Pastor Christ – 50 anos de missão

FEVEREIRO DE 1955. O ônibus da Empresa Serrana, que levava dois dias de Porto Alegre (RS) para São Carlos (SC), para na pequena Palmitos. É uma cidade, já tem mais de um ano de emancipação, mas tem apenas duas ruas, cobertas de pó. Desce um jovem magro, de cabelos escuros e paletó preto. É um missionário. Veio encaminhado pela Comissão Missionária da Igreja Evangélica Luterana do Brasil para pregar “o Cristo Crucificado” às famílias corajosas que entravam sertão adentro e Entre Onças e Esperanças (título de livro que narra a colonização de Cunha Porã – Paulo Christ/2008) começavam uma nova vida, nesta nova terra.

Vem solteiro, nada conhece da região, mas sabe que existem cristãos luteranos que precisam da Palavra de Deus. É recebido com comentário pessimista por um estranho, que jogava cartas no restaurante do hotel. Pastor luterano! Daquela igreja que começa um trabalho e depois abandona!

Decidido a provar que este não é o modo de agir da sua igreja, busca chegar até a Vila de Cunha Porã, onde será a sua base de ação para todo o sertão. Encontra na vila apenas 26 membros. Tem nove comunidades ou pontos de pregação para atender, mato adentro, e apenas uma mula (sem arreios) para se locomover. Um animal só não daria conta, pois os roteiros obrigavam a viagens de 40 a 70 quilômetros a serem completados em três dias. Comprou mais um cavalo, pomadas para assaduras e arreios novos.

E começou a pregar, a ensinar, batizar, instruir jovens e adultos, realizar casamentos e sepultar os mortos. Rogava à Comissão Missionária o Jipe prometido. Resolveu casar: com uma moça que havia conhecido quando ainda estudante na paróquia de Sertão de General Vargas (hoje Mata – RS). Tinha casa para morar, que não tinha móveis.

Moça corajosa, pois ia para as fronteiras da civilização, sabendo que ficaria grande parte do tempo sozinha aguardando o pastor retornar dos roteiros que o ausentavam de dois a cinco dias. Mas podia demorar mais se surgissem emergências: um rio que transbordasse, um falecimento num ponto distante da paróquia ou a mula que empacava. E os jagunços da selva? Estes atemorizavam os colonos e as famílias.

Os trabalhos no campo aumentavam: novas comunidades, novos pontos de pregação, abrangendo o que hoje conhecemos como os municípios de Xanxerê, Chapecó, São Carlos, Palmitos, Maravilha, Modelo, Campo Erê.

Antes de finalmente vir o Jipe, prometido pela igreja, vieram os filhos: Mara Núbia – 1957, Paulo Oscar – 1958, Jairo Henrique – 1960, Mario Luiz – 1961, Eunice Lia – 1963 e Susana Celi – 1969.

Em 1961, aconteceu a primeira divisão paroquial o pastor Christ convenceu os membros da grande paróquia da necessidade de uma divisão; Palmitos ficaria com uma sede.

Com as bençãos do Criador, o trabalho continuava aumentando, as congregações cresciam, as famílias aumentavam e as distâncias ficavam maiores. O “socorro” veio na forma de estagiários: Osvaldo Reinholz, em 1966, e Bruno Wolf, em 1967. Em 1968, houve necessidade de uma nova divisão paroquial – Maravilha se tornaria uma nova Paróquia.

De 1950 até 2011, a grande Paróquia pioneira de Cunha Porã gerou sete novas sedes.

Foram 50 anos de ministério regional a partir de Cunha Porã, e, na história da IELB, somente três pastores permaneceram tanto tempo numa mesma paróquia.

Nos anos de 1990 a 1995, o pastor Nestor dividiu o trabalho pastoral em Cunha Porã com o pastor Renato Regauer, e de 1995 a 2005, com o pastor Eri Borstmann.

No ano de 2005, com 50 anos de ministério, encerrou as suas atividades missionárias e pastorais.

O pastor Christ e a esposa Ilka residem hoje em Novo Hamburgo, RS; ele comemorou 94 anos, e a esposa, Ilka, 87 anos. São casados há 65 anos e têm seis filhos, nove netos e quatro bisnetas: Livia-2012, Heloisa-2017, Isis-2019, Liz-2021. (Texto: Paulo Oscar Christ; Imagens: Marco Rocca – genro)

Por que permaneci 50 anos?

Nestor Hugo Christ

Vim para a nova colonização a mando da minha igreja, e esta, a mando do Senhor da igreja, Cristo Jesus, que disse: “Ide, pregai o Evangelho a toda a criatura…”. Fiel ao meu lema de formatura, “Nós pregamos a Cristo Crucificado…” (1Co. 1.23), dispus-me a divulgar o evangelho a todos os que aqui buscavam uma nova vida, um novo começo. Meu primeiro choque foi ouvir, mal chegado a Palmitos, SC, que a Igreja Luterana tinha pastores que começavam um trabalho e depois abandonavam. Eu nunca iria abandonar o campo! Era a minha determinação!

Havia poucas famílias luteranas em Cunha Porã, SC. Mas estava chegando mais gente para as novas colonizações. Precisavam da Palavra de Deus e dos sacramentos. Precisavam de instrução. Comecei a criar pontos de pregação mato adentro: estes viraram comunidades, construíram capelas. Havia uma grande seara para o meu Senhor. Precisávamos organizar as paróquias, chamar mais pastores.

Em cinco anos, dividimos o campo em dois: Ao sul, Palmitos, e ao norte, Cunha Porã. Mandaram-me chamados para ser pastor em paróquias mais estabilizadas, principalmente do RS. Não aceitei: meu trabalho de estruturação da Missão Chapecó (como era chamado o nosso campo missionário na IELB da época, provavelmente por ter sido toda área do antigo Grande Chapecó) ainda não estava encaminhado.

Mais sete anos e novamente dividimos as paróquias: Maravilha, com as novas colonizações ao norte, e Cunha Porã, com as frentes ao oeste, mantendo Janguta para ser a sede de uma outra paróquia, posteriormente instalada em Modelo. E vinham mais chamados, alguns “problemáticos”, outros tentadores, como Linha Brasil ou Santa Rosa, RS. Eu precisava pensar nos filhos, em colégios para estudarem. Mas sempre vinha um apelo das famílias de membros: Pastor, não nos abandone! E eu ia ficando, para não ser o pastor que abandona o campo.

Quando finalmente a expansão territorial chegou ao fim, tínhamos já sete paróquias na área da antiga Cunha Porã: oito pastores trabalhando na seara do Senhor. Eu já poderia ir. Mas daí, com mais de trinta anos de atividade, acho que eu já estava velho: ninguém mais me mandava chamados. Fiquei! Não sou mais pastor, pois ninguém pode ser pastor se não tiver ovelhas para apascentar. Nem reconheço o título de Pastor Emérito que a IELB me concedeu. Emérito só lá no céu, quando Deus quiser me levar. Enquanto isso, não acontece vou ficando por aqui. Só Deus sabe a minha hora. E vou para um lugar muito melhor! Foi isso que ele me prometeu quando confiei nele e fui pregar a Cristo crucificado!

Cidadão Honorífico de Cunha Porã

Além do trabalho missionário, o pastor Christ, como cidadão, buscava contribuir com a sociedade, com iniciativas voltadas para o progresso econômico da região, com ações como: introduzir melhoria genética na suinocultura (grande fonte de renda regional), trazendo reprodutores de raças não existentes na região; pioneiro e empenhado na criação da primeira Cooperativa Agrícola e sócio-fundador; fundador do Hospital Municipal, do Colégio Ceneticista (ensino médio, que não havia) e do Grupo de Escoteiros. Tais atividades foram reconhecidas, em 2005, pela Câmara dos Vereadores, que lhe concedeu o título de Cidadão Honorífico.

NESTOR HUGO CHRIST

Data de Nascimento: 21/10/1928, em Lajeado, RS

Filho de: João Oscar Christ e Irma Armelinda Kunz Christ

Formatura: 13/12/1954, Seminário Concórdia, Porto Alegre, RS

Ordenação: 15/12/1954, em Conventos, Lajeado, RS

Instalação: 03/05/1955, em Cunha Porã, SC

Data Casamento: 12/05/1956, em Congregação Sertão, Mata, RS

Esposa: Ilka Kurrle Christ

Filhos: Mara Núbia (em memória), Paulo Oscar, Jairo Henrique, Mário Luiz (em memória), Eunice Lia, Susana Celi

Locais onde serviu:

Estágio: Arabutã, SC (1951) e Charrúa, RS, (1953)

Cunha Porã, SC – Da Paz, de 1955 a 2005

Emérito desde 11/08/2005

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