Graça sobre Graça – Espiritualidade para Hoje
A espiritualidade cristã é, de forma simples, seguir a Jesus. É a vida comum de fé na qual recebemos o Batismo, vamos ao culto divino, participamos da Santa Ceia, lemos as Escrituras, oramos por nós e pelos outros, resistimos às tentações e trabalhamos com Jesus no local determinado para nós aqui na terra. O desejo pelo cumprimento da espiritualidade, inevitavelmente combinado com a frustração espiritual, é normal entre os cristãos. Lemos e estudamos o suficiente a Bíblia? Prestamos culto o número de vezes necessário e da forma correta? Oramos o suficiente, do modo certo e pelas coisas certas? Como nos tornamos verdadeiramente espirituais? E as respostas de muitos livros de autoajuda espiritual somente levam à confusão e ao medo de perder os passos principais no caminho para nos tornarmos espirituais. Em resposta, John W. Kleinig deixa claro que não há um processo para se tornar espiritual. Em vez disso, Deus graciosamente nos dá cada dom espiritual que necessitamos, começando pelo próprio dom da fé em Cristo, nosso Salvador. Porque Deus nos uniu a Cristo, ele continuamente vem para nos dar vida.
Assim toda nossa vida como filhos de Deus é uma vida de recepção. Tendo sido justificados pela graça de Deus Pai, agora vivemos pela fé em sua graça. Porque cremos nele, agora recebemos dele cada dom espiritual. Recebemos graça sobre graça da plenitude do Cristo encarnado. “Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça.” (João 1.16)
AUTOR: John W. Kleinig
TRADUÇÃO: Rony Ricardo Marquardt
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Leia o prefácio e o tópico “A herança da fé”, da Introdução.
PREFÁCIO
O interesse atual pela espiritualidade se parece com o nosso interesse pela saúde. Nossa obsessão pela saúde nem sempre é saudável pois, na verdade, enfatiza os problemas que temos sem muitas vezes providenciar uma solução para eles. Assim também é o nosso interesse pela espiritualidade! Apesar da multidão de livros sobre espiritualidade que podem ser encontrados em qualquer livraria, parece que os cristãos acham mais difícil do que nunca praticar o que creem. Muitas pessoas querem voar alto espiritualmente, mas parece que nunca descem ao solo em momento algum. Quando o fracasso cresce, assim também cresce a fascinação com aquilo que parece que não pode ser alcançado. A única coisa que aprendemos é que algo está faltando nesta parte de nossa vida. E ficamos sem compreender como encher esse vazio.
Um livro sobre espiritualidade que mostre nossa piedade, isto é, como um cristão vive sua fé, seja sob um microscópio ou na cadeira do analista, pressupõe que o ônus está sobre nós para nos tornarmos mais espirituais e devotados a Cristo. Isso até pode ser interessante, mas não é muito proveitoso.
Se temos problemas em nossa vida de fé, se temos desafios na prática da oração, a solução não é encontrada naquilo que fazemos, em nossa autoestima ou em nossa performance. A solução dos nossos problemas está no que recebemos do próprio Deus, em sua estima por nós e em seus presentes para nós. Assim como nossa vida física e saúde, nossa vida espiritual é algo que nos é dado, algo que é para ser recebido e apreciado e celebrado. Nossa piedade é sempre uma questão de receber graça sobre graça da plenitude de Deus Pai.
Este livro teve um longo período de gestação. O estímulo inicial foi dado mais de cinquenta anos atrás quando eu observava a piedade do meu pai. Todos os domingos à noite, como parte das nossas devoções noturnas, ele queria orar por nossa grande família. Isto levava bastante tempo – venho de uma família com oito filhos e meus pais também vieram de famílias ainda maiores. Apesar de muitas vezes ficar aborrecido pelo tamanho da oração, ainda assim sentia que meu pai estava fazendo algo simples, mas imensamente significativo. Pensava em quanta sorte tínhamos de ter um pai que orava por nós e nos mantinha seguros pelas suas orações. Foi como se Deus usasse aquelas orações para alcançar cada um de nós e manter nossa família em seus braços calorosos. Isso teve um impacto duradouro sobre mim.
Este livro celebra a tradição da piedade que herdei dos meus pais. Mas faz muito mais do que isso. Este livro é o resumo de tudo que aprendi em minha jornada de fé até este momento da minha vida e de tudo que descobri durante vinte anos de ensino espiritual a alunos do seminário. Cada classe me ajudou a moldar meu ensino sobre a natureza receptiva de nossa vida em Cristo. Tenho uma imensa dívida de gratidão aos meus alunos pelo que aprendi deles sobre as riquezas imensuráveis do nosso Senhor Jesus ressuscitado e do enriquecimento que vem pela fé nele.
Bem-aventurado é aquele que teme o Senhor
e tem grande prazer nos seus mandamentos.
A sua descendência será poderosa na terra;
a geração dos justos será abençoada.
Na sua casa há prosperidade e riqueza,
e a sua justiça permanece para sempre.
(Salmo 112.1-3)
INTRODUÇÃO
Espiritualidade Receptiva
“Porque todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça.” (João 1.16)
A Herança da Fé
Uma das minhas memórias mais antigas é a de ir à igreja com minha família. Eu devia ter entre três ou quatro anos de idade, porque lembro de ser muito velho para sentar no colo da minha mãe. Este lugar foi tomado ou pelo meu irmão mais novo, Marcos, ou por minha irmã mais nova, Naomi. Em vez disso, como um prazer especial, eu podia sentar no colo do meu pai durante o culto.
Sentar no colo do meu pai era muito memorável em si, porque isso acontecia raramente em uma família de oito filhos. Mas havia algo ainda mais memorável do que isso: meu pai me fazia imitá-lo fisicamente durante o culto. Quando ele sentava no banco, eu sentava em seus joelhos. Quando ficava de pé, me segurava em seus braços. Quando ajoelhava para a Confissão dos Pecados e o cantar do “Santo! Santo! Santo!”, eu ajoelhava no genuflexório entre seus joelhos. Quando ele cantava, apontava para as palavras no hinário, mesmo que eu ainda não conseguisse ler. Quando orava, ele cruzava minhas pequenas mãos em suas rachadas mãos de fazendeiro. Mais notável ainda, quando ele seguia para receber o corpo e sangue de nosso Senhor Jesus, levava-me com ele. Isso era algo raramente feito em nossa congregação naquela época, exceto para bebês. Crianças não confirmadas normalmente ficavam no banco ou eram levadas para a Escola Dominical durante a distribuição do Sacramento. Lembro o quanto eu ficava impressionado por ser levado ao santuário, onde eu ajoelhava com meu pai diante do altar. Parecia que eu estava sendo levado ao próprio céu.
A lembrança do que meu pai fez por mim naquela manhã reapareceu com poder em minha mente quando estava escrevendo este livro sobre espiritualidade. Em certo sentido, a experiência que tive com meu pai resume o que vou dizer e o que pretendo recomendar. Quero apresentar um relato da minha própria herança espiritual, a espiritualidade que recebi das minhas mães e dos meus pais na fé. Creio que esta herança é simples e ainda assim profunda, sem atrativos, porém rica. Até onde posso compreender, raramente ela tem sido analisada e, lamentavelmente, pode ser perdida se não for passada para outros que têm fome de alimento espiritual.
O que meu pai fez por mim durante o culto é duplamente significativo. Por um lado, incorpora e representa a tradição de piedade que recebemos do passado como um presente para nós. Não inventamos a espiritualidade para nós; não juntamos as coisas para satisfazer nosso desejo de realização pessoal. Seu poder não depende de nós ou da nossa atuação. Em vez disso, recebemos nossa vida espiritual de outros e somos movidos para ela, assim como somos iniciados na vida familiar e no casamento. Assim, aprendi a meditar e a orar ao ser levado à igreja e incluído em nossas devoções familiares. Comecei a participar quando e onde era possível para mim. Nesta tradição de piedade comunitária, o que eu fazia era ofuscado pelo que era feito para mim e dado a mim. As orações feitas em favor de mim e ao redor de mim eram muito mais importantes que a minha obrigação de orar. Com toda certeza, foi Cristo na água e na Palavra do Batismo que criou a fé e a salvação em mim. E foi a fé dos meus pais e do povo fiel de minha congregação que me carregou espiritualmente.
Por outro lado, o que meu pai fez é típico da espiritualidade evangélica ortodoxa que meus pais praticavam. Essa tradição de piedade tem profundas raízes bíblicas e teológicas. Sua principal característica é a recepção de Cristo, o exercício da fé nele e a confiança nele para tudo. Este tipo de espiritualidade receptiva pressupõe que Cristo não apenas traz para nós o Espírito Santo e todos os dons do Pai, mas também nos coloca com Jesus na presença do Pai. O foco na recepção como o fundamento da espiritualidade cristã é luterano, com sua ênfase no Evangelho e no nosso acesso à graça de Deus Pai pela fé em Cristo. Mas é também ortodoxo e católico, pois por esta recepção da vida de Cristo somos introduzidos na vida da Santíssima Trindade. A espiritualidade receptiva firma a vida do crente na família de Deus e na Igreja.