O conceito de resposta a desastres está em nosso vocabulário há cerca de dez anos, mas em 2023 os desastres ocuparam um espaço grande em nosso tempo e recursos, e geraram muitas perdas.
Nosso foco aqui é falar de desastres naturais. Mesmo sendo desastres, há algumas coisas previsíveis, apresentadas pela própria previsão meteorológica, que não acerta nos detalhes, mas nos dá indicativos. Não somos acostumados a dar muito crédito, mas é preciso dar atenção.
Não podemos evitar o desastre, mas podemos tomar precauções
É preciso observar o que dá para suspender, o que é possível evitar quando há sinais de um eminente desastre natural (chuva, enchentes, granizo, fortes ventos…). Aglomerações humanas oferecem grandes riscos, porque cada um reage de forma diferente, e a reação inadequada facilmente instala o caos. Evite aglomerações durante eventos climáticos.
Precisamos dialogar sobre precauções, sem instalar o pânico; atravessar áreas alagadas, é recomendação da defesa civil que o meio da roda do carro seja o limite de profundidade; No caso de ponte ou pontilhão submerso, não atravesse, pois não há garantias sobre sua resistência diante das águas. Nunca ponha a vida em risco para resgatar um bem material.
Dentro de casa, quando ela é de madeira, é comum ter um banheiro de alvenaria. Ele pode ser o lugar mais seguro durante um temporal. Cantos, encontros de paredes, tem mais sustentação do que a varanda. O andar superior pode ser uma boa proteção quando águas tranquilas estão subindo, mas pode oferecer perigos em temporais e águas turbulentas.
Podemos guardar e renovar de tempos em tempos água para beber, como segurança para alguns dias. Alimentos prontos para comer são importantes em momento de catástrofe.
Nossa resposta não pode ser um desastre
A resposta a desastres feita pela igreja tem algumas peculiaridades a serem observadas. Dentro do contexto do desastre, a igreja continua sendo a referência espiritual, e o pastor continua sendo pastor. Dito dessa forma, pode até parecer estranho ou óbvio. Mas há particularidades a serem observadas.
Na resposta a desastres, existem fases a serem observadas, e as pessoas atingidas passam por essas fases em tempos diferentes. Entretanto, o momento do desastre é o mesmo para a grande maioria. As atitudes de resposta podem ser assim descritas: proteção, reabilitação e mitigação.
Quem é a igreja neste cenário? A igreja é o conjunto de todos os membros dela e seu pastor. E a igreja quer atuar na resposta ao desastre. Aqui há um ponto de atenção que soa estranho para alguns. Se o pastor foi afetado em sua moradia ou de outra forma, é preciso recompor o quanto antes a estabilidade dele. Pois todos vão lidar com as dores e as perdas, mas o pastor vai lidar com as suas e as dos demais membros, e, para isso, ele precisa estar bem. Ele precisa poder descansar para estar dando suporte às dores e aflições dos demais.
Se o templo foi afetado, ele precisa ser restabelecido para que a adoração e o serviço de Deus às pessoas tenham seu lugar na vida das pessoas que vivem aflições, clamam por misericórdia e precisam de Jesus. Os serviços no templo precisam ser restabelecidos para que o povo venha orar, pedir, agradecer, cantar, chorar e participar da ceia.
Agora vem mais um passo: as famílias da igreja precisam ter prioridade. Isso é natural. Se a igreja está chamada para servir a todas as pessoas, são todos os membros da igreja que têm este chamado, por isso os que foram afetados precisam ser estabilizados para que a totalidade dos membros esteja apta para agir em favor de toda a sociedade. Neste ponto, é comum considerar como igreja só os que não foram afetados e tratar todos os demais de forma igual. Não! A igreja são todos os membros, e é preciso um olhar direcionado, afetuoso e de acolhimento aos membros, para que juntos possam fazer um trabalho voltado para a cidade.
As fases podem receber diferentes conceitos. Vamos aqui olhar para a proteção, reabilitação e mitigação.
Proteção: Proteger da fome, da sede, do frio e das doenças: esta é a fase que normalmente gera comoção geral e todos querem doar alimentos, água, roupas, cobertores e remédios. Mas atenção: a comida precisa ser pronta para comer. Não são cestas básicas, pois normalmente não há panelas, fogões e nem energia elétrica. Claro, então entram os voluntários preparando refeições nas cozinhas das igrejas. Esta hora é para garantir o necessário de cada dia. Não se deve encher as pessoas atingidas com suprimentos em grande quantidade, pois elas não têm sua casa para guardar o que vão recebendo. Como elas perderam muito ou tudo, logo vão acolher tudo o que for oferecido, sem ter onde guardar.
Reabilitação: Dar suporte para a retomada da vida. Esta é uma fase que exige um olhar individualizado. Reabilitar não significa devolver o que perdeu, mas dar suporte para continuar olhando para frente com otimismo. Aqui as doações de móveis e utensílios, e também o dinheiro, são importantes, entretanto, ocupam o mesmo grau de importância sentar e ouvir, demonstrar interesse e orar com a pessoa e a família. O foco precisa ser na pessoa, pois ela estando estável, vai à luta. Do contrário, até o que for doado pode se perder.
Nesta fase, o trabalho voluntário tem uma importância muito grande, para lavar as casas, reorganizar a vida, reconstruir casas, transportar móveis, utensílios. Também a orientação financeira, para que não entrem em dívidas, querendo recompor tudo com muita pressa. O apoio profissional psicológico e espiritual são fundamentais. Alguns necessitarão acompanhamento. Sempre há profissionais que desejam atuar.
Mitigação: Há desastres naturais que não podem ser evitados, mas é possível tomar
medidas para reduzir o potencial impacto. É preciso ter foco nos aprendizados. Ao reabilitar a pessoa e família, para que em situação idêntica, haja alguma habilidade para diminuir o impacto da catástrofe: contenção, proteção, saída alternativa e rota de fuga podem ser planejadas. Estudos, reflexões coletivas e trocas de experiências sobre o que deu certo e quais foram os erros que podem ser evitados são importantes formas para fortalecimento do público. Esta reflexão pode ser compartilhada com quem não foi atingido, para fortalecer toda a comunidade para ações futuras, agindo como voluntários e promovendo resiliência pessoal.
Na prática, a mitigação leva a uma preparação para novos desastres, pois eles são cíclicos, e os aprendizados acumulados precisam ser compartilhados para servir em novas situações.
Um olhar para a IELB
Nós precisamos assumir que não fazia parte dos nossos treinamentos preparar-se para desastres. Mas a misericórdia de Deus e o conhecimento individual de pessoas em cada local fortaleceu a atuação conjunta, e logo os templos das congregações estavam cadastrados como equipamentos públicos aptos a receber e distribuir doações. Irmãos e irmãs colocaram seus dons à disposição e com coragem orientaram, organizaram e tiveram paciência com erros estratégicos, reconhecendo que todos queriam dar o seu melhor.
As doações em dinheiro vieram em um montante nunca visto. Mas, ao mesmo tempo, a pressa e as cobranças chegavam antes do tempo. Na fase de proteção, pouco se precisa de dinheiro, pois as doações em meio a comoção são grandes e desordenadas. Ao mesmo tempo logo se instala um caos no comércio e os produtos passam a faltar. Nesta fase as doações enviadas de fora, e a presença de equipes voluntárias para preparar alimentos fizeram toda a diferença.
Já se passam 100 dias!
As congregações da IELB continuam atuantes, ajudando a reabilitar as famílias. Ainda há campanhas de doações em curso. Na coordenação nacional, estamos trabalhando para trazer material didático como Guia de Resposta a Desastres e uma conferência marcada para os dias 20 e 21 de abril de 2024, no Seminário Concórdia, em São Leopoldo, RS.
Falando diretamente da catástrofe no Vale do Taquari, percebe-se que a grande mídia já não fala mais. Da parte das instâncias estadual e federal do governo, nenhuma família recebeu nada para reabilitar sua moradia ou seu comércio. Mas os pastores e congregações estão administrando recursos para suprir situações família por família, e ainda poderão fazê-lo nos próximos meses. Chegamos a um milhão de doações em dinheiro, somando as doações feitas ao caixa nacional da IELB, ao caixa distrital e às congregações que disponibilizaram suas contas bancárias para receber doações. Muito, muito dinheiro! Mas se considerarmos que somente entre nossos membros foram afetadas 511 pessoas, estamos falando de dois mil reais por pessoa. Absolutamente nada para recompor a perda que estas pessoas tiveram.
A reação das pessoas!
Eu visitei dezenas de pessoas e famílias. Não vi nenhuma reclamar de Deus ou da igreja. Algumas até nem esperavam esta ação misericordiosa da igreja. Todas têm histórias para contar como perceberam a misericórdia de Deus em meio ao caos. Perceberam o que poderia ter sido pior se alguns detalhes fossem diferentes.
O testemunho dado por meio de ações e doações, precisa agora ser trabalhado na forma de acolhimento e integração de pessoas à fé cristã. As catástrofes não são castigos, mas são oportunidades para a igreja manifestar o evangelho de Cristo por meio da pregação e das ações, acolhendo de volta os afastados, e integrando aqueles que em meio ao caos perceberam que a igreja tem seu papel espiritual, e por isso age com dedicação nas questões humanas e materiais.
O que fazer? Orar a Deus pelas pessoas que foram afetadas e por tempos melhores em nosso clima! Orar pelas pessoas que estão atuando na linha de frente da reconstrução da vida, em especial, pelas próprias pessoas afetadas; agir com responsabilidade em questões das mudanças climáticas; continuar fazendo doações para esta finalidade; criar fundos e reservas para situações emergenciais como estas; viver com alegria cada dia da vida, sabendo que em todos os dias estamos sob a graça e a misericórdia de Deus.
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