A oração é um ato de comunicação, porque a pessoa que ora se dirige a Deus com uma mensagem. Assim, é possível falar sobre a oração usando o conhecido modelo de comunicação: “emissor” – “mensagem” – “receptor”.
O emissor e a sua postura
Quem é o emissor, ou seja, quem ora? Poderíamos dizer: “Eu oro”. “Nós oramos na igreja”. Uma resposta mais teológica é esta: “Só pode orar quem tem uma consciência tranquila diante de Deus, por meio da fé em Jesus”. Lutero trata disso no Catecismo Maior, ao explicar a Quinta Petição do Pai-Nosso (“E perdoa-nos as nossas dívidas…”). Lutero escreve: “O sentido desta petição é o seguinte: que Deus não olhe para os nossos pecados […] dando-nos, assim, uma consciência alegre e intrépida, para que possamos estar diante dele e orar. Pois quando o coração não está na correta relação com Deus, não podendo tomar essa confiança, jamais poderá dirigir-se a Deus em oração”. Posto de forma bem simples, “só pode orar de verdade quem é filho de Deus por meio da fé”.
Outra maneira de expressar isso é dizer que toda oração terá de ser “em nome de Jesus” (Jo 14.13-14; 15.16; 16.24). Normalmente, esse “em nome de Jesus” é apenas uma frase que se diz antes do “amém”. No entanto, pedir “em nome de Jesus” é orar como Jesus ora, é orar porque estamos “em Cristo”, é orar como corpo de Cristo. Orar “em nome de Jesus” é ter o Espírito nos ajudando em nossa fraqueza (Rm 8.27).
O que nos leva a orar? Lutero citou o mandamento de Deus, a promessa de Deus (Sl 50.15, Mt 7.7) e a nossa necessidade. Quanto ao mandamento, logo pensamos em “Orem sem cessar” (1Ts 5.17), mas Lutero tinha em vista o Segundo Mandamento. Ou seja, naquele “Você não deve tomar o nome de seu Deus em vão” está embutido um mandamento positivo, que é fazer bom uso do nome de Deus, na oração.
Ao orar, é preciso sempre falar? E a oração precisa ser em voz alta? No Salmo 39.12, “grito de socorro” aparece como sinônimo de “oração”, mas isso não significa que o salmista estava gritando. Quando ouvimos pessoas falando alto, na oração, logo nos ocorre que “Deus não é surdo”. Ana, a mãe de Samuel, apenas movia os lábios, porque só “falava em seu coração” (1Sm 1.12-13). No silêncio, Ana derramou a alma diante de Deus. Portanto, com o coração também se ora.
Linguagem não verbal faz parte da oração. Por isso, cabe perguntar se existe uma “postura bíblica” para a oração? Existem exemplos, mas nenhuma ordem no sentido de que tenha de ser de desse ou daquele jeito. Nos tempos bíblicos, era comum orar de pé (Lc 18.11,13), de mãos erguidas (1Tm 2.8), mas também se orava de joelhos (At 21.5; Ef 3.14). Lutero, nos Catecismos, fala sobre fazer o sinal da cruz (algo que horroriza muitos luteranos!), ajoelhar-se e juntar as mãos. Esse “juntar as mãos” é algo que não chega a ser mencionado na Bíblia. No entanto, muitos entendem que, se a pessoa não juntar as mãos, não estará orando! Orar de pé é assumir uma postura de respeito, mas não é obrigatório. Não é hábito dos cristãos lançar-se ao chão, na hora de orar. Resumo: não existe uma postura obrigatória.
Ao orarmos, nos dirigimos a Deus na forma de um “tu”, que revela respeito e distanciamento. Em nosso contexto, um “você” dirigido a Deus seria demasiadamente informal. No entanto, oramos com ousadia, sem temor. A oração de Abraão em Gênesis 18, que é respeitosa e “atrevida” ao mesmo tempo, é um bom modelo.
O receptor, que é um só
A quem se ora? Nossa oração se dirige ao Deus vivo, aquele que é o único Deus (2Rs 19.15-19). Esse Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Oramos ao Pai. Podemos orar a Jesus. E podemos nos dirigir ao Espírito Santo, embora isso seja mais raro, especialmente na Bíblia. Ocorre com mais frequência em hinos, como “Vem, Espírito Divino” (Hinário Luterano, 140). O que passar disso é idolatria ou superstição. Na mesma categoria entra a invocação dos santos, ou seja, de cristãos que já faleceram. Mesmo que seja descrita e defendida por alguns como “pedido a que intercedam, e não como intercessão propriamente”, não há nenhuma autorização bíblica para acionar esses supostos “intermediários” entre nós e Deus.
A mensagem da oração: diferentes tipos e formas
O que dizer, na oração? Muitos têm receio de orar, especialmente em público, por “não terem o que dizer”. Na verdade, orar é “devolver a Deus as palavras que ele nos deu”. Por isso, falamos a respeito de “Palavra e oração”. Ora com mais facilidade quem conhece a Palavra de Deus. Sempre é mais fácil orar a partir de uma passagem da Bíblia, ou seja, depois que se leu ou ouviu um trecho bíblico.
Se nos guiarmos pela Bíblia, veremos que não existe apenas um tipo de oração. Existe oração num sentido mais amplo, às vezes chamada de “petição”. Existe também o que se chama de “ação de graças”, a oração na qual se louva e agradece a Deus. E existe a “intercessão”, que é orar pelos outros. (Para um exame mais detalhado disso, ver Rm 15.30; Ef 6.18; Fp 4.6; 2Ts 3.1-2; 1Tm 2.1-2; 1Pe 5.7; Ap 4.8-11.)
Um tipo de oração bastante comum na Bíblia é o lamento. De cada três salmos, um é salmo de lamentação. Mas essa linguagem do lamento pouco aparece na vida da igreja. O ano litúrgico prevê leituras para um culto num “Dia de Calamidade” (Sl 130; Jó 30.16-24; Rm 8.31-39; Lc 13.1-9), mas confesso que nunca participei de um culto desses. Parece que a tristeza e o lamento não cabem na igreja. Há, sim, espaço para o lamento, se levarmos os salmos a sério. Um detalhe: Muitos conhecem a “Oração de Habacuque” (Hc 3.17-19), que impressiona pela confissão nestes termos: “Ainda que a figueira não floresça […] mesmo assim eu me alegro no SENHOR”. Poucos se dão conta de que o livro de Habacuque começa com duas queixas ou lamentações (Hc 1.1-4 e Hc 1.12-2.1).
A oração precisa ser longa? Não, mesmo que a “oração geral”, no culto, seja um pouco mais longa, por ser abrangente. Jesus ensinou uma oração curta, o Pai-Nosso, depois de advertir contra as “vãs repetições” (Mt 6.7). Aliás, o Pai-Nosso não deveria ser encurtado mais ainda, ao ser orado “a 200 por hora”. Quanto a orações breves, Lutero (na explicação do Segundo Mandamento, no Catecismo Maior) cita como exemplos de bom uso do nome de Deus as seguintes breves orações de crianças (acompanhadas, de novo, pelo sinal da cruz): “Que Deus nos proteja!”; “Querido Jesus, me ajude!”; “Graças a Deus!”; “Deus seja louvado!”; “Isto é bênção de Deus!”.
A oração tem um tempo e um lugar. Somos estimulados a orar sempre (1Ts 5.17; Lc 18.1; Rm 12.12; Ef 6.18; Cl 4.2). No entanto, aquilo que pode ser feito a qualquer hora acaba não sendo feito em momento algum. Assim, é bom ter momentos fixos de oração. Lutero recomendou que se orasse de manhã e de noite, e também antes e depois das refeições. Nada melhor do que orar na igreja, como igreja. Na inauguração do primeiro templo luterano, em 1544, na cidade de Torgau, Lutero disse: “É verdade que a gente pode e deve orar sempre, em qualquer lugar e a qualquer hora. Mas a oração mais forte e poderosa é aquela que é feita por toda a igreja, em conjunto, com harmonia”.
Existem interferências e inimigos da oração, que correspondem ao que se chama de “ruído” no conhecido esquema de comunicação citado no início. Lutero, no escrito “Como se deve orar, para o mestre Pedro Barbeiro” (Obras Selecionadas, vol. 5, p. 134-148), afirma que “a nossa natureza humana corrompida e o diabo estão o tempo todo dificultando e impedindo a oração”. Com seu humor característico, Lutero cita o exemplo de um padre distraído, que orou assim (com base no início do Salmo 70): “Ó Deus, vem me livrar… Peão, você já atrelou o cavalo? Senhor, apressa-te em me socorrer… Empregada, vá tirar leite da vaca! Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo… Chispa daqui, menino, e que a peste te carregue…”. Outros “ruídos” são motivação errada (Tg 4.2-3), falta de amor (1Pe 3.7), falta de fé (Tg 1.5-7) e falta de vontade de perdoar (Mc 11.25).
Ore e trabalhe! Provavelmente uma coisa de cada vez. Também poderia ser invertido: “Trabalhe e ore!”. Oração dá trabalho, mas será que o trabalho pode ser visto como oração? Lutero (em Como se deve orar) cita Jerônimo, que teria dito que “Todo trabalho do crente é uma oração”. Agora, como coordenar trabalho e oração? Se alguém perguntasse: “A gente pode trabalhar enquanto ora?”, a resposta seria “não”. Mas, se a pergunta fosse: “Posso orar enquanto trabalho?”, com certeza diríamos que “sim”. Pensando em Lutero e sua esposa Catarina (que nunca foram retratados em postura de oração, pelo menos não no século 16), a gente poderia dizer que Lutero orava e trabalhava, trabalhava e orava. Quanto a Catarina, mesmo tendo sido freira, ela nos é apresentada como uma mulher que, provavelmente, orava enquanto trabalhava. A estátua de Catarina, em Wittenberg, mostrando a esposa de Lutero em movimento, sugere isso.
Será que alguém poderia dizer que já orou o suficiente ou que tem “orado demais”? Ficamos inquietos quando ouvimos aquele “orem sem cessar” (1Ts 5.17). Consola-nos o fato de Paulo ter confessado que “não sabemos orar como convém” (Rm 8.26), mas também sabemos que os discípulos pediram a Jesus que lhes ensinasse a orar (Lc 11.1).
Como, então, se aprende a orar? Orando. Seguir um livro de orações ajuda a interiorizar modelos de oração. Também se aprende, ouvindo os outros, quando oram em público. Lutero é um bom mestre. Ele recomenda que se tome o Pai-Nosso como modelo. Na verdade, ele sugere que se tome o Catecismo como um todo, na sequência de Mandamentos – Credo – Pai-Nosso, como roteiro de oração. Ao se tomar cada parte (um dos pedidos do Pai-Nosso, por exemplo), é possível fazer quatro coisas, segundo Lutero: refletir sobre o ensino, responder com ação de graças, verbalizar uma confissão de pecados diante de Deus e, por fim, fazer um pedido. Nesse processo, diz Lutero (falando de sua experiência), “muitas vezes […] chego a delongar-me em pensamentos tão ricos, que deixo de lado todas as outras seis (partes do Pai-Nosso). E quando vêm tais pensamentos ricos e bons, deve-se […] ouvi-los em silêncio […] pois ali está pregando o próprio Espírito Santo. E uma palavra de sua pregação é melhor do que mil orações nossas”.