Setembro Amarelo: prevenção ao suicídio

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, em todo o mundo mais de 700 mil pessoas tiram a vida por ano, ou seja, uma pessoa a cada 40 segundos.

Artur Charczuk, pastor e psicanalista
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Eu sei, leitor, o título acima é um tanto delicado, quem sabe amedrontador, mas é preciso falar sobre o assunto. Uma coisa é fato: deixar o assunto suicídio nas entrelinhas é, digamos assim, algo mais cômodo: evitar o assunto, desviar, sim, é bem mais fácil. O ser humano já não gosta de falar sobre morte, imagina comentar algo sobre suicídio, entretanto, aí é que está a questão. O suicídio precisa sair das entrelinhas.

SAINDO DAS ENTRELINHAS: AS PRIMEIRAS PALAVRAS SOBRE A TEMÁTICA

É uma ocorrência que causa em todos os tempos uma profunda preocupação por parte da área da psiquiatria, sociologia, psicologia, psicanálise e assim por diante. A comunidade científica efetuou e continua efetuando inúmeras investigações sobre o assunto. Ela almeja entender e clarear o suicídio numa perspectiva de prevenção. O assunto é visto como um tabu pela sociedade. Apesar das pesquisas informarem o crescente índice de suicídio entre adolescentes, jovens e adultos, as pessoas não querem saber sobre o tema. Suicídio é uma palavra de origem latina: “sui caedere”, “sui” significa si mesmo e “caedes” é ação de matar. É, narremos assim, um ato de desesperança de uma pessoa. A tentativa de suicídio acontece quando um dado indivíduo deseja romper a própria vida. É uma opção diante de uma dor existencial insuportável.

O suicídio é uma ocorrência antiga. Pode-se afirmar que a partir do século 17 que o termo começou a substituir outras palavras usadas para determinar o ato. No século 19, ele passou a ser visto como uma patologia e um fenômeno social que necessitava de estudo e aprofundamento. Ele pode afetar pessoas de qualquer origem: idade, classe social, sexo, cor e assim por diante. É um campo extremamente complexo, pois é multiforme e pode envolver fatores psicológicos, culturais, biológicos, sociológicos e ambientais. O suicídio é considerado uma questão de saúde pública, porque ele não envolve apenas a pessoa que praticou, mas os enlutados que ficam com o sofrimento do ocorrido. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, em todo o mundo mais de 700 mil pessoas tiram a vida por ano, ou seja, uma pessoa a cada 40 segundos. No Brasil, 12,6% em cada 100 mil homens em comparação com 5,4% em cada 100 mil mulheres falecem devido ao suicídio. No ano de 2019, só para você ter uma ideia, leitor, o suicídio foi a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. É a terceira maior causa entre os homens e, entre as mulheres, é a oitava maior culpa.

O suicídio é compreendido como uma descarga diante da angústia. Podemos mapear da seguinte maneira: ocorre um dado sofrimento, o mesmo, devido à sua intensidade, faz emergir o sentimento de angústia. Com isso, a angústia é o gatilho para a ação suicida. A existência se torna insuportável e a morte é vista como a única opção. É importante lembrar uma questão: o sistema capitalista é um forte vetor de cobranças acerca da moda, beleza, estilo de vida, maneira de pensar, etc. Geralmente, ele coloca suas exigências de uma maneira exacerbada, melhor dizendo, inalcançável. Gerando indivíduos adoecidos psicologicamente e com tendências suicidas. Pensemos assim: ocorre uma carga de adoecimento no relacionamento entre o contexto social e o indivíduo. A sociedade é a tecedora de sentido para o ser humano, ela estabelece determinadas convenções que irão reger o homem e sua vida. Quando não existe um relacionamento adequado, quando a estrutura social disponibiliza dispositivos que diminuem o ser humano enquanto um ser social, seu sentido diante da vida se esvai. O que pode gerar o comportamento autolesivo intencional.

Assim sendo, escrever sobre suicídio é levar em conta o momento histórico, tempo e cultura, para que a investigação não seja desatualizada, sem contexto. O suicídio está presente na contemporaneidade e o mesmo precisa ser abordado. Não é um exagero fazer tal afirmação, os dados descritos em linhas anteriores atestam para tal realidade preocupante.

SUICÍDIO É LIDAR COM O TABU DA MORTE

Eu já comentei em linhas precedentes, mas o suicídio é um assunto delicado. Ele implica comentar sobre a coisa mais certa que existe na vida humana, falo sobre a morte. A vida humana é efêmera, passageira, com começo, meio e fim, claro, quando ela acontece dessa forma. No entanto, muitas palavras foram banidas do artificial vocabulário da imortalidade imposto pela sociedade: não morrer, não envelhecer, não adoecer e muitos outros nãos. Portanto, ocorre uma supervalorização da vida, não que isso seja ruim, mas a única certeza da vida é banida pelos conteúdos moralizantes. Devido ao forte conteúdo negativo sobre a morte, o suicídio também é banido. Aí é que está o grande problema já dito neste artigo: a temática não pode ser censurada, a força dela está nas entrelinhas, no silêncio imposto pelos tópicos moralizantes.

O termo suicídio é pobre em seu significado, ele desqualifica e estigmatiza o indivíduo que cometeu o mesmo. Diluindo a busca pela compreensão do porquê do comportamento autodestrutivo efetuado pelo indivíduo. A pessoa é colocada em uma forma de preconceitos, limitada pela pobreza terminológica da palavra. O suicídio é nutrido por uma dor intensa e insuportável, na verdade, amigo leitor, suicídio não é uma questão de querer terminar com a vida, mas é o desejo de terminar com a dor desagradável, eu frisei isso lá no início do artigo, mas é importante reforçar. Logo, o comportamento autolesivo intencional e o senso comum não podem andar de mãos dadas. É comum ouvir, caracterizemos assim, certas afirmações sobre o assunto deste artigo: o fulano não teve coragem diante da vida! A beltrana não tinha o que fazer; tinha que ter colocado o cicrano no trabalho pesado, era muito mimo e frescura e muitas outras e infelizes afirmações poderiam ser pontuadas aqui. Muitos pensamentos sobre o suicídio são estabelecidos a partir de mitos que envolvem o conteúdo. Óbvio, é muito mais fácil tratar assim do assunto, a pessoa não precisa pensar sobre o mesmo.

Também é compreensível não querer falar sobre suicídio, além da carga cultural que é introjetada no indivíduo sobre o tema, todo o ser humano é individual, ele enxerga um dado assunto por meio das experiências acumuladas na vida. Embora o homem seja um conjunto de fatores e que os mesmos são instrumentos para compreender o real, o tema suicídio precisa ser encaixado e desarmado de qualquer visão embaçada sobre o assunto.

SUICÍDIO: SINAIS E INDICATIVOS

Muitas pessoas comentam que a tristeza é um forte indicativo para pretensões suicidas. Até pode ser um sintoma, mas não é o único, por vezes, ele nem é indicativo para tal decisão. Todo ser humano sente tristeza, entretanto, a pessoa com sintomas suicidas possui emoções em proporções maiores. O indivíduo pode apresentar outros sintomas: um pensamento fixo em querer fazer um testamento; o desejo concreto de morrer; alta desesperança e impotência; autocrítica exagerada; uma sensação de baixo pertencimento à família e amigos, constituindo um isolamento social; falta de interesse pelo próprio bem- estar; queda da produtividade no trabalho ou estudo; interesse por situações de risco, encerrar contas bancárias, verbalização da intenção, etc. Não existe uma única explicação para uma pessoa que decide pela morte, mas é importante buscar o porquê de tal decisão, pontuo os mais recorrentes: perda de emprego, problemas no relacionamento, traumas pessoais, baixa autoestima, dificuldade em lidar com problemas, vícios, ocorrências destrutivas, como pandemias e guerras; doenças e dores crônicas, depressão e assim por diante. E como lidar com uma situação assim? Querido irmão: o que eu vou escrever aqui, não é uma fórmula pronta sobre o assunto, isto é, é só seguir e tudo vai dar certo. Como eu mencionei em linhas anteriores: cada ser humano é singular, com vivências específicas. O primeiro passo é escutar o que o outro sente. Escutar é o caminho essencial para a boa comunicação. É o elemento mais importante da atividade comunicativa, isso mesmo, leitor, a escuta é parte do ato da comunicação. Pois o ser humano é único e possui diferentes modos de sentir seus medos, anseios, vontades e outros. Sentir o outro pela escuta demanda desejo, vontade, receptividade e atenção para cada palavra. Para existir, o ser humano precisa se comunicar, seja pela fala, pelas gesticulações, pelo toque, pelos olhos, ou seja, todos os tipos de linguagem. Escutar é permitir o expressar das sensações do outro.. Escutar é dizer nas entrelinhas: eu estou aqui.

Escutar é tocar o outro com o coração. Escutar não é você perceber o outro tendo como centro o seu problema: ah! Estou te ouvindo, mas sei o que você fez! Uma ação assim cria julgamento. Escutar é você colocar o ser humano como centro. É também ouvir os gestos do outro: observar o esfregar das mãos, o olhar que está distante, as palavras balbuciadas, os contínuos suspiros, as pernas que vão e vem, é o sofrimento visto a partir do corpo. E escutar os sentimentos do outro exige responsabilidade e cuidado redobrado, pois cada emoção é única e possui seu grau de influência no psíquico do sujeito. Vale lembrar: tudo o que é dito pelo outro, é do outro. Sendo assim, a escuta possui um importante papel ético perante o outro. A individualidade do que sofre precisa ser preservada, ou seja, é não sair falando aos quatro ventos sobre a dor do outro. A escuta é assistência e não desassistência. Caminhar no solo sagrado da escuta é sempre escutar além, é sempre perceber o que está por detrás do cenário. É entender e se comprometer com o discurso do outro.

Portanto, escutar a pessoa é de suma importância, no entanto, o diálogo também é muito importante. O diálogo precisa ser feito com muito cuidado, com muito amor e respeito. Assim como a escuta precisa acolher, o diálogo também precisa ir pelo mesmo caminho. Um diálogo sem preconceitos ou fórmulas prontas, nada disso, pense bem, leitor: uma pessoa com comportamento suicida está totalmente desesperançada. Uma palavra não bem colocada pode virar um gatilho decisivo. Antes de qualquer coisa, é preciso entrar no limbo existencial da pessoa, tratá-la com respeito e dignidade. É estar com ela em um ambiente agradável, tranquilo. Perguntar, com muito amor, sobre o que ela não consegue resolver? Algumas frases podem ser usadas: eu estou com você; você não está sozinho (a); vamos achar uma solução, etc. Um importante remédio para a dor emocional é o calor humano. É estar com a pessoa, perceber o que ela sente, compreender que o sentimento dela é uma busca pela ressignificação da dor.

SETEMBRO AMARELO

Certamente você já ouviu falar sobre o Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio. A origem do setembro amarelo começou com a história de Mike Emme, nos Estados Unidos. O rapaz era conhecido por sua personalidade amorosa e habilidade mecânica, tendo como sua máxima um “Mustang” 68, restaurado e pintado por ele de cor amarela. No ano de 1994, Mike cometeu suicídio, o jovem tinha apenas 17 anos. Nem a família e amigos perceberam os sinais de que ele tiraria sua própria vida, infelizmente. No decorrer do funeral do jovem Mike, os amigos do rapaz montaram uma cesta de cartões e fitas amarelas, tendo a seguinte mensagem: “Se precisar, peça ajuda”. A ação arrecadou grandes proporções e atingiu todo o país. Muitos jovens passaram a usar os cartões amarelos para pedir ajuda. A fita amarela foi selecionada como símbolo do projeto que incentiva o cuidado e prevenção ao suicídio.

Em 2003, a Organização Mundial da Saúde, OMS, instituiu o dia 10 de setembro como a data de prevenção ao suicídio. A cor amarela do “Mustang” do Mike foi escolhida para representar tal conscientização. Já no Brasil, a campanha foi elaborada no ano de 2015. O projeto é um trabalho feito pelo CVV, Centro de Valorização da Vida; CFM, Conselho Federal de Medicina e ABP, Associação Brasileira de Psiquiatria. O objetivo é o mesmo: dar visibilidade à causa e conscientização acerca do assunto.

ASSUNTO ENCERRADO?

Não, este artigo não encerra o tema. Ele é apenas um incentivo para que o assunto não fique no silêncio ou nas entrelinhas. A igreja precisa falar e continuar falando sobre o tema. É preciso haver preocupação e interesse, pois as estatísticas não esperam. É necessário haver envolvimento, uma forte campanha sobre o assunto. O Setembro Amarelo precisa ser visto como um mês contínuo, isto é, falar sobre prevenção ao suicídio não apenas em setembro, mas em outubro, novembro, dezembro, etc. O ser humano precisa sair da comodidade e compreender que falar é o primeiro e importante caminho para quebrar o tabu da morte, o tabu do suicídio.

“ENTREGA O TEU CAMINHO AO SENHOR, CONFIE NELE E O MAIS ELE FARÁ” (SL 37.5)

Procurar ajuda não é sinal de fraqueza. Um cuidado médico, terapêutico, religioso, ou seja, converse com seu pastor. Cristo é o nosso refúgio, consolo e orientação diante do sofrimento. Ele nos acompanha diariamente e quer nos ajudar. É o amigo para todas as horas, que estende sua mão e oferece ajuda. Lance o seu fardo sobre ele, entregue para ele. Pois temos um Deus que ouve e responde. “Se precisar, peça ajuda.”

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