Pertencer a uma Igreja Cristã, que é confessional e fundamentada unicamente na Palavra de Deus, é de extrema relevância e precisa ser proclamado no mundo de hoje e, de forma muito particular, em nosso país. A verdade da confessionalidade em um único Salvador ou aquilo que constitui a identidade cristã precisa brilhar, pois “[…] a fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem vem por meio da pregação a respeito de Cristo” (Rm 10.17). Com isso, através da fé, a pessoa tem uma nova identidade, passando a fazer parte do povo de Deus. Por isso, convém lançarmos um olhar mais demorado e perspicaz a essa questão e sua atualidade.
A busca pela identidade
A busca pela identidade e, mais ainda, pela afirmação desta identidade, move um grande contingente de profissionais nos tempos atuais. Isso é possível perceber facilmente em diversas áreas e situações: a) as empresas, indústrias e centros comerciais buscam posicionar-se no mercado com suas marcas e valores; b) os centros de fomento à pesquisa e tecnologia, os espaços acadêmicos, as diversas áreas de ciências e conhecimento precisam afirmar sua identidade e genealogia; bem como, também, c) na vida profissional, onde a busca pelo sucesso e pela fama pessoal move as indústrias da comunicação e do entretenimento na promoção e criação de “ídolos”, “ícones” e “gurus”. Essa é uma realidade do mundo contemporâneo que ainda tende a se desenvolver muito. Com certeza os meios de comunicação – junto com os profissionais da publicidade, da propaganda, do marketing – apresentarão ainda muitos avanços no futuro próximo, sempre aliados às últimas fronteiras tecnológicas.
A busca pelo posicionamento do mercado
Tudo isso para marcar uma position, um posicionamento; ou seja: como um grupo ou empresa se apresenta no e para o mundo-mercado. Para os especialistas dos campos da gestão e da administração, esse desafio constitui um elemento impulsionador na busca de estratégias eficazes para se apresentarem de forma convincente e alicerçada aos seus mercados.
A busca pelo posicionamento pessoal
Já no campo pessoal, temos uma realidade em que, cada vez mais, o ser humano tem se tornado mais consumidor e menos pessoa. Interessante que Thornstein Vebler, já em 1899, dizia que muitas pessoas compram as coisas não por precisarem delas, mas para exibir riqueza e status. Ao pensar seriamente sobre o que está por trás do posicionamento pessoal hoje em dia (ou: a confissão de vida das pessoas), veremos que há uma forte influência econômica ligada à indústria do consumo e da aparência. Inclusive já há um delito que é qualificado como “roubo de ostentação”, em que pessoas se apropriam de objetos de marca para poderem ter maior “visibilidade e ostentação” pessoal. Ou seja: o ser humano se encontra numa situação vulnerável e perdida, sentindo profundamente o seu afastamento de Deus e de sua Palavra. A criatura está longe do seu Criador.
A busca pelo posicionamento religioso
A situação descrita acima em relação ao mercado e às pessoas não é diferente da crise em que se encontram as religiões hoje. Inclusive, isso toma proporções nunca antes vistas, quando religião e mercado se misturam, levando muitas organizações religiosas contemporâneas a serem identificadas como verdadeiros “mercados religiosos”, “supermercados da fé”. Isso traz à recordação a urgência urgentíssima de um imperativo dado à Igreja Cristã, à Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), à comunidade local, a todo cristão sincero e verdadeiro: “[…] pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16.15).
Um alerta importante
Esta palavra de Jesus registrada pelo evangelista Marcos é utilizada de modo diverso e com resultados absolutamente opostos – salvação ou perdição – se seguirmos a interpretação confessional bíblica ou se seguirmos as interpretações apresentadas por “teologias” que se aculturaram e adotaram o espírito contemporâneo. Para isso ser compreensível, basta fazer a seguinte diferenciação: (a) a teologia cristã percebe o clima cultural existente na atualidade e responde proclamando a verdade cristã, nos vários contextos, a partir da Palavra de Deus; (b) no outro polo, encontramos “teologias” desconstrutivas – muitas dizendo-se cristãs! –, as quais seguem uma lógica muito própria encontrada em todas as teorias subjetivistas da atualidade, ou seja, o olhar é ditado do ser humano para Deus e não de Deus para o ser humano, tornando a pregação do Evangelho mais uma teoria social ou política e vinculando-a unicamente a uma pregação moral.
A confessionalidade nos dias de hoje
Ai está a importância da confessionalidade nos dias de hoje. A igreja precisa efetivamente fundamentar-se na Palavra de Deus e ter como primordial tarefa a proclamação desta Palavra. Em contrário, perde a sua identidade e a razão de existir, pois a confessionalidade só é sustentada na Palavra de Deus como única norma de fé. E como tal, este é o testemunho público de que a Igreja permanece nos caminhos do Senhor.
A Igreja Cristã, conforme o Credo Apostólico, é “a comunhão dos santos”. Esses “santos” são todas aquelas pessoas que tem como confissão de fé que “há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4.5). Assim sendo, a Igreja Cristã não é uma construção humana, um prédio ou uma organização dirigida por pessoas, mas é, isto sim, o Reino onde Deus é soberano e reina de forma absoluta. Esta distinção e identidade precisa estar clara e não pode deixar margens para divagações filosóficas, ou seja: “a igreja é o Reino de Cristo, distinto do reino do diabo” (Apologia da Confissão, Da Igreja).
A aceitação da sua condição existencial de pecador (Rm 5.12), da sua identidade de “inimigo de Deus”, precisa acontecer no coração e na mente de todas as pessoas mediante a pregação da Lei de Deus. Esta Lei tem o objetivo de mostrar a real situação em que a pessoa se encontra e apontar o que deve ser feito. A Lei de Deus castiga e condena a pessoa, porque faz com que esta tenha noção de sua real situação, ou seja: a pessoa não tem absolutamente nenhuma condição de ser perdoada por suas próprias forças e capacidades. Por esse motivo, não é a Lei que acolhe e integra alguém na Igreja Cristã, na Igreja de Cristo. Isso Paulo demonstrou de forma magistral ao escrever: “visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.20).
Pertencer à Igreja Cristã é ato divino
Pertencer à Igreja Cristã é um ato da graciosa bondade de Deus. Ou seja: “Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos” (Rm 5.19).
Assim, são integrantes da Igreja Cristã todas as pessoas que creem no Evangelho, ou seja, que sabem que sua salvação foi conquistada através da morte de Jesus Cristo, o Salvador, que perdoou completamente toda a sua dívida diante da justiça divina. Pertencer à Igreja Cristã é somente pela fé verdadeira no Deus verdadeiro. Na liturgia do Batismo, isso está bem presente na pergunta endereçada aos padrinhos e que mostra a importância de escolhermos padrinhos cristãos: “É nessa fé que quereis que a criança seja batizada?”.
A Igreja Cristã não tem uma estrutura física, diretoria ou qualquer forma de governo político. Não há uma pessoa que possa ser apontada como o representante oficial da Igreja. Mas antes de voltar para junto do Pai, Jesus Cristo deu uma ordem: “[…] Ide por todo mundo e pregai o Evangelho […]” (Mc 16.15). Todas as pessoas que se tornaram filhos de Deus por meio do Evangelho, são membros da Igreja Cristã e receberam a ordem de Cristo de ir e pregar, testemunhar, confessar que Jesus Cristo é o Senhor.
A IELB, que congrega e reúne pessoas de diversos lugares e regiões do Brasil e de outros países, faz parte da Igreja de Cristo, a Igreja Cristã. A prova disso está no fato de que a IELB tem sua identidade fundamentada na confissão pública de que: Jesus Cristo é o único Salvador e nele devemos ter a nossa fé; a salvação é por graça de Deus, sem nenhum mérito de nossa parte; e somente a Escritura Sagrada é a Palavra de Deus. No entanto, a IELB e as comunidades locais somente serão Igreja Cristã se permanecerem nesta fé que é alimentada pela Palavra e pelos Sacramentos. Isso constitui um alerta importante de Deus a todos nós: “Aquele, pois, que pensa estar em pé veja que não caia” (1Co 10.12) e também: “Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que, arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza” (2Pe 3.17). A confessionalidade cristã não é, primordialmente, uma pregação de condenação dos outros, mas é, antes, sim, um testemunho, um anunciar da Palavra de Deus na sua integralidade.
Cair da fé é não confessar mais a Cristo como o Salvador
Pedro, ao escrever em sua Epístola: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9), está nos lembrando de nossa vocação de sacerdotes de Deus para confessarmos a fé cristã diante de todos os outros que ainda não ouviram falar da salvação.
Em nossos dias, o nome de Cristo é empregado para “mil utilidades”. Reinos mercantis são construídos “em nome de Deus”, “shows” de “ídolos da fé” levam milhares de pessoas a momentos de êxtase teatral e sonoro, o “nome de Cristo” é invocado para mostrar o poder de determinado líder carismático, e assim vemos que o nome de Deus é utilizado, muitas vezes, de forma vã e destituída de qualquer respeito. Por isso, exatamente neste mundo que toma o nome de Deus em vão, há uma importante lacuna para todo e qualquer cristão confessar que somente Jesus Cristo é o Senhor.
A mensagem do Deus vivo que enviou seu filho para salvar o mundo precisa ser encarada com seriedade e comprometimento por todos os cristãos, pois faz parte de seu sacerdócio. Deve ser motivo de dedicação exclusiva e comprometimento acima de qualquer outro por parte dos sacerdotes que foram investidos por Deus com o ministério da pregação e com a tarefa de ensinar e orientar o povo de Deus. Como IELB, somos Igreja de Cristo e precisamos ocupar os caminhos e os espaços onde existem lacunas na proclamação do amor de Deus. Em outras palavras, precisamos ter certeza e viver a confessionalidade nos dias de hoje!
Por isso, vamos cantar e viver: “E nós que conhecemos brilhante luz da fé, nas trevas deixaremos aquele que não crê? Sem mais demora vamos falar-lhe do perdão que por Jesus gozamos: a eterna salvação […] Seu nome proclamado a toda a geração traz ao desventurado a paz e a redenção. A terra consagrada ao nome de Jesus será abençoada, andando em sua luz” (Hinário Luterano 330.3,4). Que Deus abençoe e guarde sua Igreja nesta tarefa!
Clóvis V. Gedrat,
pastor e professor,
São Leopoldo, RS