Vidas acolhidas pelo amor

Mudanças sempre trazem grandes transformações. Mudar de casa, de emprego, de curso, de rota ou mesmo de opinião pode ser desafiador. Mas chegar em um local totalmente diferente e com uma língua desconhecida, pode ser ainda mais difícil se não puder contar com ajuda ou se não tiver recursos para se manter.

O serviço é uma das cinco grandes áreas de atuação da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB). A Liga de Servas Luteranas do Brasil, por exemplo, destaca o serviço já em seu lema: Servi ao Senhor com alegria (Sl 100.4). Estar disposto e disponível para ajudar uma pessoa, em qualquer necessidade – e sem esperar nada como pagamento ou em troca, é um dos preceitos cristãos.

Acolher pessoas que deixaram seus países para morar no Brasil, tem sido um dos focos do trabalho de algumas igrejas locais, como: as congregações Cristo Redentor, de Boa Vista, RR, e São Paulo, de Curitiba, PR, que recebem, auxiliam e orientam estrangeiros, principalmente aqueles que vieram recentemente da Venezuela.

“Temos perto da Congregação um grupo de aproximadamente 60 adultos e de quase 30 crianças, que recebem auxílio desde a chegada na cidade. É priorizado um atendimento humanitário, já que chegam sem possuir nada. São doados alimentos, roupas, camas e cobertores, além de eletrodomésticos e utensílios de cozinha. Depois encaminhamos algumas vagas de emprego e continuamos com o acompanhamento semanal”, explica o pastor Cristiano Mendes, de Curitiba.

As famílias vão migrando, aos poucos, para não ficarem para sempre separadas. Pastor Cristiano conta que existem muitas relações de parentesco entre o grupo ali atendido, mas que a viagem ao Brasil não é realizada por todos ao mesmo tempo.

Em 2019, uma venezuelana chamada Génesis Ramirez participou do culto com seu filho Matteo, que na época tinha 3 ou 4 anos. “Conversamos no final do culto e oferecemos ajuda e apoio, já que eles estavam sozinhos na cidade. A primeira campanha que fizemos foi após uma reunião de leigos, onde conseguimos levantar dinheiro para comprar uma geladeira para eles”, comenta o pastor. Logo depois veio sua mãe, Yines Marcha.

“Quando alguém chega na cidade e começa a trabalhar, guarda dinheiro para comprar a passagem de mais algum parente para cá. Quando este chega, vão trabalhando e economizando para trazer mais um ou dois. Hoje já são nove quitinetes alugadas, sendo que em cada uma moram uma, duas ou até três famílias, além de algumas casas ao redor”. Através da parceria com a igreja luterana de Boa Vista, onze pessoas recebidas em Roraima, agora são atendidas em Curitiba.

Na medida em que chegam à capital paranaense, o básico para sobrevivência é providenciado pelo grupo de Ação Social da Congregação, que também administra um grupo no Whatsapp com oportunidades de empregos. “Já conseguimos encaixar várias pessoas, tanto da comunidade venezuelana quanto de outra comunidade que atendemos – a Portelinha –, para trabalharem diretamente com membros de nossa Congregação ou em empresas indicadas. “Existe maior dificuldade porque eles têm a esperança de encontrar emprego na área em que são formados, já que muitos têm nível superior. Mas nesses casos, faltam oportunidades”, esclarece Cristiano. Outra área de abordagem é a orientação jurídica quanto às leis do país, facilitando o acesso a advogados quando necessário.

Na área espiritual, a assistência também é providenciada. A maioria das pessoas do grupo é cristã e mantém seus momentos de devoção e oração, guiados pela matriarca, dona Yines. “Ela organiza para que o grupo se reúna todo final de semana para leitura da Bíblia, e também participam aqui, dos nossos cultos. Já distribuímos várias bíblias. E já estiveram em nossos momentos de louvor”, comenta Cristiano.

No Dia das Crianças, foi preparada uma atividade diferenciada e totalmente dedicada às crianças venezuelanas no templo da Congregação, com mensagem, brincadeiras e muita alegria. O programa de Natal contou com a participação de mais de 15 crianças. “Eles têm muito respeito e essa visão de que eu sou pastor, e que sou pastor deles também. Aceitam ajuda e, naquilo que eles podem, também contribuem.”

Recentemente, a Congregação recebeu da vice-presidência de Ação Social da IELB diversos materiais de evangelização em espanhol, como o Catecismo Menor. O pastor Cristiano acredita que facilitará o trabalho, porque ainda há muita dificuldade na compreensão do português, especialmente pelos adultos.

O agradecimento

“O sentimento é ótimo, porque a gente conhece muitas coisas novas. O trabalho da igreja é legal e ajuda, trata e atende muito bem a nós.

Medo, a gente sente muito, na verdade, em todo momento, já que estamos em um país muito diferente do nosso. Vir para o Brasil foi um pouco difícil, sem dinheiro, com fome. Passamos muito trabalho, mas graças a Deus, nós vencemos.

Estou bastante agradecida a Deus por ter permitido que eu conhecesse essa cidade de Curitiba e também a você (pastor Cristiano), e compartilhar da sua igreja e de sua ajuda aqui no Brasil.

E aqui, onde estamos morando, estamos contentes. Deus nos tem permitido reunir toda a família. E todo aquele que vem a este lugar também o recebemos com amor, o ajudando e apoiando.

Não é muito fácil falar o português, mas pouco a pouco estamos aprendendo. Ainda que não fale, entendo um pouco. E muito contente de compartilhar a Palavra de Deus e fazendo a obra do Senhor.

E aqui estamos, servindo ao Senhor e fazendo discípulos, como Deus nos manda. E ir por todo o mundo e pregar o evangelho, porque Deus nos manda pregar a Palavra do Senhor, falar dele, de quão grande e maravilhoso é o Senhor. Dou graças a Deus por conhecer a Jesus Cristo, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, que nos presenteia com a salvação, e por isso estou muito agradecida. Deus lhe abençoe e guarde”. Yines Marcha.

A Ação Social através da comunicação

Uma equipe de voluntários da igreja luterana está produzindo um manual que esteja disponível e possa ser usado em congregações, por pastores e voluntários que queiram ensinar a língua portuguesa aos imigrantes de fala espanhola, de forma especial, aos venezuelanos. O vice-presidente de Ação Social da IELB, pastor Airton Schroeder, acredita que os livros, que já estão em fase de diagramação, vão promover a integração e a comunicação, facilitando também o acesso a emprego, renda e desenvolvimento humano no país.

“O material está sendo produzido com a visão de ser didático, financeiramente acessível, e de interesse de outras igrejas, uma vez que não vamos expor tanto a nossa igreja, mas sim o projeto de acolhimento, do mesmo modo que fizemos com o material de ação social”, explica o pastor Airton.

COMPARTIR

Compartir é um Serviço Luterano de Atenção ao Migrante e Refugiado, com ações no estado de Roraima, através das congregações da IELB em Boa Vista, com o pastor Marcel Scheidt, e em São João da Baliza, com o pastor Josemar da Silva Bonho. “Compartir é nosso projeto de ajuda humanitária aos irmãos venezuelanos que buscam refúgio em nosso país”, conta o pastor Marcel.

Desde o início da crise migratória, em 2017, a IELB prestava apoio humanitário aos irmãos venezuelanos da Igreja Luterana da Venezuela (ILV) que procuravam as congregações em Roraima.

A partir de outubro de 2020, com a flexibilização das medidas de distanciamento social e reinício de cultos presenciais, as ações foram ampliadas com o apoio do Fundo de Resposta a Desastres da IELB, com recursos advindos da Lutheran Church Missouri Synod (LCMS).

Desde então, dezenas de famílias migrantes e refugiadas, que chegaram ao Brasil através do município de Pacaraima, que faz fronteira com a Venezuela, foram beneficiadas por diversas ações do projeto Compartir.

ACOLHER: o acolhimento é uma vitória sobre o preconceito e tem a ver com oferecer dignidade e espaço adequado para viver.

PROTEGER: é comum encontrar irregularidades documentais com pessoas que estão deslocadas. Por isso elas são presas fáceis para golpes de tráfico humano, prostituição e trabalho escravo. Proteger envolve atentar para a garantia de liberdade e respeito à dignidade.

PROMOVER: o ser humano é capaz, por isso não deve ser limitado em suas iniciativas em nome da proteção. É preciso promover o desenvolvimento. Esta iniciativa deve ser da comunidade acolhedora.

INTEGRAR: este é um movimento de troca mútua de conhecimento e riqueza cultural. Não é assimilar nem incorporar, mas envolve compaixão e coragem.

Relatório global das atividades do Projeto Compartir

*Números aproximados de famílias atendidas entre setembro de 2020 e dezembro de 2021

Investimento Financeiro: R$ 90.051,90 (Recursos da Lutheran Church-Missouri Synod)

Segurança Alimentar: 106 famílias atendidas com cesta básica para a família, suplementação preventiva para gestantes e lactantes e composto lácteo para bebês.

Moradia Segura: 64 famílias contempladas com aluguel social em Boa Vista e São João da Baliza.

Saúde e Higiene: 35 famílias atendidas com medicação ou exames, fraldas descartáveis e produtos de higiene pessoal.

Integração e Proteção: 29 famílias receberam assistência na obtenção e renovação de documentos (registro nacional migratório, solicitação de residência ou refúgio, emissão de CPF, registro de nascimento, registro de óbito, licença de conduzir).

Interiorização: 17 famílias interiorizadas.

O projeto tem possibilitado o recomeço de vida para famílias migrantes em outras partes do Brasil. A estratégia de interiorização consiste no deslocamento voluntário de venezuelanos de Roraima para outras localidades do Brasil, onde possam ter mais oportunidades de emprego e continuar acessando programas de saúde pública, educação e assistência social. As igrejas que acolhem as famílias na sua região, as auxiliam a encontrar emprego, a matricular os filhos na escola, ofertam um auxílio inicial para alimentação e pagamento de aluguel.

Antes de viajarem para os novos locais de destino, as famílias permanecem por uma semana em Boa Vista para realização de exames médicos, regularização de documentos, vacinação e participação em palestras. Neste período na capital de Roraima, as famílias recebem abrigo e alimentação na congregação local e as refeições feitas pelos imigrantes geralmente são compartilhadas com outras famílias que buscam ajuda na igreja.

Cidades que participam da estratégia de interiorização: Marechal Cândido Rondon, Fazenda Rio Grande, Cascavel e Curitiba, no Paraná; Espera Feliz, em Minas Gerais; Joinville e Rio do Sul, em Santa Catarina; e Porto Velho, em Rondônia.

O Projeto Compartir auxilia na interiorização de famílias venezuelanas através da Estratégia de Interiorização liderada pelo Governo Federal, executada com apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e da Organização Internacional para Migrações (OIM).

As famílias atendidas pelo projeto Compartir encontram pouca perspectiva de trabalho e melhoria das condições de vida em Roraima, devido à incapacidade do Estado de absorver o grande fluxo migratório. Por isso, estamos buscando um recomeço para as famílias em outras partes do Brasil. Você pode nos ajudar a enviar uma família para a sua região (interiorizar) da seguinte maneira:

1. Mobilize a diretoria de sua congregação/paróquia, empresa ou escola, convidando e motivando as pessoas a colaborarem com a acolhida de migrantes e refugiados.

2. Defina se podem receber uma ou duas famílias.

3. Enviaremos os dados e currículo dos membros da família para que possam buscar uma vaga de emprego e moradia na sua localidade.

4. Após acertar os detalhes da ida dos migrantes, prepare o coração, cuide dos preparativos finais.

5. Nós cuidaremos para que a família seja encaminhada para a sua localidade através da Estratégia de Interiorização do Governo Federal.

6. Acolha os migrantes e ofereça todo o suporte necessário para que recomecem suas vidas.

Para entrar em contato ou tirar dúvidas, acesse: www.compartir.social/

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