Nossa geração ainda não havia vivido uma situação de isolamento social como esta que nos foi imposta pela pandemia da Covid-19. Há situações muito desconfortáveis (como medo da infecção, da morte, da recessão e suas consequências), mas também há muita criatividade e novas formas de relacionamento que vieram para ficar.
Perdemos a conta das vezes que ouvimos nossos pais, tios, e avós nos contarem sobre a crise das primeiras três décadas do início do século passado. Então… parodiando o Lito do canal “Aviões e Música”, do Youtube, digo a cada um que nos lê: – Senta, que lá vem História!
Eu, Vilson, inicio essa narrativa com base em memórias de meus pais (Martins e Hilda) e meus avós (Martim Regina e Guadalupe Garcia y Garcia, paternos, espanhóis; e Adolfo Stadler e Ana Regina Schneider Stadler, maternos, brasileiros, descendentes de alemães). Depois, na sequência, a narrativa segue com a Terê (apelido abreviado e carinhoso desde sempre da minha esposa Maria Terezinha Marques Regina) com quem tive três filhos: Jean, Jéssica e Alline. Entendemos, recebemos e tratamos como filhos os que se juntaram à família, pela ordem: Patrícia, Maicon e Daniel.
Esse isolamento que nos foi imposto por conta da pandemia do Covid-19 ficará marcado na memória desta e da próxima geração. As pessoas vão se referir ao ano de 2020 como nossos bisavós e avós o fizeram em relação à gripe espanhola – que foi uma pandemia do vírus influenza ocorrida ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918 – e da posterior grande depressão que mergulhou o mundo na maior recessão econômica de todos os tempos – entre 1929 e o início da Segunda Guerra Mundial.
Meus avós paternos, Martim (de Granada, Espanha) e Guadalupe (de Madrid, Espanha) vieram ao Brasil atraídos pela propaganda feita na Europa de que aqui se podia facilmente obter bons recursos financeiros para então retornarem à terra natal e viverem com um pouco mais de folga financeira. Ledo engano. Nunca mais voltaram. Com os recursos que trouxeram, compraram um pequeno lote de terras em Havaí, Distrito de Bauru, SP. Ao longo dos anos, tiveram doze filhos… e a terra ficou escassa para alimentar tanta gente. Então, novamente, a propaganda de “dias melhores” os levou ao Norte do Paraná.
Não cheguei a conhecer meu avô, Martim, que tinha uma formação técnica em Veterinária. O que sei dele me foi contado por meu pai, Martins, falecido há pouco mais de um ano em Mandaguari, PR, e da minha avó Guadalupe, falecida na minha adolescência.
Já com os meus avós maternos, Adolfo e Ana, tive uma convivência mais próxima e intensa… pelo menos até meus 11 anos, quando então fui estudar em São Paulo – no antigo ginásio do Instituto Concórdia. Meus bisavós maternos (Cristiano e Elizabeth), fugindo da fome, vieram da Suábia, Alemanha, região pertencente à Baviera, cuja capital é Augsburg. Instalaram-se no Sul do Paraná, numa localidade chamada Lajeado – Bom Jardim, próximo a Imbituva. Mas as terras que, posteriormente, meus avós adquiriram, também ficaram escassas para criar 12 filhos. Então, decidiram vender o que tinham e foram tentar melhores oportunidades no Norte do Paraná
Sentar-me na varanda da casa de meus avós, tomar um belo chimarrão com alguma guloseima da vovó Ana… e escutar muitas histórias de vida e de morte daquela dama tão sábia e do meu bem-humorado vovô Adolfo… eram momentos marcantes que eu tinha nas férias… e que até hoje dá uma saudade tão grande que é difícil de explicar.
Eles souberam, por exemplo, das notícias que chegavam sobre a gripe espanhola – que fez cerca de 50 milhões de vítimas em todo o mundo – a maior do século XX, e se preocuparam. O jornal Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro), de 15 de outubro de 1918, estampava a manchete de capa: O RIO É UM VASTO HOSPITAL. Essa pandemia foi trazida ao Brasil pelos navios-correio, inclusive a partir de médicos brasileiros que foram oferecer suporte à Europa, especialmente à França, e que retornaram infectados. Meus avós não vivenciaram isso (porque a doença ficou limitada ao Nordeste e Sudeste), mas souberam e se preocuparam.
O que segue, agora, vem do coração da vovó Terê. E ela diz:
Meus bisavós maternos, Zeferino Lopes e Maria Raposo Lopes, eram descendentes de portugueses. Já os outros bisavós maternos eram Militão Joaquim do Nascimento, descendente de portugueses, e Marina Amaro do Nascimento, de etnia indígena. Minha avó, Josefa Maria de Jesus, não conheci, nem meu pai a conheceu, pois ela morreu no parto de gêmeos. Meu avô paterno também não conheci. Morreu quando meu pai era jovem.
Não conheci meu avô paterno, Otávio Marques de Castro. Mas convivi muito com minha avó, Ana Eufrozina Marques. Ela era uma mulher severa, de princípios, mas também sabia ser carinhosa. Quando eu lhe apresentei o meu namorado, ela olhou para o Vilson e perguntou: – Isso é sério mesmo ou é só de brincadeira? Tive o prazer de vê-la no meu casamento, realizado pelo pastor Lauro Petry, na Comunidade Luterana Da Paz, de Mandaguari, PR.
Meu pai, Aureliano Marques de Souza, na década de 1940, deixou terras escassas e pouco produtivas em Minas Gerais para buscar melhores chances de viver em Apucarana, no Norte do Paraná. Ali abriu cerca de vinte alqueires (que correspondem a 48,4 hectares) na mata fechada tendo apenas um machado como instrumento de trabalho. Após alguns anos, mudou-se para a cidade de Mandaguari, levando para essa cidade os irmãos e a mãe que tinham ficado em Minas. Com o tempo, seu irmão, José Pedro Marques, abriu uma tipografia na cidade – na qual meu pai trabalhou até a sua aposentadoria.
Minha mãe, Maria Lopes Marques, teve 10 filhos, mas quatro deles morreram ainda bebês. Ela foi uma mãe presente e carinhosa, e uma avó doce e muito amada por seus netos. Ela é meu espelho. Eu me inspiro nela para ser para meus netos o que ela foi para meus filhos e sobrinhos. Procuro ser sempre carinhosa com meus netos, quando seus pais precisam viajar, conto histórias do meu passado, faço comidas que eles gostam, oro com eles, e passo para eles os valores que constituem as bases cristãs de nossas famílias.
Por isso, o Vilson e eu, avós de presença intensa na vida de nossos netos e netas, sentimos tanto esse isolamento que nos impede o contato mais próximo. Mas sabemos que isso é passageiro. Pedimos a DEUS que isso cesse logo e que tudo possa voltar à normalidade, mesmo que num novo padrão de normalidade. Seguimos orando por nossos filhos, genros, nora, netos e netas, pelos pastores e suas famílias e pelas famílias de nossa IELB, pelos profissionais que arriscam suas vidas para intervir nos eventos de controle dessa terrível pandemia, pelos infectados, pelos enlutados.
A perda de centenas de milhares de vidas… já estamos adentrando a casa do primeiro milhão de preciosas vidas perdidas… a economia em franco declínio para uma enorme recessão… a violência doméstica, o aumento de casos de pedofilia, a ansiedade exacerbada, a depressão, os suicídios… são tragédias com as quais teremos de aprender a lidar e que vão mudar muitos referenciais do nosso mundo.
Mas nem tudo deve ser contabilizado como negativo.
Por exemplo: o tempo que alegávamos não ter mais, o temos de sobra. O diálogo entre pais e filhos, a criatividade das pessoas com o incremento do uso de tecnologias, as lives diárias, os vídeos, os manifestos de amor, o valor de um abraço, de um beijo, de um carinho. Estamos todos abstêmios de afetos! E definitivamente passaremos a valorizá-los como merecem!
Foram estranhos os primeiros encontros, nessa pandemia, com nossos filhos e netos “mascarados”. Com frequência, tanto nós como também eles, esboçávamos o gesto espontâneo de nos aproximar para um abraço e um beijo… mas recuávamos. Logo aprendemos a nos cumprimentar e a nos despedir com o toque dos cotovelos… Ver e ouvir postagens de nossos netos gêmeos, Felipe e Gabriel, filhos do Jean e da Patrícia, falando de sua fé, do amor de Jesus por nós, e que tudo isso vai passar… fazendo entrevistas conosco para cumprirem com tarefas da escola… bah, emociona e enche nossos corações de santo orgulho e alegria.
Nossa neta, Lívia (7 anos), filha do pastor Maicon e Jéssica, em segredo, sem que os pais soubessem, gravou um vídeo, dialogando com um suposto público, explicando os modelos fashion exibidos por suas bonecas, modelos costurados por sua avó paterna, Angélica. A maninha, nossa pequena Talita (1 ano), aprendendo a dar os primeiros passos, segurando nos móveis e dançando ao som de alguma canção, sem que estivéssemos por perto para testemunhar isso em tempo real… Jesus! Quantas memórias!
Em conclusão: veem-nos à mente alguns textos da Bíblia Sagrada – que nos fazem recordar sua pertinência e atualidade. Por exemplo: “Pois sabemos que todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam a DEUS, daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu plano” (Rm 8.28 NTLH). “Todas as coisas” implicam até aquelas que, no momento, interpretamos como negativas, mas que DEUS usa para nos fazer crescer e amadurecer. Neste mesmo sentido: “Com a força que Cristo me dá, posso enfrentar qualquer situação” (Fp 4.13 NTLH).
Finalmente, se podemos, damos um conselho:
Orem, não apenas PELOS seus filhos e netos, noras e genros, mas COM eles. Sempre e para sempre eles saberão que vocês creem e vivem a fé verdadeira em JESUS CRISTO
Maria Terezinha e Vilson Regina
Porto Alegre, RS