Férias: necessidade ou desperdício?

Iniciamos a matéria revisando a evolução do interesse por atividades laborais pela criança e pelo adulto, bem como o ajustamento necessário para o exercício de uma profissão. Também analisamos o papel do trabalho e do descanso antes e depois da queda em pecado. Mais adiante, trazemos uma síntese dos preceitos legais em relação às férias escolares e trabalhistas.

Apresentamos, ainda, os resultados de estudos sobre a importância e a necessidade de um período de folga para o resgate e a manutenção da saúde física e mental, bem como algumas sugestões de ocupações recomendadas para garantir o repouso.

Cabe, por fim, um debate envolvendo a questão da prática religiosa durante as férias.

Desenvolvendo o interesse pelo trabalho

Desde a infância vamos incorporando à nossa concepção de vida o interesse pelo trabalho. Ainda pequenos já fazemos projeções sobre áreas de trabalho nas quais nos vemos atuando. É comum ouvir de crianças: quando for grande vou ser bombeiro/a, enfermeiro/a, professor/a… Muitas vezes, também as vemos imitando adultos e suas profissões, ou brincando de médico/a, de professor/a…

No período infantil, as manifestações de preferências profissionais têm caráter temporário ou provisório. O que uma criança quer ser quando crescer pode ser uma coisa hoje, e já pode ser outra amanhã. A psicologia identifica na fase da adolescência a definição dos interesses profissionais genuínos. Contudo, o conjunto de vivências infantis representam experiências que lhe possibilitam estabelecer áreas de interesse com maior atração. Os interesses vocacionais precisam estar afinados com as aptidões.

A tarefa da orientação profissional consiste em ajudar a pessoa a encontrar um tipo de trabalho com o qual se identifique e, ao mesmo tempo, lhe garanta a subsistência. Costumo explicitar esse objetivo dizendo que o ideal é que o indivíduo trabalhe naquilo que gosta de fazer, e que seja pago (ou melhor dizendo, bem pago) para fazer isso.

O que diz a Bíblia sobre trabalho e descanso?

O trabalho esteve presente na humanidade desde a criação, e isso antes da queda em pecado. Deus colocou o homem no jardim do Éden para o cultivar e o guardar (Gn 2.15). Mas o pecado trouxe a fadiga, os espinhos, a erva daninha e o suor (Gn 3.17-19) e, consequentemente, a necessidade de repouso.

O descanso, igualmente, antecede à queda em pecado. Depois da criação (no sexto dia), Adão descansou no sétimo dia (junto com o Criador). O primeiro dia da existência humana foi de descanso. Certamente, o projeto de Deus para o homem era de um equilíbrio entre trabalho e descanso, sem as consequências do pecado: fadiga, suor, espinhos e ervas daninhas.

Portanto, a instituição de um dia de descanso pelo próprio Criador tinha como propósito compartilhar a obra da criação, visto que Deus… nem se cansa, nem se fatiga (Is 40.28). E, certamente, o homem também não estava cansado no seu primeiro dia como criatura moldada à imagem de Deus.

Foi somente após a queda em pecado que Adão e Eva começaram a sentir o peso do cansaço e a necessidade de um repouso para restabelecer o ânimo e dar seguimento ao trabalho.

O direito às férias

As instituições de ensino, no Brasil, têm a obrigação de oferecer pelo menos duzentos dias letivos de experiências de ensino e de aprendizagem. Os demais 160 dias podem ser usufruídos como feriados, finais de semana, períodos de recesso escolar e férias.

O trabalhador, de um modo geral, tem a garantia constitucional de trinta dias de férias se não tiver faltas sem justificativa. Ao empregador cabe o dever de conceder esse período de descanso depois que o empregado completou doze meses de contrato de trabalho, sem qualquer prejuízo à remuneração.

Pelo que consta, o Brasil foi o segundo país a conceder dias consecutivos de férias anuais aos trabalhadores formais. Nenhum deles pode abdicar totalmente das férias, devendo cumprir pelo menos dez dias de repouso, de acordo com a lei.

Com a Reforma Trabalhista, sancionada em 2017 pelo presidente Temer, as férias podem ser divididas em até três períodos, desde que pelo menos um destes não seja inferior a catorze dias corridos e tenha a concordância do trabalhador.

Por que tirar férias?

Quem tem filhos em idade escolar procura programar suas férias coincidindo com o recesso escolar. Isso favorece a convivência familiar e, ao mesmo tempo, permite cuidados aos filhos enquanto não estão na escola.

Deixar de desfrutar férias por um período significativo pode trazer prejuízos à saúde física e mental. As pesquisas relacionando saúde com ausência desse direito mostram que pessoas que não gozam de férias regulares:

1. têm aumentada a incidência de problemas cardíacos e muitos outros problemas de saúde;

2. diminuem a expectativa de vida;

3. estão mais sujeitas ao estresse (que acontece em 70% dos trabalhadores), e que pode manifestar-se na forma de irritabilidade, ansiedade, insônia e, muitas vezes, depressão.

Os problemas acima referidos também são comuns nos casos em que a jornada de trabalho ultrapassa regularmente a média diária de sete ou oito horas de trabalho.

Razões para tirar férias: fisiológicas (o corpo e mente necessitam); econômicas (empregado produz mais após descanso); psicológicas (relaxam e propiciam equilíbrio mental); culturais (propiciam maior abertura cultural); políticas (favorecem o equilíbrio nas relações entre patrão e trabalhador) e sociais (o descanso beneficia o convívio familiar).

Logo, poder usufruir de férias regulares possibilita alcançar melhor saúde física e mental, tendo reflexos inclusive na redução de uso de medicamentos, de acordo com pesquisa de uma universidade sueca. Igualmente ficou demonstrado que as férias diminuem o estresse, regulam o sono, reativam a motivação para o trabalho e promovem melhor desempenho cognitivo e maior criatividade. Tiramos férias para renovar a disposição e a energia. Esses benefícios, sem dúvidas, trarão reflexos positivos na produtividade do trabalhador e do estudante.

O que fazer nas férias?

Certamente, gozar de merecidas férias do trabalho ou dos estudos não quer dizer que vamos abandonar todos os tipos de atividades. Descansar significa dar uma pausa às demandas escolares ou laborais, e entregar-se a experiências relaxantes que possibilitam o restabelecimento da energia e do ânimo.

O trabalho, mesmo constituindo uma tarefa que eu gosto de realizar, envolve obrigações, rotinas, horários, responsabilidades/compromissos. E, por isso, produz cansaço, redução de energia e, muitas vezes, estresse.

Lazer sempre pressupõe envolver-se em alguma ocupação prazerosa. Não fazer nada, por ser entediante, acaba “cansando” tanto ou mais do que trabalhar.

As experiências que favorecem a recomposição do estado anímico para trabalhar/estudar precisam relaxar, sair da rotina, ser prazerosas e descomprometidas de horários e obrigações. Viajar, mudar de ambiente, dormir à vontade e compartilhar bons momentos com a família ou amigos representam excelentes opções de descanso. Alguns preferem jogos ou leituras, outros escolhem pescar ou passear. Todos ganham realizando atividades que produzem satisfação.

Descansar de Deus?

E como fica a minha vivência espiritual nesse período de férias? Devo também dar uma pausa na minha prática religiosa?

Se entendemos que o lazer tem a função de reparar energias e meu estado de ânimo, então não se justifica me afastar de Deus nas férias. O Salmo 23 afirma que Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso

Tempo de férias é tempo de usufruir da maravilhosa obra da criação que Deus colocou à disposição do homem. Também é tempo de contemplar a obra redentora realizada por Cristo para que possamos desfrutar do descanso eterno.

Resumindo

1. O interesse pelo trabalho começa a desenvolver-se a partir da infância, consolida-se na adolescência e vai sendo reajustado na fase adulta.

2. O trabalho não foi estabelecido como castigo à queda em pecado, mas este trouxe o cansaço e o suor.

3. O descanso integra o plano divino de contemplar e usufruir da obra da criação. A necessidade de repor energia e ânimo em consequência da fadiga resultante do trabalho árduo foi consequência da desobediência humana.

4. As férias constituem hoje direito de todo empregado com contrato de trabalho, e representam uma necessidade real para devolver às pessoas condições plenas para retorno às atividades laborais.

5. O repouso auxilia na manutenção da saúde física e mental, ajusta o sono, reduz o estresse, recupera o ânimo e a vitalidade, e restitui a produtividade.

6. Todos os benefícios das férias elencados no item acima serão potencializados se o lazer tiver a companhia e a bênção de Deus.

7. A sensação de bem-estar propiciada pelas férias representa, para o cristão, uma antevisão do descanso eterno a ser desfrutado no céu.

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