Lucas Pinz Graffunder
Pastor
Novo Hamburgo, RS
Vivemos em uma época em que tudo é rápido, tudo é urgente, tudo é demais. Há uma sensação constante de que estamos atrasados, insuficientes, tentando correr atrás de algo que nunca alcançamos. Essa experiência não é individual. Ela tem nome, rosto e conceito: hipermodernidade. O filósofo francês Gilles Lipovetsky descreve esse período como uma fase em que a modernidade, com seu ideal de progresso, liberdade e individualismo, volta de maneira intensificada, acelerada e paradoxal.
Na hipermodernidade, o consumo não é mais só por status ou necessidade, mas por identidade, emoção e pertencimento. Compra-se para preencher vazios, para sustentar uma imagem, para sentir algo, qualquer coisa. A vida gira em torno do prazer imediato, da autoexpressão e da liberdade total. As redes sociais se tornaram vitrines do eu idealizado. A felicidade virou performance. A tristeza, vergonha. A espiritualidade, um acessório entre tantos.
Por trás desse culto ao “eu” e à liberdade, esconde-se uma geração exausta de tentar ser tudo ao mesmo tempo: bem-sucedida, saudável, bonita, engajada, feliz, equilibrada, criativa, produtiva e autêntica. O ideal contemporâneo não é mais o de um bom cidadão, nem mesmo o de um bom cristão, mas o de um “bom projeto de si mesmo”. A vida virou uma vitrine em tempo integral. E, como lembra Lipovetsky, quanto mais liberdade temos, mais ansiosos e inseguros nos tornamos. Afinal, se tudo depende de mim, então o fracasso também é só meu.
Nesse cenário, a mensagem da cruz parece desconectada. Afinal, o mundo da hipermodernidade não quer ouvir sobre pecado, culpa, arrependimento, juízo ou redenção. Ele quer ouvir sobre bem-estar, autoconhecimento, autoestima. Troca-se a confissão pela autoexpressão. Troca-se a cruz pela estética do eu. Mas é justamente aí que a Teologia da Cruz mostra sua força e necessidade.
Enquanto o discurso hipermoderno diz “você pode tudo, basta tentar”, o evangelho da cruz diz “você não pode nada, mas Cristo já fez tudo por você”. Enquanto o mundo exige que você se salve, a cruz oferece um Salvador. A Teologia da Cruz, como ensina a tradição reformada, parte da realidade da condição humana: pecadora, quebrada, carente de graça. Ela confronta a ilusão de autossuficiência e aponta para uma salvação que não depende da performance, mas da promessa.
Na cruz, o centro deixa de ser o “eu” e passa a ser Cristo. O fardo da autojustificação é substituído pelo descanso no perdão. A ansiedade de ser alguém cede lugar à paz de já ter sido aceito por Deus. E, num tempo em que o excesso de escolhas fragmenta o ser humano, a cruz o integra novamente à verdade: não somos nossos, fomos comprados por alto preço (1 Co 6.20).
Isso não é uma fuga da realidade, mas um retorno ao real mais profundo. A cruz não nos tira do mundo, mas nos reposiciona dentro dele. Ela nos liberta do narcisismo disfarçado de autenticidade e nos convida a viver com os pés no chão e o coração na graça.
Talvez você, leitor, esteja cansado. Não o cansaço bom do trabalho bem-feito, mas o cansaço de ter que ser tudo o tempo todo. O cansaço de tentar sustentar uma imagem, de corresponder às expectativas, de ter que justificar sua existência a cada dia. Se for esse o caso, receba com alívio esta boa notícia: você não precisa se salvar. Você já tem um Salvador.
A cruz continua sendo o único lugar onde o coração humano encontra paz verdadeira. Não a paz dos likes ou do sucesso, mas a paz que vem de saber que, mesmo sendo nada, você é amado por AQUELE que deu tudo.