Trauma psíquico nascido das águas: A tragédia no Rio Grande do Sul

Artur Charczuk
pastor e psicanalista
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Escrevo este artigo no mês de maio, tempos bem difíceis para o povo gaúcho no que tange à catástrofe ambiental que assola o Rio Grande do Sul. Peço a Deus que você, que está lendo o Mensageiro Luterano no mês de julho, já encare tal fato como algo ocorrido, ou pelo menos a parte mais crítica da tragédia. Sabe, leitor, Tragédia é uma peça de teatro surgida na Grécia Antiga. Feita por personagens de cunho heróico, cujas narrativas tinham como itinerário desde as categorias da felicidade até os caminhos do aterramento. Ocasionava no público um brotamento de sentimentos: alegria, tristeza, amor, raiva, etc.

De fato, as peças gregas sempre buscavam causar comoção em grande potência em seus espectadores. Por outro lado, acompanhando o Rio Grande do Sul e suas tantas feridas submersas, a sensação que eu tive foi que a arte desceu do palco. Com outra forma, simetria, ou seja, os atributos do real, sem máscaras, sem roteiro ou figuração, apenas com um enredo impiedoso. Um sofrimento aterrador, envolvendo pessoas reais, acarretando cenas de profundas experiências de dores emocionais. Sem dúvida, a existência do Brasil sulino foi bruscamente irrompida pelo drama de uma tragédia climática. Ocorreu uma dolorida fissura entre o indivíduo e o seu cotidiano.

A pessoa que conhece o sofrimento de uma tragédia em algum ponto de sua experiência humana, passa por um cenário psíquico atroz. O trauma ocorre a partir da incidência do evento sobre o sujeito, isto é, o prazer é suprimido, restando apenas uma profunda consternação. A casa que é invadida pela enxurrada, o automóvel que é revirado, a vida de um ente querido que se perde, enfim, a dor se torna a tradutora do sentimento de tristeza. Dói porque havia amor sobre o que foi perdido, em outras palavras, o indivíduo, de um lado, investe no desejo de não querer perder o dado amor; do outro, ele está ciente do amor que foi perdido, a dura realidade da impotência. Consequentemente, a pessoa é deslocada para o elemento inerente à condição humana, a vivência do desamparo. É a dura percepção de um mundo que é instável e que causa experiência de mal-estar.

Em contrapartida, o sentimento de desamparo inaugura a necessidade do outro. O auxílio mútuo é de suma importância em tempos catastróficos, é a gênese do cuidado. A pessoa que passa por tal vivência precisa ser acolhida, melhor dizendo, a dor, antes de qualquer palavra, necessita ser escutada. É escutar com empatia, é colocar o indivíduo como o centro do diálogo, abrigando suas comoções e respectivas intensidades. É importante dizer: tudo o que é dito pelo outro, é do outro. Sendo assim, a escuta possui um importante papel ético de preservação do conteúdo do enlutado. Além do cuidado psicológico, a pessoa precisa se sentir assegurada no quesito oferta de abrigo, mediante uma alimentação adequada, água, vestimenta e outros. São formas que visam auxiliar o atingido a ressignificar seus danos.

A ESPERANÇA QUE VEM DO SENHOR

“Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Salmo 42.5). Eis que o salmista está em meio às dificuldades, com o coração quebrantado, no entanto, ele sabe que o Senhor é um Deus cuidador. Sim, querido irmão na fé, tal esperança também alcança a igreja presente. Em tempos calamitosos, o cuidado misericordioso de Jesus Cristo é o auxílio do seu povo. Jesus, que habita nas lágrimas e aflições daquele vive um flagelo, oferece seu amor sem limites. As tragédias podem separar os homens de seus pertences e pessoas amadas, mas nada pode separá-los do cuidado do Filho de Deus.

REFERÊNCIA

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo da Reforma: antigo e novo testamento. Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.

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