A reconstrução de templos e vidas por meio da fé, amor e solidariedade

Veja a situação de templos e famílias luteranas um ano após a maior tragédia climática do RS

Há um ano, o Rio Grande do Sul enfrentava uma das maiores catástrofes naturais de sua história. As enchentes que assolaram o estado deixaram um rastro de destruição, impactando milhares de vidas e estruturas. Para a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), o cenário não foi diferente. Templos, casas pastorais, escolas e lares de membros foram severamente atingidos. Assim como o Mensageiro Luterano acompanhou e produziu diversas reportagens à época, hoje esta reportagem busca documentar e analisar a situação atual, contrastando a devastação inicial com os desafios superados e as dificuldades persistentes, além de destacar as iniciativas de reconstrução e apoio da IELB.

Os números da tragédia

Em maio de 2024, a IELB contabilizou um impacto significativo em suas comunidades. Os distritos Alto Taquari, Concórdia, Gaúcho Central, Hortênsias, Porto-alegrense, Sul I, Vale do Rio Gravataí, Vale do Rio Pardo, Vale do Rio dos Sinos e Videiras foram os mais afetados. Cidades como Lajeado, Estrela, Montenegro, Rolante, Três Coroas, Canoas, Eldorado do Sul, Igrejinha e Porto Alegre viram a força das águas.

Templos e casas pastorais: Diversos templos foram invadidos pela água, como os da Comunidade Cristo, de Porto Alegre, e a Congregação Santíssima Trindade, de Estrela, onde a água chegou a cobrir o altar. Também em Canoas, os templos das congregações São Lucas e São João, nos bairros Harmonia e Mathias Velho, ficaram quase submersos. Residências de pastores em Três Coroas, Canoas, Guaíba e Porto Alegre foram inundadas. Na Congregação Cristo, de Três Coroas, a casa pastoral foi completamente destruída.

Escolas Luteranas: As escolas confessionais da IELB sofreram danos variados. O Colégio Concórdia, em Porto Alegre, teve perdas consideráveis. O Colégio Ulbra São João, em Canoas, foi completamente tomado pelas águas no nível térreo, perdendo móveis e documentação, e seu muro lateral desabou. A Ulbra Canoas, embora não atingida diretamente pelas águas, transformou-se em um dos maiores abrigos do estado.

Membros afetados: O número estimado de membros da IELB que perderam suas casas ou sofreram perdas significativas é alarmante. Na Congregação Santíssima Trindade, de Estrela, cerca de 50% das famílias tiveram suas casas inundadas até o telhado, perdendo absolutamente tudo. Em Canoas, além do templo das duas congregações, entre 70% a 90% dos membros foram severamente atingidos. Na Congregação Cristo de Lajeado, muitos membros viram seus lares e bens serem destruídos.

Diante do cenário desolador, as congregações e escolas da IELB atuaram ativamente no acolhimento e auxílio emergencial. Algumas congregações, escolas e o próprio Seminário Concórdia serviram de abrigo para centenas de pessoas por longos dias. As congregações das áreas afetadas se mobilizaram, oferecendo refeições, oração e apoio psicossocial, atendendo as demandas.

O Fundo de Resposta a Desastres (FRD) da IELB, criado em 2015, foi crucial no rápido atendimento às necessidades de acolhimento e reconstrução. A mobilização de recursos e voluntários foi imediata, com congregações de todo o Brasil e do mundo centralizando e distribuindo auxílio.

A situação atual

Um ano depois, olhando para a igreja como um todo, percebe-se a união e o engajamento das pessoas em seu processo de reconstrução. No entanto, o caminho ainda é longo e desafiador.

Reconstrução de igrejas e escolas: O estado de reconstrução varia. Muitos templos e casas pastorais foram reparados ou estão em processo. Em Três Coroas, a casa pastoral do pastor Jonas Dolvitsch, que ficou bastante destruída, será desmanchada para a construção de uma nova. Em Candelária, os sinais de destruição diminuíram, mas o trauma persiste. O Colégio Ulbra São João, em Canoas, ainda está inativo em sua estrutura original e as aulas continuam nas dependências do Colégio Ulbra Cristo Redentor. A Ulbra Canoas, apesar dos esforços de recuperação, ainda tem custos significativos com manutenção e reparos, com um orçamento superior a R$ 5 milhões para a recuperação de avarias.

Retorno e dificuldades dos membros: Muitos membros da IELB conseguiram retornar às suas vidas, mas as dificuldades ainda são latentes para outros. O relato de Patrícia e Fábio, moradores do bairro Sarandi em Porto Alegre, ilustra a dura realidade. Com a casa coberta de água até o telhado, eles só retornaram após 40 dias. A recuperação física e material é lenta, e o medo da chuva persiste. “A marca vai ficar sempre em nossa memória, em nosso coração”, desabafa Patrícia. O auxílio recebido da IELB, como doações para compra de portas, cama e roupeiro, foi fundamental. O pastor Orlando Konrad, da Congregação São Lucas, Canoas, relata que cerca de 70% dos membros de sua congregação foram afetados, sendo que duas famílias sofreram perda total e precisaram reconstruir suas vidas em outros locais. Nas áreas agrícolas, as perdas foram silenciosas. Como um efeito cascata, as chuvas afetaram o plantio, a colheita e, consequentemente, a renda dessa população, além das perdas da pecuária. Mesmo tendo perdido sua produção, muitos agricultores priorizaram o apoio às famílias da zona urbana por entenderem que a terra trará novamente o sustento a elas.

Iniciativas de apoio e reconstrução da IELB: A IELB tem mantido um papel ativo no apoio à reconstrução. Através do FRD, foram destinados mais de R$ 3 mil para ações de recuperação. O pastor Cesar Schuquel, da Congregação Da Paz, no bairro Sarandi, em Porto Alegre, destaca a importância do auxílio da IELB com alimentos, material de limpeza, higiene e valores que permitiram a compra de itens essenciais. A Ulbra, por sua vez, demonstrou uma mobilização impressionante, acolhendo cerca de 7 mil pessoas em seu campus Canoas. A universidade ofereceu atendimento médico, odontológico, psicológico e social, além de apoio espiritual contínuo na capela universitária, com momentos de oração diários e cultos. Essa atuação lhe rendeu a Medalha do Mérito Evangélico, a ser recebida no dia 17 de junho, em Brasília, DF. No dia 22 de maio, a Ulbra Canoas realizou um evento especial em homenagem aos voluntários que atuaram nas enchentes de 2024, transformando o campus no maior abrigo do Estado. O evento contou com a presença do reitor da Ulbra RS, dr. Adriano da Silva, do presidente da Aelbra (mantenedora da Ulbra), dr. Carlos Melke, do prefeito de Canoas, Airton de Souza, e do governador do RS, Eduardo Leite. Em sua fala de abertura do evento, o capelão geral da Aelbra/Ulbra, dr. Maximiliano Wolfgramm Silva, falou dos voluntários como mãos misericordiosas de Deus que, rompendo densas nuvens, se tornaram raios de esperança na vida de milhares de pessoas. Na maior parte do funcionamento do abrigo, o trabalho dos voluntários esteve sob a coordenação geral da pastoral da Ulbra.

Desafios persistentes: O principal desafio ainda é o trauma psicológico e a insegurança. Para o pastor Marcos Fester, de Candelária, o som de uma chuva forte ainda desperta medo e ansiedade. Para Patrícia, da Congregação Da Paz, em Porto Alegre, o medo da chuva e da água que começa a subir traz a insegurança novamente. A recuperação emocional é um processo contínuo que demanda apoio psicológico e espiritual. Atentos à essa necessidade, há profissionais luteranos da área atuando voluntariamente.

Lições aprendidas: A experiência da enchente reforçou a importância da preparação e da solidariedade. O pastor Jonas Dolvitsch, de Três Coroas, expressa gratidão pela agilidade da IELB em socorrer os necessitados. Já o pastor Marcos Fester ressalta que a doutrina da Teologia da Cruz, que confessa um Deus que entrou na miséria do mundo, ensina e move a IELB a agir com misericórdia. A tragédia também evidenciou a força da fé e da comunidade, como destacado pelas professoras Elisangela Pereira e Debora Gaspary, da Escola São João, em Canoas, que viram a fé ser colocada em prática. O pastor Vitor Valadão, da Congregação São João, Mathias Velho, em Canoas, enfatiza a urgência da situação e a necessidade de se preocupar com o próximo, percebendo que “aquilo que precisávamos simplesmente ‘surgia’ em um caminhão vindo de congregações das mais diversas regiões ou de um amigo que nos batia à porta com uma conversa confortadora sobre o nosso Refúgio e Fortaleza, nosso Deus Emanuel”. Ele destaca que a experiência foi uma lição sobre a lentidão da recuperação material, mas reafirma que “Jesus é tudo o que precisamos”.

Perspectivas futuras

Embora os valores exatos arrecadados e investidos em ações de recuperação pela IELB não estejam detalhados nesta reportagem, os relatos evidenciam um volume imensurável de auxílio, além do financeiro, sobretudo material e humano, por meio de doadores, voluntários, familiares, instituições e a IELB. A Ulbra Canoas, por exemplo, teve custos de mais de R$ 1 milhão com energia, água, limpeza, vigilância e insumos para manter o abrigo, além do valor orçado para recuperação da estrutura. Por outro lado, a Ulbra contou com a mobilização das congregações da região e do Seminário Concórdia na preparação de alimentos e na atuação voluntária nos espaços de abrigo e na capela.

O retorno dos alunos às escolas afetadas tem sido gradual e desafiador. No Colégio Ulbra São João, o processo foi marcado por relatos emocionais intensos, com a necessidade de priorizar o bem-estar emocional dos alunos e o desafio de conciliar o ensino presencial e online.

As expectativas para o futuro são de continuidade da reconstrução e do apoio, com a lição de que “tudo pode mudar de uma hora para a outra; nem tudo está em nossas mãos; Deus não desampara seus filhos”, como afirma o pastor Jonas Dolvitsch.

Segundo o vice-presidente de Ação Social da IELB e coordenador do FRD, pastor Airton Schroeder, a IELB se mostra mais preparada para o enfrentamento de desastres, com o aprimoramento do FRD e a consolidação de protocolos internos. Pastor Airton destaca a importância da realização de conferências sobre o tema e a produção de materiais de treinamento para auxiliar a Igreja a agir rapidamente em situações de desastres. A 3ª Conferência de Resposta a Desastres está agendada para os dias 14 e 15 de março, desta vez, em Colatina, ES.

O pastor Vitor Valadão considera que o aprendizado foi significativo: “A enchente nos deu lições e nós queremos sim, humildemente, ser uma igreja atenta ao que acontece e preparada para o que pode vir a acontecer”.

A história da IELB um ano após a enchente no RS é um testemunho de fé, solidariedade e resiliência. As cicatrizes da tragédia ainda são visíveis, mas a força da comunidade e a atuação incansável da igreja demonstram que, mesmo diante da adversidade, a esperança e a reconstrução prevalecem.

“O desafio imposto pelos desastres em diferentes estados e, de forma direta, no Rio Grande do Sul, nos permitiu reconhecer um potencial por vezes ignorado na IELB. Realmente somos uma igreja que vai ao encontro das necessidades das pessoas. Em todo o país e fora dele multidões se mobilizaram, organizaram e agiram fazendo com que doações de alimentos, roupas, móveis e utilidades domésticas chegassem até as pessoas que experimentaram a dor da perda. Por outro lado, nas regiões inundadas todos se envolveram no que estava ao alcance, para diminuir a dor, minimizar o impacto e participar da reconstrução da vida de famílias, congregações e da sociedade. Voluntários de dentro e de fora da igreja se uniram às ações da IELB, assim como doadores confiaram na gestão do Fundo de Resposta a Desastres. Familiares e amigos de outras regiões se uniram em torno de famílias e reconstruíram casas, patrimônio e vida econômica. Um ano depois, louvamos a Deus por sua misericórdia que pode ser manifestada por cada pessoa onde Deus nos colocou. Gratidão!”, conclui o vice-presidente de Ação Social.

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