E se Jesus tivesse descido da cruz?

Durante o tempo em que Jesus esteve pendurado na cruz, sofrendo agonia dolorosa, muitos blasfemavam contra ele, falando impropérios para desestabilizá-lo. Uma multidão fazia coro com os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos. Estes zombavam, blasfemavam e diziam: “Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar. É rei de Israel! Que ele desça da cruz, e então creremos nele” (Mt 27.42). Era uma afirmação em tom de deboche, pois muito provavelmente, eles ainda se recusariam a confiar nele.

Mas se Jesus tivesse dado ouvidos e atendido ao pedido deles, e descido da cruz?

Certamente Jesus teria desistido de cumprir a missão que o Pai lhe havia destinado. A profecia do profeta Isaías, a qual diz que “ele foi traspassado por causa das nossas transgressões e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados” (Is 53.5), não teria se cumprido.
Como se cumpririam as Escrituras, as quais afirmam “que o Cristo tinha de sofrer, ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia?” (Lc 24.46). A Bíblia e tudo o que nela está escrito seria uma grande farsa. E os que morreram, inclusive, nossos muito amados entes queridos, e nós, os que os seguiremos, pereceriam eternamente.

O apóstolo Paulo não poderia dizer: “Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, ela é poder de Deus” (1Co 1.18).
A mensagem do Cristo crucificado perderia seu valor, e Paulo não diria, “Porque decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Co 2.2).
O malfeitor arrependido não teria ouvido: – “Em verdade lhe digo que hoje você estará comigo no paraíso” (Lc 23.43).

Entretanto, o pior de tudo é que, se Jesus tivesse descido da cruz, como sugerido por um dos que o contemplavam pregado nela, a nossa salvação não teria acontecido. Estaríamos condenados eternamente. Pois não teríamos um fiador perante o santo e justo Deus. Nossas transgressões e iniquidades nos levariam ao mais profundo inferno. Nosso destino eterno seria terrível!

O diabo, nosso adversário, teria sido o vencedor. Jesus não o teria esmagado sob seus pés. Não teria se cumprido a passagem bíblica, que Deus proferiu ao diabo após este ter tentado Adão e Eva no paraíso, levando-os a pecar contra Deus, causando a maior tragédia da humanidade: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela. Este lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar” (Gn 3.15). Estaríamos sob o governo das trevas, onde só reina escuridão, destruição e morte.

No entanto, ele não desceu da cruz. Aguentou firme e calado até o fim. Ele foi tirado dela, sem vida, para pagar o preço dos nossos pecados, e cumprir tudo o que as Escrituras Sagradas dizem a respeito de sua missão que cumpriria aqui na terra. Assim, a nossa salvação foi garantida, pela graça e amor de Jesus.

O próprio Salvador Jesus faz uma série de predições sobre sua morte nos evangelhos. Logo após a bonita confissão de Pedro, afirmando ser Jesus o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.16), o evangelista Mateus afirma que Jesus, a partir disso, começou a mostrar por diversas vezes “que era necessário que ele fosse a Jerusalém, sofresse muitas coisas nas mãos dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, fosse morto e, no terceiro dia, ressuscitasse” (v.21). Isso estava de acordo com o plano e propósito de Deus.

Jesus estava totalmente ciente do porquê tinha vindo ao mundo. Ele afirma de si mesmo: “… o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45). Ele voluntariamente entregou-se à morte na cruz em favor de toda a humanidade, e, assim, restaurou a paz entre nós e Deus.

A esse respeito, escreve Lutero: “Aqui, o primeiro e principal artigo é o seguinte: Que Jesus Cristo, nosso Deus e Senhor, ‘morreu por causa das nossas transgressões e ressuscitou por causa da nossa justificação’ (Rm 4.25). Só ele é ‘o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo’ (Jo 1.29). E ‘O Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos’ (Is 53.6). Além disso: ‘Todos são pecadores, sendo justificados sem mérito, por sua graça, mediante a redenção de Jesus Cristo em seu sangue, etc.’” (Rm 3.23) (LC, AEsm, 2ª parte, 1º Artigo, p. 334-335, [1-3]).

Nesse Salvador que nos ama tanto, podemos edificar e enraizar nossas vidas, porque ele é o firme e único fundamento seguro para cada um de nós. Porque ele não desceu da cruz, nossa vida aqui no mundo, embora pavimentada sobre o pecado, a maldade, a violência e a morte, temos um Salvador que conhece nossas dores, se compadece de nós e sabe como nos amparar e defender. Ninguém precisa sentir-se só, pois são dele as palavras: “eis que estou com vocês todos os dias até o fim dos tempos” (Mt 28.20).

Assim, podemos cantar: “Eu vejo aquela cruz na qual o meu Jesus por mim foi pendurado, levando o meu pecado. Sua angustiosa morte mudou a minha sorte” (HL 80.1).
Agora temos salvação, e nada poderá nos separar do amor de Deus, que é nosso, por meio de Cristo Jesus. Ele é o nosso bom pastor que nos conduz em segurança neste vale de lágrimas. Sua cruz era nossa, mas ele a enfrentou por nós, e nela carregou nossas culpas e pecados. Lutero, em seu comentário à Epístola aos Gálatas, de 1523, diz o seguinte: “Ora, a cruz de Cristo não significa aquela madeira que Cristo carregou em seus ombros e na qual, depois, foi pregado, mas, num sentido geral, significa todas as aflições de todas as pessoas piedosas, cujos sofrimentos são os sofrimentos de Cristo. 2Co 1[.5]: ‘Os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor’ […] Assim, Cristo, nossa cabeça, faz suas as nossas aflições e sofre como se fossem seus males, quando nós, seu corpo, sofremos’” (OSel 10, p. 548).

Cristo, nosso amado Mestre, trocou de lugar conosco, a fim de remir-nos dos nossos pecados e abrir para nós as portas do céu. Graças a esse ato, a salvação está conquistada e está ao alcance de cada pecador, mediante a fé em Jesus. Não há mais condenação, o céu é a nossa herança eterna.

Por isso, alegremente, “Glórias cantemos ao nosso bom Deus, salva de morte e pecados os seus. Culpa abolida – Aleluia! Cristo dá vida – Aleluia” (HL 119).

Argentino Hélio Ahnert
Pastor
Viamão, RS

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