Outonos da vida

Março traz consigo um tom diferente. De recomeço. Da rotina. Do ano novo que, agora, é para valer na terra do carnaval. Praias quase vazias. Turistas em casa. Salas de aulas cheias. Escritórios e ambientes de trabalho a todo o vapor. Em março, há um tom sobre todos os tons. O da quaresma. É música em tom menor, cadenciada, que nos conduz ao sofrimento do Salvador em direção à cruz.

Neste mês, parte da criação também se reveste de um tom especial. O dourado. Março é tempo de outono. Oficialmente, dia 20. Lentamente, as árvores frondosas, de sombra farta para o verão escaldante, vão tendo suas folhas pintadas. Do verde para o dourado. Algumas, mais amareladas. Outras, avermelhadas. Quase que em uma pintura artesanal. Chegará o momento dessas folhas irem ao chão. Para alguns, sinônimo de trabalho constante com a vassoura. Para outros, uma obra de arte a ser apreciada, como se fossem tapetes dourados pelos jardins e praças.

A vida, por vezes, nos proporciona processos parecidos com o do outono. O que antes poderia ser forte e vigoroso, como as frondosas árvores no verão, pode tornar-se frágil e ir ao chão. Saúde física. Saúde mental. Estabilidade profissional. Paz e sossego. Família. Pessoas. Tudo pode mudar. Seja em um processo lento e contínuo. Seja de forma violenta, sem avisos. E assim podemos nos ver. Secos e frágeis como as árvores de outono, quando suas folhas se vão ao chão.

Quando passamos pelos outonos da vida, precisamos lembrar do tom que nos rege neste período. A Quaresma. Ela aponta para um processo parecido com o próprio outono. O Filho de Deus “abriu mão de tudo o que era seu e tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E, vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte – morte de cruz” (Fp 2.7-8 – NTLH). Na cruz, a intensidade da vida foi engolida pela morte. Não como causa e consequência natural. Afinal, na cruz estava o Justo. Mas este foi o sacrifício feito por Deus para pagar a conta que, para nós, sempre foi e será impagável.

Na cruz, ecoou o grito: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mt 27.46). Quando aquilo que é importante se vai ao chão, somos tentados a pensar que Deus nos esqueceu. Que estamos sozinhos nas dores da vida. Que, justamente quando mais precisamos, o Senhor afastou-se. Nessas dúvidas, precisamos ouvir o grito que ecoou na cruz. Alguém já experimentou o abandono. E não fomos nós. Foi Jesus. Ele foi castigado, abandonado, sacrificado em nosso lugar. Para que tenhamos perdão, salvação e a certeza do que o próprio Jesus, já ressuscitado, nos deu: “lembrem disto: eu estou com vocês todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28.20). Jamais estaremos sozinhos!

O Senhor é conosco. Seja quando estivermos no verão da vida, cheio de intensidade e brilho, seja no outono da vida, quando passamos pelo processo de ver nossas folhas amarelarem e irem ao chão. Através da sua Palavra e da ceia, o Senhor se faz presente quando nos recolhemos, por vezes afundando-nos em nossos próprios pensamentos.
O outono nos lembra que, após o inverno, surgirá a primavera repleta de folhas, cores e perfumes. Uma doce lembrança. Mesmo quando todas as nossas folhas forem ao chão e enfrentarmos a lápide fria, a ressurreição dos mortos será como a mais encantadora primavera, cheia de vida, com a criação em festa.

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