No Mensageiro Luterano n.1265 (jan/fev.21), p.18, o presidente da Liga de Leigos Luteranos do Brasil (LLLB), Juliano Schneider Belz, escreveu: “Em pouco tempo aprendi que a liderança é conquistada junto aos liderados e que ela não vem junto com o cargo de chefia que você tem”. Achei genial essa frase. Ela derruba vários mitos criados sobre liderança, sobre chefia ou ainda sobre o gestor.
Identifiquei-me demais com o texto, pois além do desejo de ser um pastor da IELB, também comecei a trabalhar muito cedo, antes dos 15 anos de idade. E desde aquele momento até aqui, foram passagens marcantes por multinacionais, cargos de gerência e direção, empreendedorismo colocado em prática e muitos desafios a serem superados. E em todos esses momentos, a liderança sempre foi posta à prova, tendo que ser sustentada através de metas atingidas, promoções e indicadores de resultado. Liderança ou gestão colocada à prova? Talvez aqui comece a dúvida.
Indicadores de resultados e metas são palavras que fazem parte da vida do gestor, mas pessoas e a motivação delas fazem parte da vida do líder. Esses indicadores são sempre checados pelo líder naquele momento de feedback[1] ou de avaliação de desempenho. É aí que as competências[2] dos liderados se sobressaem e determinam o seu caminho. E é nessa hora da avaliação de desempenho individual ou até mesmo na contratação, que são avaliados os quesitos que compõem o CHA[3] – Conhecimento (o saber) e Habilidade (o saber fazer) e a sua Atitude (o querer fazer) – seu engajamento, seu comprometimento com os objetivos, com o propósito ou com a missão da empresa. Interessante destacar que sempre vi isso em empresas com objetivos claros e remuneração atrativa, onde as pessoas se entregam muito, mas também percebi isso em ONGs, onde as pessoas se engajam nos propósitos de existir. Portanto a atitude é fundamental no cumprimento dos objetivos e metas.
Esse conceito de competência é o mais rodado e o mais batido nas empresas em que trabalhei. Na maioria das organizações (públicas, privadas ou sem fins lucrativos) se priorizam as pessoas certas nos lugares certos, e claro, isso tem a ver com as suas competências (CHA). E a competência tem a ver com a capacidade de execução. E, óbvio, quando olhamos as competências, estamos olhando nossos dons, e aí é que entra o melhor de tudo. Deus, na sua infinita bondade, distribuiu dons diferentes a cada ser, para sermos únicos e completarmos uns aos outros (1Co 12.11), e nos incumbiu de utilizá-los na medida das nossas capacidades. E esta é a questão que eu gostaria de propor: e na nossa “organização não governamental”, na nossa congregação, como fazemos? Estamos utilizando bem nossos dons? Somos bons líderes? Somos bons liderados? Nos colocamos à disposição? Estamos engajados? Servimos de acordo com os nossos dons? (1Pe 4.10).
O apóstolo Pedro, um líder entre os discípulos, sempre foi proativo. Na passagem da transfiguração, ele já queria armar barracas e ficar por ali, estava eufórico. Motivado, foi o primeiro a pular na água quando Jesus caminhava sobre elas. Quando Jesus perguntou “Quem sou?”, logo respondeu: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo”. Aluno exemplar! Quando Jesus contou o plano divino da salvação pela cruz, pulou à frente dizendo: “Nunca, Senhor! Isso nunca te acontecerá!”. Com Jesus, no Getsêmani, cortou a orelha do soldado romano. Ele também se escondeu durante a madrugada e negou Jesus três vezes até o galo cantar. Pedro, assim como nós, também falhou. Recebeu repreensões. Bem orientado, se aprumou, confiante na graça de Deus. Mas foi sempre proativo. Falhar é do jogo. Errar é humano. Aprender com os erros é uma forma de crescer. Existe uma frase que rola solta na internet, atribuída a Peter Drucker, um grande pensador da administração moderna, que diz que “existem riscos que você não pode correr, e existem riscos que você não pode deixar de correr”. E aí, pergunto: Estamos correndo riscos ao anunciar o evangelho? No testemunho do amor do Deus vivo no nosso dia a dia? Vivemos conforme os ensinamentos de Jesus? Corremos esse risco de ficarmos mal falados ao testemunhar ou estamos correndo desse risco ao não testemunhar?
Às vezes pensamos que não estamos aptos, e que os líderes e os pastores é que deviam fazer isso. E a questão do apto ou não, é uma clara manifestação do quanto é diferente liderar uma congregação do ato de liderar ou gerenciar uma empresa. Números, indicadores, relatórios, planos, modelos de gestão, nem sempre servem exatamente pro nosso dia a dia congregacional. Precisamos entender que não são as metas tangíveis que irão demonstrar se o trabalho na igreja está indo bem ou não, mas, sim, a forma como se conduz, baseado na empatia, no amor, no equilíbrio, na transparência, no ouvir e no ato de servir ao nosso Deus, fundamentado nas Escrituras. Precisamos dessa competência.
E aqui resgato a frase lá do início: “Liderança é conquistada junto aos liderados e […] ela não vem junto com o cargo de chefia que você tem”. Na igreja, não é preciso ter cargo para ser líder. Na congregação, não precisa saber falar em público para ser líder. Numa comunidade, não precisa ter o dom de profetizar, basta querer servir (Rm 12.6-7).
A liderança, de fato, não precisa de cargos, de status. Temos muitos exemplos de grandes líderes mundiais que não possuíam cargos: Martin Luther King, Ghandi, Madre Tereza de Calcutá, Mandela, Lutero e até mesmo aquele rebelde desconhecido que na Praça da Paz Celestial, em Pequim, desafiou imensos tanques de guerra em 1989. Todos possuíam competência (CHA), mas não eram os líderes dos países em que atuavam. Precisamos ser proativos, precisamos olhar o convite, o chamado de Deus para amar e servir.
Em nossa igreja, somos mais liderados do que líderes – em quantidade de pessoas – e, por isso, precisamos ter mais atitude, talvez até em busca de mais conhecimento para nos tornarmos mais hábeis. Nossa postura (atitude) não pode ser acomodada. Para atingir mais pessoas com o evangelho e cuidar da estrutura organizacional necessária, não podemos esperar só pelo pastor, presidente da congregação ou dos presidentes dos departamentos, isso é jogar muito peso sob poucos ombros.
Reconheço a importância dos líderes e a relevância deles em preparar, motivar, orientar e dirigir os liderados, mas também acredito na força, na atitude e na capacidade daqueles que não exercem cargos, e que também são os líderes. E esses são uma quantidade muito grande de pessoas que podem levar adiante o amor de Deus.
A liderança tem muito mais a ver com os liderados. Liderados pelo evangelho, vamos em frente. Sejamos liderados sempre pelo Espírito Santo e coloquemos nossas competências: conhecimento, habilidades e atitudes, a serviço da obra do Senhor.
Gustavo Becker
Administrador, presidente da Congregação da Cruz
Porto Alegre, RS
[1] É um processo de ajuda mútua para mudanças de comportamento, por meio da comunicação verbalizada ou não entre duas pessoas ou entre pessoa e grupo, no sentido de passar informações, sem julgamento de valor, sobre como sua atuação afeta ou é percebida pelo outro e vice-versa. Programa SEBRAE de Liderança – Escola de Desenvolvimento de Líderes. Paraná, 2012.
[2] Podemos chamar de competência a soma de: conhecimento – ou o fato de saber; habilidade – ou a capacidade de saber fazer: ou a atitude – o desejo e a ânsia de querer fazer.
[3] Essas três palavrinhas: Conhecimento, Habilidade e Atitude formam um pequeno acrônimo conhecido por CHA, que traduz o que se busca por competência nos indivíduos do mundo corporativo. Alguns estudiosos estão colocando mais duas palavras para este acrônimo: Valores e Emoções ou Entorno (ambiente onde se atua), que formam um quinteto de palavras e o novo acrônimo CHAVE. Não sei se é modismo ou se vai pegar, por isso prefiro deter-me ao conceito original: saber, saber fazer e querer fazer.