INTERVALOS BÍBLICOS NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Teste à laicidade colaborativa e o papel do luteranismo na defesa da liberdade religiosa

JEAN REGINA
@jeanregina

THIAGO VIEIRA
@tr_vieira

Recentemente, uma polêmica tem sido criada por atuação de sindicatos e do Ministério Público em vários pontos do país. Trata-se de questionamentos (e, sejamos honestos, hostilidades) quanto à prática dos chamados “intervalos bíblicos” em escolas públicas brasileiras. Essa situação tem gerado debates acalorados sobre a laicidade do Estado e a liberdade religiosa. Esses momentos de louvor e reflexão, organizados espontaneamente por alunos durante os intervalos escolares, suscitam questionamentos sobre a linha tênue entre a expressão de fé em ambientes públicos.

A Constituição Federal de 1988 estabelece o Brasil como um Estado laico, garantindo a liberdade de consciência e de crença. Isso implica que o Estado não deve favorecer ou discriminar nenhuma religião, assegurando um ambiente seguro e benevolente, onde diversas manifestações de fé possam coexistir – e ter liberdade, inclusive, de discordar profundamente uma da outra (a essência da pregação e do proselitismo).

Mais além, a laicidade brasileira de modelo colaborativo e o constituinte de 1988 escolheram ter um  relacionamento de parceria entre o Estado e a igreja (em sentido amplo) na promoção do bem comum, desde que respeitados os limites constitucionais.

A controvérsia em torno dos intervalos bíblicos reflete um desafio a essa laicidade colaborativa. Enquanto alguns veem nesses momentos uma expressão legítima da liberdade religiosa dos estudantes, outros os interpretam como uma ameaça ao espaço público educacional, incentivando uma visão de laicismo que enxerga a religião com olhos desconfiados. Essa polarização tende a arrastar a religião para o centro de disputas políticas, desviando o foco do diálogo construtivo sobre o papel da fé na sociedade.

O luteranismo confessional, com sua rica tradição de defesa da liberdade de consciência, tem muito a contribuir nesse debate. Martinho Lutero, ao desafiar as imposições religiosas de sua época, lançou as bases para a valorização da consciência individual e da distinção entre igreja e Estado, sob o fundamento de que Deus governa ambos através de meios próprios de cada um dos “reinos”. Essa distinção não busca antagonismo, mas um relacionamento respeitoso e cooperativo na busca pelo bem comum.

A liberdade religiosa é frequentemente vista como um termômetro da democracia. Onde há respeito pelas diversas manifestações de fé, há também um ambiente propício ao pluralismo e à participação cidadã. Por outro lado, a restrição à liberdade religiosa pode ser um indicativo de tendências autoritárias, onde o Estado busca controlar ou suprimir expressões individuais e coletivas de crença.

Nesse contexto, nossa tradição luterana enfatiza a responsabilidade de cada indivíduo e comunidade em defender e promover a liberdade religiosa. Não se trata apenas de assegurar o direito de professar uma fé, mas de garantir que todas as vozes, religiosas ou não, tenham espaço em uma sociedade democrática. Essa defesa é essencial para impedir avanços autoritários e preservar a diversidade que enriquece a nação.

É imperativo que líderes religiosos, educadores e gestores públicos trabalhem juntos para manter o legado da liberdade religiosa. Isso envolve não apenas a proteção legal desses direitos, mas também a promoção de uma cultura de respeito e diálogo. Somente assim poderemos assegurar que as futuras gerações herdem uma sociedade onde a fé e a razão coexistam harmoniosamente, fortalecendo os pilares da democracia e impedindo o avanço de qualquer forma de autoritarismo.

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