A voz dos oprimidos

O confronto de Caim e Abel nos introduz num mundo em desenvolvimento. Os homens já não são iguais, todos não fazem tudo, uns dedicam-se à pecuária, outros escolhem a agricultura. Os olhos se abrem a um mundo que se diversifica. A diversidade de produtos estimula a troca. Diferenças aproximam. Por sermos diferentes podemos prestar serviços uns aos outros. O êxito de uns beneficia todos.

Caim não reconhece o trabalho do irmão, não suporta o progresso do irmão, não tolera a presença do irmão. Sou eu guardador do meu irmão? – pergunta Caim. A resposta é afirmativa. Foi assim desde o princípio. Deus confia ao homem o cuidado do jardim. Que fazer num jardim que é bom? “Bom” (tob) não quer dizer que tudo esteja concluído, “bom” significa que todas as providências foram tomadas para que que a tarefa continue com êxito. A etapa bem concluída favorece continuadores. Sem empenho diário, o desenvolvimento sofre danos. O trabalho do Criador nunca é interrompido, ele nos ampara todos os dias. Em tarefas cuidadosamente executadas descobrimos o sentido do que fazemos.

O trabalho divino continua fora dos limites do jardim nas realizações do homem feito à imagem de Deus. Embora mutilada, a imagem do Criador prospera nas tarefas da criatura encarregada de construir, cuidar e preservar. Num mundo em constante transformação importa descobrir onde e como intervir. De coletores, pescadores, caçadores, agricultores, pecuaristas, industriários, avançamos para a era eletrônica, da informática, da robótica, das viagens espaciais, animais são pastoreados por satélites, máquinas substituem ceifadores.

Indiferentes deixam que coisas aconteçam. Impelidos pelo Criador, obreiros saem para cultivar. Desenvolvemos habilidades, fortalecemos vínculos, firmamos contratos com outros construtores. Saímos para admirar, para amar, para amparar, a interdependência nos faz solidários. Fazemos do mundo estranho um mundo familiar.

Quando o homem se distancia do Criador, aparece a imagem diabólica da dominação, da agressão, da destruição. Propagam-se pobreza, doenças, guerra. A violência apaga presenças, sufoca lembranças. Máquinas agridem a natureza, poluem a terra, a água, o ar. O produto supera a importância de tudo, de todos, competidores vivem e morrem subordinados ao produto. A concorrência lança uns contra os outros, ao concorrente é negado a direito de trabalhar, de prosperar. O próximo é mais do que braços e pernas, mais do que produtor e produto. A mão do assassino contradiz a ação do Criador.

A voz dos oprimidos não se apaga, soa nos ouvidos do opressor, perturba o sono, suscita pesadelos. A voz do Abel assassinado sobe aos ouvidos do Criador. O Criador chama o assassino à responsabilidade para terminar com a violência. O sinal que Caim recebe é de proteção. O Criador preserva a vida apesar de tudo. Descendentes de Caim tornam-se urbanistas, pecuaristas, músicos, metalúrgicos. O Criador adia o juízo para que a vida se propague, está presente em cada ato criador.

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