Ao longo deste ano,
temos refletido no Mensageiro Luterano sobre os fundamentos filosóficos
clássicos da educação: a valorização da capacidade de admiração; a superação do
pragmatismo pela contemplação (em grego, theorein)
da verdade e do belo; num ambiente de skholé
(o bom ócio festivo da escola, que
literalmente deveria ser o lugar da skholé);
a abertura para o todo do real e seu significado, que é classicamente a própria
definição de espírito; etc.
Hoje quero considerar uma nota de C. S. Lewis, em
favor do theorein e da skholé.
Lewis, professor de Oxford e de Cambridge
(autor de Crônicas de Nárnia e grande apologeta cristão), estabeleceu a
importante distinção entre prazeres de necessidade (need pleasures) e prazeres de apreciação (pleasures of appreciation).
O need
pleasure decorre sempre de uma necessidade que pressupõe uma preparação.
Por exemplo, beber água depois de horas ao sol: saciar essa necessidade
converte-se em um prazer. Já o prazer de apreciação é um tipo de prazer que nos
faz apreciar algo sem preparação, mas simplesmente pelos atributos admiráveis
do objeto. É o caso do admirar-se com uma paisagem ao viajar para a terra
natal, por exemplo. Ou quando há uma contemplativa entrega extasiante diante de
um belo quadro. Apreciar o sabor de um vinho, ou o perfume de um campo florido.
Não existe uma necessidade envolvida nesse tipo de prazer, por isso Lewis os
chama de prazeres de apreciação.
O prazer de necessidade se extingue logo após
ser satisfeito: o cheiro do churrasco só é atraente antes e não depois de o
termos consumido. O prazer apreciativo é desinteressado, ou melhor, não
interesseiro. O conhecedor de vinhos aprecia o vinho de tal forma que se pode
dizer que sente por ele um amor apreciativo. Ele consideraria um verdadeiro
pecado que o finíssimo vinho fosse profanado por um paladar despreparado, que
não o saberia valorizar. Independentemente de ele desfrutar desse prazer, ele
quer preservar seu valor: ele não iria querer desperdiçá-lo: mesmo em seu leito
de morte, espera que seu sabor seja preservado para sempre, ainda que ele mesmo
não possa mais apreciá-lo. Isso é pura contemplação da verdade e do belo, ainda
que disso não resulte nada de útil, ou seja, theorein.
Lewis genialmente liga a distinção
entre os prazeres (os de necessidade e os de apreciação) a fatos da linguagem:
a estes, nos referimos ao objeto e no presente (no atemporal da theoria), “Olha, que cheirinho bom é
este”; a aqueles, enfatizamos o sujeito e falamos no passado, “Ufa! eu
precisava disso”.
Uma outra sugestiva
observação de linguagem, esta, a propósito do ócio, nos vem de Josef Pieper. Em
seu notável elogio do ócio ele comenta a sentença aristotélica “Estamos não
ociosos para ter ócio”, e faz notar que tanto em latim como em grego o
fundamental, o positivo é a skholé, o
ócio, e que essas línguas só dispõem de formas negativas para a ocupação, o não
ócio, o negócio, neg-otium. A
modernidade inverteu esse posicionamento e tornou-se embotada para o caráter
criador da skholé nas ciências, nas artes e no pensamento.