Há 500 anos nasceu o primeiro “hino luterano”

Como o povo de Deus, na época da Reforma, estava desacostumado a cantar efetivamente nos cultos, Lutero tomou a iniciativa de compor hinos congregacionais. O primeiro desses hinos é o que está no Hinário Luterano sob o número 376, “Vós crentes, todos, exultai”, na tradução de Martinho Luthero Hasse.

Raul Blum
Maestro e professor do Seminário Concórdia
[email protected]

Lutero escreve no Prefácio ao hinário Wittenberguense de 1524: “No meu entender, nenhum cristão ignora que o canto de hinos sacros seja bom e agradável a Deus, uma vez que todo mundo tem não apenas o exemplo dos profetas e reis do Antigo Testamento (que louvavam a Deus cantando e tocando, com versos e toda espécie de música de corda), mas este costume, particularmente no tocante aos salmos, é conhecido da cristandade em geral desde o começo. O próprio S. Paulo […] ordena aos colossenses que cantem com vontade ao Senhor hinos sacros e salmos, para que desta maneira a Palavra de Deus e a doutrina cristã sejam propagadas e exercitadas das mais diversas maneiras” (LUTERO: Prefácio ao hinário Wittenberguense de 1524).

Como o povo de Deus, na época da Reforma, estava desacostumado a cantar efetivamente nos cultos, Lutero tomou a iniciativa de compor hinos congregacionais. O primeiro desses hinos é o que está no Hinário Luterano sob o número 376, “Vós crentes, todos, exultai”, na tradução de Martinho Luthero Hasse. Este hino foi publicado pela primeira vez em folha avulsa no ano de 1523, portanto, há 500 anos. No ano seguinte, 1524, foi integrado ao primeiro “hinário luterano”, Etlich Christlich lider, que tinha apenas oito hinos. O hino continua a fazer parte de hinários, pois seu conteúdo é significativo para todos os tempos. O título com que foi lançado o hino é: “Um hino cristão do Dr. Martinho Lutero, estabelecendo a graça inexprimível de Deus e da fé verdadeira” (PRECHT, 1992).

Fred Precht, no livro Lutheran Worship: hymnal companion, escreve que este hino “retrata de maneira comovente e direta o curso do início da vida adulta de Lutero, desde a entrada no mosteiro agostiniano até a sua obtenção de completa paz na doutrina da justificação pela fé em Jesus Cristo, não por obras. Como tal, o hino espelha magnificamente seu desenvolvimento espiritual interior” (PRECHT, 1992).

O texto original do hino tem 10 estrofes, mas no Hinário Luterano foi resumido em 7 estrofes. Vamos seguir o conteúdo conforme as sete estrofes do Hinário Luterano:

•          A primeira estrofe mostra o motivo de nossa alegria: louvamos a Deus pelo seu gracioso amor em nos trazer paz.

•          A segunda e terceira estrofes expressam a condição natural de cada pessoa: sou cativo de Satanás e incapaz de fazer algo para merecer a salvação.

•          Na quarta estrofe, inicia o meu processo de libertação: Deus se compadece de mim e me dá Jesus, que me livra da morte eterna.

•          Na quinta e sexta estrofes, está relatado o plano da salvação: o Pai diz ao seu Filho eterno que ele vá salvar a humanidade. Para tanto, ele nasce no mundo, vence o diabo e nos concede perdão e paz. Além disso, o Pai me enviou o Espírito Santo para despertar em mim a fé.

•          O hino finaliza lembrando que Jesus fez tudo pela nossa salvação, e, por isso, precisamos permanecer com ele.

A melodia que Lutero compôs para esse hino tem saltos nas frases iniciais de diversas linhas, e em todo os inícios de linhas tem uma nota curta, o que ajuda a expressar a alegria que o texto exprime pela doutrina da justificação pela fé. A melodia de Lutero é inspirada em baladas típicas de sua época. Podemos ver na melodia um exemplo muito bom de condução ou suporte para o texto.

Qual é a importância para nós, hoje, deste primeiro “hino luterano”? Assim como todos os hinos que expressam a verdadeira doutrina bíblica, cantar um hino histórico é nos reunirmos à família da fé que foi salva antes de nós e que continuará a ser salva depois de nós. A realidade da justificação pela fé é eterna, e essa realidade não muda. Aqui pode-se aplicar a afirmação de Jesus: “Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão” (Mt 24.30). Este hino de Lutero está firmemente alicerçado na Palavra de Deus e, por isso, ele é sempre atual e nos serve de ensino, orientação e conforto, em qualquer tempo e lugar.

Com este primeiro “hino luterano”, Lutero nos deu o exemplo de que o conteúdo dos hinos precisa refletir o ensino bíblico. É necessário lembrar sempre: aquilo que cantamos é também aquilo que cremos. Por isso, fica o alerta: cuidado ao cantarmos aquilo que não cremos. Nossos hinos precisam ser bíblicos, teocêntricos e didáticos: devem nos levar à doutrina bíblica e fixar essa doutrina em nossas mentes e corações.

REFERÊNCIAS

WACHHOLZ, Nilo (Ed.). Hinário Luterano. Comissão de Culto da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (Org.). Porto Alegre: Concórdia, 2016.

HERL, Joseph; RESKE, Peter C.; VIEKER, Jon D. Lutheran Service Book: companion to the hymns. Saint Louis: Concordia Publishing House, 2019.

LEUPOLD, Ulrich, S. Dear Christians, Let Us Now Rejoice. In: Luther’ Works. America edition, v.53. Philadelphia: Fortress Press, 1965.

PRECHT, Fred L. Lutheran Worship Hymnal Companion. St. Louis: Concordia Publishing House, 1992.

STULKEN, Marilyn Kay. Hymnal companion to the Lutheran Book of Worship. Philadelphia: Fortress Press, 1981.

Comentários

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias Relacionadas

Ações de Graças em todo tempo

Célia Marize BündchenPresidente da Região Catarinense “Graças dou por esta vida.” Assim inicia um belo hino que certamente todos nós gostamos de...

Veja também

Ações de Graças em todo tempo

Célia Marize BündchenPresidente da Região Catarinense “Graças dou por esta...

No coração, a guerra. Na Bíblia, a paz

Assista à reflexão do pastor Paulo Teixeira, secretário de Relações Institucionais da SBB, baseado em 2Co 5.18

Aos aflitos

Ao corpo de Cristo pertencem pessoas que se lembram de nós que se aproximam de nós com afeto. A presença do Criador em suas criaturas afasta o medo. João nos garante que podemos caminhar com absoluta confiança, mesmo em época de crise.