“Portanto,
assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele,
estando enraizados e edificados nele, e confirmados na fé, como foi ensinado a
vocês, crescendo em ação de graças” (Cl 2.6-7, NAA).
“Sem
raízes profundas, qualquer tempestade nos leva ao chão.”
Com
a graça de Deus, atuo há cerca de 30 anos numa organização cristã que lida diretamente
com a Bíblia, fonte de inspiração e alimento para todos os cristãos. Na
Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), tenho a oportunidade de interagir com as
mais variadas denominações, missões e organizações cristãs. Em tempos recentes,
tenho notado um interesse crescente pelo estudo da santa Palavra de Deus. Tal
percepção é corroborada por um número cada vez maior de convites para que
outros colaboradores da SBB e eu ministremos conferências e cursos sobre a
Bíblia. Durante a pandemia, foram centenas de encontros virtuais; agora,
superados os efeitos mais devastadores da peste, passamos a atuar
presencialmente. Tal movimento me alegra muito, pois o Deus da Palavra
certamente nos deixou sua Palavra para que ela seja proclamada e transforme
vidas. Sem a Palavra, ou não conectados quantitativa e qualitativamente a ela,
a fé permanece débil, e a vida cristã não se desenvolve nem cresce. E é
justamente para prevenir ou combater os efeitos de um indesejável raquitismo
espiritual que denominações e movimentos cristãos têm tomado com mais seriedade
e afinco o estudo da Bíblia.
Já
em 2009, no seio da própria Igreja Católica Romana, passados cinco séculos da
Reforma Luterana, cujos 505 anos celebramos hoje, o cardeal arcebispo de São
Paulo, Monsenhor Odilo Pedro Scherer, declarou: “Necessitamos começar a
evangelizar a maioria dos já batizados. Infelizmente, a maioria dos católicos
foi apenas batizada, não evangelizada, e deixar o cristão por conta de uma
evangelização genérica é insuficiente” (publicado em Gaudium Press, em
27 de outubro de 2009).
Ao
mesmo tempo em que precisamos nos alegrar com a redescoberta da Bíblia pela
Igreja Católica e seu incentivo ao ensino e propagação da Palavra de Deus entre
seus membros, registro as palavras de D. Odilo Scherer também como um ponto de
reflexão para nós, líderes e membros da IELB. Como herdeiros da Reforma, desde
a infância aprendemos com Lutero, na explicação ao terceiro Mandamento, no Catecismo
Menor, que “devemos temer e amar a Deus e, portanto, não desprezar a pregação
e a sua Palavra, mas devemos considerá-la santa, gostar de a ouvir e estudar”.
Temos feito o suficiente em termos de ensino e pregação da Palavra? Nossas
crianças, nossos adolescentes, nossos jovens, nossas famílias, nossos idosos –
nossos batizados, enfim – conhecem a Palavra de Deus com fluência e a vivem e a
aplicam às mais diversas situações de suas vidas? Em que podemos melhorar como
líderes, congregações e igreja para que nossos jovens, por exemplo, permaneçam
na igreja após a confirmação e continuem tendo na igreja um espaço relevante
para sua vida quando ingressam no ensino universitário?
Há
poucos meses, o jovem líder de uma igreja evangélica cuja quase totalidade da
membresia é composta por jovens entre 15 e 30 anos veio nos procurar na SBB com
uma preocupação e um anseio. Apesar de a igreja estar sempre cheia e crescendo
e de conseguir promover eventos gigantes, com milhares e milhares de pessoas,
um velho líder em outro país o lembrou de que, sem a Palavra, o crescimento não
se sustenta, correndo o perigo de ser apenas “fogo de palha”. O jovem líder
tomou isso tão a sério que veio buscar ajuda para que sua liderança conhecesse
mais a Bíblia, a amasse mais e aprendesse a lê-la, vivê-la e testemunhá-la. E
aí começamos uma jornada de conferências com a denominação, voltando aos
fundamentos da fé cristã, explorando temas como a história, a tradução, a
interpretação, a centralidade de Cristo e a relevância da Palavra de Deus. A
experiência tem sido extremamente edificante, tanto para a igreja quanto para
nós, da SBB – é bonito ver tantos jovens aprofundando sua fé e enxergando a
vida na perspectiva do evangelho de Cristo.
Há
pouco mais de um mês, num curso a pastores da IELB na cidade de Guarapuava, PR,
tive a oportunidade de conduzir alguns diálogos e oficinas tendo como foco
“Pregação contextualizada do evangelho para novas gerações”. Foram dias
intensos de interação e partilha. Já quase ao final do evento, um dos
participantes pontuou comigo uma perspectiva que lhe ocorreu durante o curso.
“Precisamos investir mais tempo no ensino da Palavra de Deus, pois sem raízes
profundas, qualquer tempestade nos leva ao chão.” Guardei a frase comigo e,
sinceramente, não me pareceu em nada óbvia nem impertinente. Recebido o honroso
convite da IELB para escrever este breve estudo sobre a temática da igreja para
2023, resenho a seguir o texto de Colossenses 2; embora o tema se concentre nos
versículos 6 e 7 – que falam do viver enraizado e edificado na Palavra,
permito-me abordar Colossenses 2.1-7, a fim de termos uma visão um pouco mais
abrangente do que Deus nos legou pela pena de Paulo e Timóteo. Ao final deste
estudo, como servos do Deus da Palavra e proclamadores da Palavra de Deus,
espero que todos saiamos ainda mais apaixonados pela Bíblia e com um desejo profundo
de conhecê-la, vivê-la e compartilhá-la mais e mais.
VIVER
ENRAIZADOS E EDIFICADOS EM CRISTO – Colossenses 2.1-7
1. A Epístola aos Colossenses
A
Epístola aos Colossenses foi escrita quando Paulo estava preso por anunciar
Jesus Cristo (Cl 4.3,18). O apóstolo Paulo escreve esta carta junto com
Timóteo, seu filho espiritual (Cl 1.1-2). Eles abrem a carta louvando a Deus
pela fé que os colossenses têm e pelo amor deles por todo o povo de Deus.
Naquela comunidade de Colossos, a fé e o amor caminhavam de mãos dadas. Quem
levou a boa notícia da salvação a Colossos foi Epafras, o mesmo que, depois,
compartilhou com Paulo a respeito da fé e do amor dos colossenses. No capítulo
2, Paulo fala de seu esforço para que mais pessoas conheçam a Cristo e exorta
os cristãos de Colossos a que permaneçam firmes e cresçam em Cristo, sem se
deixarem enganar por falsos ensinos.
2. Colossenses 2.1-7 em duas versões:
a. Nova Almeida Atualizada, NAA, SBB
O
interesse de Paulo pelos colossenses
Quero
que saibam quão grande tem sido a nossa luta por vocês, pelos que moram em
Laodiceia e por muitos outros que não me viram face a face. Faço isto para que
o coração deles seja consolado e para que eles, vinculados em amor, tenham toda
a riqueza da plena convicção do entendimento, para conhecimento do mistério de
Deus, que é Cristo, em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento. Digo isso a vocês para que ninguém os engane com argumentos
falaciosos. Porque, embora ausente em pessoa, em espírito estou com vocês,
alegrando-me e verificando a boa ordem de vocês e a firmeza da fé que têm em
Cristo.
A
plenitude da vida em Cristo
Portanto,
assim como vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele,
estando enraizados e edificados nele, e confirmados na fé, como foi ensinado a
vocês, crescendo em ação de graças.
b. Nova Tradução na Linguagem de Hoje, NTLH, SBB
Pois
quero que saibam o quanto eu tenho trabalhado por vocês, e pelos que moram em
Laodiceia, e por muitos outros que não me conhecem pessoalmente. Eu trabalho
para que o coração deles se encha de coragem e eles sejam unidos em amor e
assim fiquem completamente enriquecidos com a segurança que é dada pela
verdadeira compreensão do segredo de Deus. Esse segredo é Cristo, o qual é a
chave que abre todos os tesouros escondidos do conhecimento e da sabedoria que
vêm de Deus. Eu digo isso a vocês para que não deixem que ninguém os engane com
explicações falsas, mesmo que pareçam muito boas. Porque, embora no corpo eu
esteja longe, em espírito eu estou com vocês. E fico alegre em saber que vocês
estão unidos e firmes na fé em Cristo.
A
vida em união com Cristo
Portanto,
já que vocês aceitaram Cristo Jesus como Senhor, vivam unidos com ele. Estejam
enraizados nele, construam a sua vida sobre ele e se tornem mais fortes na fé,
como foi ensinado a vocês. E deem sempre graças a Deus.
3. Colossenses 2.1-7 e Cristo como o
antídoto para um cristianismo superficial
Um
cristianismo superficial, com raízes pouco profundas, está disseminado em
nossos dias. Sem conhecer a Palavra ou com pouca destreza para compreendê-la e
aplicá-la, muitos se deixam levar por ensinamentos falsos, por filosofias e
crenças que colidem com o evangelho, pelo desejo de passar por alguma
experiência mística ou extraordinária e por apelos emocionais. Contra a
superficialidade e a instabilidade espirituais, o único antídoto é Cristo Jesus
– Caminho, Verdade e Vida (Jo 14.6), o Bom Pastor cuja voz ouvimos na Palavra
(Jo 10.1-15) e a quem, como servos e ministros, anunciamos para a salvação das
almas.
Paulo
ocupa-se com este tema em Colossenses 2 e em outros de seus escritos, como, por
exemplo, Efésios 4.11-14, NAA, trecho em que tece uma relação estreita entre o
ministério da Palavra e a edificação do corpo de Cristo, a igreja:
“E
ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para
evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento
dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de
Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do
Filho de Deus, ao estado de pessoa madura, à medida da estatura da plenitude de
Cristo, para que não mais sejamos como crianças, arrastados pelas ondas e
levados de um lado para outro por qualquer vento de doutrina, pela artimanha
das pessoas, pela astúcia com que induzem ao erro.”
Conscientes
desse privilégio e dessa responsabilidade de servir a Deus para a edificação da
igreja, recordemos que a profundidade e a estabilidade espirituais propostas em
Colossenses 2.1-7, a. provêm do conhecimento de Cristo; b. protegem contra o
engano; c. vêm de um caminhar diário com Cristo Jesus. Cada um desses pontos
será um pouco mais esmiuçado a seguir.
A. Profundidade e estabilidade espirituais
provêm do conhecimento de Cristo – Colossenses 2.1-3
Em
Colossenses 2.1, Paulo fala claramente de seus esforços em prol das pessoas que
Deus congregou em Colossos, em Laodiceia e mesmo por “outros que não o viram
face a face”. Assim como não se envergonha do evangelho (Rm 1.16), Paulo
tampouco se envergonha de afirmar seu trabalho. Ele não está se valorizando nem
advogando em causa própria, mas reafirmando a missão para a qual foi chamado
como apóstolos entre os gentios (Rm 11.13). Esta “luta” se traduz no fato de o
apóstolo estar preso e, mesmo assim, a partir da prisão, escrever uma carta tão
amorosa e pastoral aos colossenses, a quem ensina e por quem ora. Paulo
dedica-se ao cumprimento da missão recebida de Cristo e nisso se esmera,
buscando a salvação e o crescimento dos destinatários de sua carta e de outros,
pessoas que ele nem mesmo conhece pessoalmente.
Nos
versículos 2 e 3, de maneira bastante condensada, Paulo exprime a razão de sua
grande labuta. Por meio de sua luta apostólica, Paulo deseja que o coração de
seus destinatários seja “consolado” ou “encorajado” (do gr. parakaléo, ambas as
traduções são possíveis) e que eles, unidos em amor (numa antecipação do teor
de Colossenses 3.14), se enriqueçam com o conhecimento de Cristo, cujo mistério
ou segredo já foi revelado e manifesto no evangelho. E lembrando Philip
Melanchthon, “conhecer a Cristo é conhecer os seus benefícios”, obtendo dele
perdão, paz de consciência, salvação e vida eterna. Quem tem a Cristo, não tem
tudo (Rm 8.32)? E se Cristo se deu e se revelou a nós, somos ricos e sábios
segundo Deus (Rm 11.33; Fp 3.7-8).
Conhecer
a Cristo traz profundidade e estabilidade espirituais. Viver enraizado e
edificado em Cristo nos enriquece com bens espirituais que nos fortalecem para
enfrentar quaisquer dificuldades que nos sobrevenham (Fp 4.13). E Cristo quer
que o conheçamos mais, a ele e seus benefícios, quando diz em Mateus 11.28-30,
NAA:
“–
Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu os
aliviarei. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, porque sou manso e
humilde de coração; e vocês acharão descanso para a sua alma. Porque o meu jugo
é suave, e o meu fardo é leve”.
B. Profundidade e estabilidade espirituais
protegem contra o engano – Colossenses 2.4-5
No
versículo 4, uma vez mais o apóstolo Paulo se coloca claramente e agrega
sentido ao que expôs anteriormente. Tudo o que Paulo escreveu foi dito “para
que ninguém os engane com argumentos falaciosos” ou “explicações que soam
verdadeiras, mas não são”. Para os destinatários de Paulo, assim como em todo o
mundo greco-romano, a retórica era valorizada e amplamente utilizada. Não há
problema em usar palavras bonitas, desde que sejam verdadeiras. Mas naquele
contexto, em meio a oradores íntegros e bem-intencionados, também havia os
sofistas – pessoas eloquentes cuja lógica alquebrada era encoberta por
expressões de efeito e argumentos falhos. Buscando o melhor para os colossenses,
Paulo os adverte quanto à verdadeira sabedoria, que é Cristo. Os colossenses, e
todos nós, precisamos ser humildes e submeter quaisquer ensinos e ideias ao
crivo da Palavra de Cristo, desconfiando de nossa própria inteligência (Pv
3.5-7) e levando cativo todo pensamento a Cristo (2Co 10.5), que é a sabedoria
de Deus (1Co 1,18-25).
Mesmo
distante, Paulo manifesta, uma vez mais, seu cuidado pastoral para com os seus
destinatários. A expressão, “em espírito estou com vocês”, indica que Paulo
pensava nos colossenses e, como pastor que zelava pela salvação deles, por eles
orava e intercedia. As boas notícias sobre a fé dos colossenses lhe chegavam
por meio de Epafras (Cl 1.7-8) e renderam um rasgado elogio do apóstolo àqueles
cristãos. Paulo manifesta, então, que aquelas notícias lhe trouxeram alegria,
um sentimento de satisfação, mesmo estando numa prisão. Saber que os
colossenses tinham uma fé firme em Cristo fez Paulo exultar, como alguém que vê
sua missão sendo cumprida apesar de suas limitações (Fp 2.17-18), com um pai
que se alegra ao ver seus filhos bem encaminhados na vida.
Conhecer
a Cristo traz profundidade e estabilidade espirituais para os momentos em que a
firmeza de nossa fé é testada. Viver enraizado e edificado em Cristo,
conhecendo bem a sua Palavra e nela crendo, nos protege de cair em armadilhas e
abandonar a fé. A Palavra de Cristo ajuda a identificar o engano e a permanecer
na fé, como está escrito em 2Timóteo 3.16: “Toda a Escritura é inspirada por
Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação
na justiça”.
C. Profundidade e estabilidade espirituais
vêm de um caminhar diário com Cristo Jesus – Colossenses 2.6-7
Esses
dois versículos são a base para a temática da IELB em 2023. A caminhada com
Cristo, para muitos, iniciou-se já na tenra infância, no santo batismo. Para
outros, já jovens ou adultos, quando a Palavra ouvida frutificou em
arrependimento e fé em Cristo. Entre os destinatários da Carta aos Colossenses,
muitos possivelmente chegaram à fé já adultos, outros, talvez, ainda
pequeninos, por meio do batismo. A Escritura não traz esses detalhes. Seja como
for que “vocês receberam Cristo Jesus, o Senhor”, é inequívoca e claríssima a
exortação de Paulo: “continuem a viver em Cristo”. Uma vez que morremos e
ressuscitamos com Cristo pela fé, no batismo ou na conversão, precisamos
continuar vivendo nele. Fora de Cristo e à parte dele, não há vida, pois “sem
ele, nada podemos fazer” (Jo 15.5).
E
Paulo não se contenta com um viver superficial ou instável; por isso, ele
qualifica esse viver e anima os seus destinatários a “aprofundarem suas raízes
em Cristo” e a “estarem alicerçados em Cristo”. Trata-se de um viver diário.
Sim, os “batizados” e os “novos convertidos”, todos, precisam continuar plantados
e firmados na Palavra de Cristo e, por consequência, também na santa ceia, que
é outro meio pelo qual Deus concede sua graça e estende o seu Reino entre nós.
“Enraizados”
e “edificados” remetem a dois textos emblemáticos das Escrituras no tocante a permanecer
e crescer na fé. O primeiro deles é o Salmo 1, que ecoa lindamente em Colossenses
2.6-7, e que na NAA recebe o sugestivo título “Os justos e os ímpios”:
“Bem-aventurado
é aquele que não anda no conselho dos ímpios,