“O SENHOR dos Exércitos dará neste monte a todos os povos um banquete de coisas gordurosas, uma festa com vinhos velhos, pratos gordurosos com tutanos e vinhos velhos bem-clarificados. Destruirá neste monte a coberta que envolve todos os povos e o véu que está posto sobre todas as nações. Tragará a morte para sempre, e, assim, enxugará o SENHOR Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará de toda a terra o opróbrio do seu povo, porque o SENHOR falou” (Is 25.6-8).
Cristo ressuscitou! De fato, ele ressuscitou!
Não há na história humana um evento que se possa comparar ao que celebramos na Páscoa. É a festa máxima da igreja cristã na terra. Celebramos nesse dia a ressurreição de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ele ressuscitou dos mortos, vive e reina para todo o sempre! E, no entanto, Deus planejou um evento ainda mais intenso, extensivo e abrangente do que a ressurreição de Cristo. Isaías nos ensina sobre aquele dia.
Isaías foi pastor de Israel por 64 anos. Ele viveu setecentos anos antes de Cristo nascer. As dificuldades de Israel, naquele tempo, fazem a presente pandemia parecer uma mera inconveniência! Aqueles dias foram extremamente difíceis. Havia injustiça social, abandono da fé, ameaças constantes de países e exércitos vizinhos. Mas, nesta profecia, o profeta de Israel olha além da encarnação de Deus, além da crucificação e morte de Jesus, além de sua ressurreição e ascensão. Ele olha para além do presente. Ele fala do dia derradeiro, em que a morte será tragada de uma vez por todas.
Isaías começa sua profecia descrevendo uma festa, um banquete de celebração de uma vitória indescritível. Não apenas de uma vitória qualquer, mas uma celebração do maior triunfo de todos os tempos: A VITÓRIA DA VIDA SOBRE A MORTE! Isaías fala do dia derradeiro, em que o Senhor dos Exércitos destruirá a coberta que envolve todos os povos, o véu que está posto sobre todas as nações.
Isaías até fornece o cardápio do banquete: vinhos velhos e carnes gordurosas com tutanos e vinhos velhos bem-clarificados. Talvez nutricionistas e pessoas que amam dietas não aprovariam esse tipo de comida, mas após a derrota definitiva da morte, não haverá mais culpa, não haverá mais doenças, não haverá mais preocupações de saúde, pois então “as primeiras coisas” terão passado, como diz João em Apocalipse 21.
Através da pena de João, Cristo descreve a nova realidade. “Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda a lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras.”
Há, portanto, um futuro à nossa espera. Vivemos “as primeiras coisas”, mas elas passarão e darão lugar a uma nova realidade. Este futuro é eterno e será vivido no esplendor do paraíso. Este futuro foi planejado por Deus e será administrado pelo Senhor Jesus Cristo, que tem todas as coisas sob seu comando. Esse futuro nos é dado por graça, mediante a fé.
O Senhor, nosso Deus, com frequência faz uso das palavras (também de lugares) como montes e montanhas, para se comunicar com o seu povo. Há, no texto bíblico, mais ou menos quinhentas referências a montes, colinas e montanhas. O estilo literário de paralelismo forjou pares de vocábulos como “montes e montanhas” ou “montanhas e colinas”, sem uma distinção entre eles.
A imagem de montes e montanhas não tem um sentido absoluto, por exemplo, como o bem ou mal, lugar de adoração a Deus ou de culto pagão. Cada referência a um lugar de terreno elevado é definida pelo próprio contexto. Assim, há montanhas que denotam segurança e refúgio; outras vezes, denotam um lugar ameaçador, de chacina militar. Às vezes, montanhas são o lugar onde o povo de Deus habita, onde ele comanda a adoração, e, outras vezes, são denunciadas como lugares de culto a ídolos.
Mas Deus usa montes e montanhas de forma especial. Muitos dos momentos mais significantes da sua história com seu povo são pontuados por montanhas. Ezequiel coloca o jardim do Éden numa montanha (Ez 28.13-15). Abraão acha a providência divina num monte (Gn 22.1-14). Deus aparece a Moisés no “monte de Deus, Horebe”, no fogo da sarça ardente. Nesse mesmo monte, Deus encontra o profeta Elias, depois que este eliminara quatrocentos e cinquenta dos profetas de Baal, no monte Carmelo. Mas de todos os montes citados na Bíblia, um dos mais marcantes é o monte Sinai. Pois é lá que Moisés é convidado a encontrar-se com Deus e receber de suas mãos os Dez Mandamentos.
Mas para não corrermos o risco de tornarmos a Palavra de Deus como algo puramente acadêmico, deleitando-nos apenas no conhecimento, precisamos olhar para os três montes de extrema importância para cada um de nós, cristãos: o monte Sinai, o monte Calvário e o monte Sião.
O MONTE SINAI,
nos dá os Dez Mandamentos, a lei de Deus. Este monte Sinai nos revela o nosso problema, que é o pecado. A lei me acusa de ser desobediente a Deus, de ignorar sua vontade. Ela coloca em mim a culpa pela morte do Filho de Deus. Então, a lei de Deus me mostra o meu pecado e me condena. A lei me convence da minha pecaminosidade. Sou desqualificado a me apresentar perante o Senhor Deus que é Santo. “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Quer dizer, a não ser que eu seja completamente reformado, regenerado e renascido, eu não posso comparecer à presença do Senhor Deus, que é santo.
Eu não sou santo porque sou herdeiro, não apenas dos genes físicos, mas também dos “genes espirituais” de Adão e Eva. Eles caíram em tentação – eu caio em tentação. Eles ignoraram a vontade de Deus – eu ignoro a vontade de Deus. Eles foram pecadores – eu sou pecador.
O MONTE CALVÁRIO,
nos mostra a solução do problema do pecado, pois ali Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, é sacrificado por nós, pecadores. Isaías exclama: “Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.4-5).
Nós somos redimidos, salvos por Deus através do sofrimento e morte de seu Filho unigênito na cruz do Calvário. Tudo isso nos é dado por graça, mediante a fé. Em outras palavras, não tenho uma parte ativa na minha própria salvação. Eu sou a parte absolutamente passiva na minha redenção.
Na epístola para o Domingo de Páscoa, o apóstolo Paulo nos fala de irmão para irmão: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como a preguei, a menos que tenhais crido em vão. Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co 15.1-3).
Como é bom saber que os autores da Bíblia se completam e se repetem! O que um autor inspirado pelo Espírito Santo escreveu, o outro reafirma. Paulo viveu no primeiro século da era cristã e Isaías viveu sete séculos antes de Cristo. Os dois concordam em tudo. Isso também é um dom precioso de Deus.
Nós também recebemos o evangelho através de pastores fiéis que nos pregaram e ensinaram a Palavra de Deus. Nós cremos no evangelho pela fé. E mesmo esta fé, que nos capacita a receber os dons de Cristo, como o perdão dos pecados e a salvação, não procede de mim: ela me é dada pelo Espírito Santo, como Lutero ensina na explicação do Terceiro Artigo do Credo Apostólico: “Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé. Assim também chama, congrega, ilumina e santifica toda cristandade na terra, e em Jesus Cristo a conserva na verdadeira e única fé. Nesta cristandade perdoa a mim e a todos os crentes diária e abundantemente todos os pecados, e no dia derradeiro me ressuscitará a mim e a todos os mortos, e me dará a mim e a todos os crentes em Cristo a vida eterna. Isso é certamente verdade.”
O MONTE SIÃO,
sempre traduzindo a ideia de paraíso, de celebração da salvação, de vida eterna no céu. É este monte que Isaías tem em mente quando fala “neste monte” e descreve o banquete oferecido por Deus para celebrar de uma vez por todas a morte da morte. O véu, a coberta escura e ameaçadora que cobria todas as nações, foi removida para todos os povos.
Não há nada mais devastador na vida do que uma existência sem o firme fundamento da esperança. A ausência de esperança nos precipita no desespero, nos leva à beira do precipício da morte. Mas onde há esperança, há vida – vida plena, frutífera, vida com objetivos, com vigor, vida com uma visão animadora do futuro. E é justamente aqui, que o terceiro monte é de grande ajuda e encorajamento para os cristãos em sua vida diária. Ele lhes dá uma visão alentadora do futuro. A vida eterna é certa. A salvação está garantida. No tempo de Deus, nós a viveremos em plenitude. As dores e os males deste mundo cessarão. As preocupações da vida não mais existirão. Elas chegarão a um fim. Aquele que promete isso é fiel.
Isaías expande a sua narrativa do dia do banquete: “Tragará a morte para sempre, e assim, enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará de toda a terra o opróbrio de seu povo, porque o Senhor falou” (v.8).
A morte, que até então engolia a vida, será engolida. Isaías faz um jogo de palavras: o tragador será tragado, ou, o engolidor será engolido. A morte causa dor e tristeza. E onde há dor e tristeza, há lágrimas. Mas na ausência de sofrimento, não há mais lágrimas. Isaías diz que o próprio Deus, enxugará as lágrimas de todos os rostos. Este evento tão maravilhoso, antevemos sempre que cantamos com todo o povo de Deus:
1. Acordai! os guardas chamam.
Com voz vibrante nos conclamam:
Desperta, ó tu, Jerusalém!
Eis que meia-noite soa!
Retumba a voz e longe ecoa:
Prudentes virgens, Cristo vem!
As lâmpadas tomai;
às pressas o encontrai! – Aleluia!
Acesa a fé, em prontidão
esteja o vosso coração.
2. Ouve a igreja jubilante
dos guardas canto retumbante,
levanta e está em prontidão.
Vem da glória o seu Esposo,
fiel em graça e poderoso.
Rompeu a aurora de Sião!
Bendito Salvador,
vem logo, ó bom Senhor – Aleluia!
Seguimos já celeste luz,
que às tuas bodas nos conduz.
3. Glória seja a ti cantada,
por nós e os anjos entoada
com harpas em sonoro tom.
Glória a ti, que nos confortas!
De doze perlas são as portas
da nossa eterna habitação.
Jamais um olho viu,
nenhum ouvido ouviu tal ventura!
Queremos nós a ti cantar
mil Aleluias sem cessar!
(Hinário Luterano, 534)
Tenho, no meu escritório, uma estatueta de um portal sobre o qual se lê: “Céu.” (veja imagem abaixo). Atrás do portal está parado um anjinho. Na frente do portão há uma menininha segurando um lencinho. O anjinho está apontando com seu dedo indicador para um baldezinho à frente do portal, no qual se lê a palavra: “Lencinhos”. O sentido é obvio: no céu não há lagrimas, logo não há necessidade de lenços. Deixe seu lenço na porta do céu, pois lá só haverá alegria e regozijo para sempre.
Portanto, vemos que o caminho ao monte Sião começa no monte Sinai e passa pelo monte Calvário. É interessante notar como o Senhor usa montes e montanhas em sua comunicação com seu povo. Isso talvez seja para facilitar a nossa compreensão e atenção aos seus comunicados. Somos dados a prestar mais atenção ao que vem de cima. Talvez isso venha da infância, quando tínhamos que ouvir e obedecer às ordens dos adultos em nossa vida.
Uma palavra aos que sofrem ou sofreram, talvez com a pior pandemia que o mundo conheceu: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl 46.10). Pandemias vêm e pandemias vão, mas a Palavra de Deus permanece para todo o sempre!
Seja como for, nosso Salvador nos ama e nos acolhe em seus braços. Através dele temos a reserva garantida para a mesa do banquete no último dia. Então, sim, viveremos a vida plena que só Deus pode dar a nós que fomos redimidos por Cristo e cremos nele pelo poder do Espírito Santo. A Deus seja a glória, a honra e o louvor para sempre. Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo! Amém.
Martinho Quirino Sander
Pastor na Blessed Savior Lutheran Church, New Berlin, WI, USA