que o ser e não o nada? E mantém aquele olhar desejoso por apreender e compreender o quadro geral da existência, embora sempre seja uma compreensão irremediavelmente provisória, de permanente “estar a caminho” – próprio da sua “estrutura de esperança”. E vimos que a filosofia não pode deixar de lado o que lhe dá seu nome próprio de “amor do saber”, ou seja, que pertence ao coração da filosofia o “estar a caminho” que visa a sabedoria, porém, por princípio, não tem condições de alcançá-la plenamente, pois fazemos a trajetória em fé e esperança (a virtude de quem ainda está a caminho) nas quais estão, simultaneamente, o “já” e o “ainda não”, o noch nicht da esperança.

Como bem sabemos, não é o crer, nem o esperar propriamente que nos ligam a Deus; mas o amor. Claro que o crer e o esperar são elementos essenciais, mas apenas enquanto meios pelos quais os benefícios são recebidos e para nos apropriarmos do amor. Afinal, Deus não nos pega pelo pescoço, nem pelos nervos e nos obriga a crer e a esperar. Pelo contrário, ele nos chama amorosamente pelo coração e convida-nos a que respondamos ao seu amor com fé e em esperança. O amor tem primazia, precisamente como ensina o apóstolo Paulo: “a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior deles é o amor” (1Co 13.13).

Alguém certa vez disse que amar sem ser amado é tempo perdido. Eu acho que tinha razão. Na verdade, seríamos incapazes de amar se não tivéssemos sido amados primeiro por Deus. Deus ama sempre! Mesmo que ninguém nos ame, o seu amor dura para sempre! Seu amor sustenta toda a criação e cada um nós em qualquer circunstância. É amor que perpassa toda a trajetória de Deus com sua criação. Através do profeta Malaquias Deus nos lembra dessa imutável verdade: Eu sempre amei vocês” (Ml 1.2)

Reconhecer a realidade e as profundezas deste amor é a única coisa que Deus nos pede. Simplesmente porque é o meio pelo qual recebemos os benefícios deste amor perfeito e eterno. O mesmo Deus que pode sustentar o universo na ponta do seu dedo e pode destruí-lo quantas vezes quiser, é o mesmo que nasce numa pobre manjedoura e o mesmo que estende os braços na cruz para acolher-nos como filhos. E basta um simples ato de confiança nesse amor divino para termos já um vislumbre do quanto ele nos ama. De todos os dons este é o que mais deve ser desejado. Pois é no amor dele e não no nosso que se encontra o centro de toda a vida humana. Só a partir do amor perfeito e eterno dele é que nós podemos crer e esperar; só a partir do amor dele é que podemos compreender e viver a vida de um jeito novo.

E é precisamente disto – do crer e do esperar que nos impulsiona a caminhar em frente – que trata um dos mais belos cânticos natalinos, oOh, vinde, fiéis!”.

Um dos maiores linguistas do Brasil, estimado amigo, orientador de mestrado e coorientador de doutorado, prof. titular da Universidade de São Paulo, também professor colaborador no Colégio Luterano São Paulo, SP, dr. Jean Lauand, me brindou há algum tempo com uma preciosa e sugestiva nota sobre o Adeste Fideles, título original deste belo hino de Natal.

Transcrevo uma síntese: O antigo hino de Natal “Adeste Fideles”, traz alguns versos muito sugestivos: quero comentar aqui duas particularidades do latim.

Começa com a palavra “Adeste”, 2ª. pessoa do verbo “Adsum, adesse”, que significa “estar presente”, como numa chamada de escola: – Fulano! – Adsum! Mas é um “estar presente” de prontidão, de ativa disponibilidade. Assim, ante a cena do nascimento de Cristo, o hino não só nos diz “Vinde, vinde a Belém, alegres, triunfantes!” mas pede também a prontidão para atender adequadamente ao chamado que é o Natal. Assim, se diz, por exemplo:

Também nós em júbilo, apressemos o passo (como os pastores) (para vermos o esplendor do Pai Eterno, escondido em carne (em forma humana) e envolto em paninhos). Venham, venham, todos para a “Casa do pão” (Belém), disponham-se a receber o pão do céu!

E a última estrofe convida: Ele, por nós, se fez tão pobre e jaz (habita) no feno/palha, aqueçamo-lo com nossos abraços, e pergunta: Sic nos amantem quis… non redamaret? Se ele assim nos amou, quem não o “redamará”? Esta última palavra, redamaret, é um amor de retribuição/resposta, de quem foi amado primeiro e então se sente movido a amar. Nosso amor, portanto, é sempre “segundo”, etwas zweites; primeiro está o Amor dele. O nosso é só um “redamor” – um “amar de volta”, um “amar em resposta”, um amar por termos sido amados primeiro. Pois ninguém é capaz de amar sem ser amado. Somente o perene, incondicional e ininterrupto amor divino é causa do amor humano. Assim, o amor humano é uma extensão, um prolongamento do amor divino e que apenas sobrevive à sombra do amor de Deus em Cristo. O verdadeiro e legítimo doador sempre é Deus, nós só devolvemos o que já era dele.

É desse Amor Primeiro – e não de nós, de nossas forças – que procede a verdadeira esperança, a certeza de que estamos chamados a um “final feliz”, que já pregustamos nesta vida, quando contemplamos a nós mesmos e ao próximo como amados por Deus de tal modo (sic nos amantem…), como em Belém.

Neste Natal e em todos os dias da vida sejamos profundamente agradecidos por tamanho amor! Tenhamos todos um santo e feliz Natal!

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias Relacionadas

Igreja realiza a 10ª Conferência do MML

O evento reuniu a equipe do MML, pastores e esposas, proporcionando um espaço de aprendizado, reflexão e renovação

Veja também

Igreja realiza a 10ª Conferência do MML

O evento reuniu a equipe do MML, pastores e esposas, proporcionando um espaço de aprendizado, reflexão e renovação

Departamentos fazem última reunião antes do CD 2024

Integrantes se reuniram de forma online para apresentação de relatórios

Congregação Da Santa Cruz celebra 76 anos

Culto festivo também lembrou os 175 anos da imigração alemã na região