Eu gosto de ouvir música, especialmente música cristã. Sinceramente, sinto falta de alguns temas nas músicas que tenho ouvido recentemente, entre eles, a justificação pela fé.
Gosto do nosso hinário, dos hinos, das liturgias que ele traz e, ao olhar para ele, percebi algo bem interessante: temos 15 hinos especificamente sobre esta temática. Isso eu já sabia. No entanto, o que me chamou muito a atenção é que esses hinos vêm depois dos hinos que tratam do ano da Igreja (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, Ascensão, Pentecostes, Trindade, Reforma) e, entre outros, precedem os hinos sobre a Justificação pela fé aqueles que tratam dos Meios da graça (Palavra, Batismo, Santa Ceia) e aqueles que tratam da Cristologia: apresentam-nos Jesus, o nosso Redentor.
É claro que os hinos de Quaresma e de Páscoa também o fazem; os de Trindade, também; mas aqueles hinos retratam o objeto da nossa fé: Jesus e a sua obra da Redenção.
Outra coisa interessante no nosso hinário é que os hinos de Justificação pela fé vêm logo após os hinos de Arrependimento e Confissão, que retratam a nossa condição pecaminosa, a consequência e os desdobramentos do pecado e a bondade perdoadora de Deus em Cristo.
Não quero com isso estabelecer uma teologia da ordem dos hinos no hinário; apenas dizer o quanto o nosso hinário é rico em retratar em hinos as principais verdades de Deus, registradas nas Escrituras Sagradas, especialmente a doutrina da justificação pela fé, ou seja, como Deus nos aceita por graça, pela fé em Cristo somente.
Melanchton e Lutero consideravam esse artigo “veríssimo, certíssimo e de máxima necessidade para os cristãos”, pois trata da obra de Cristo, onde as pessoas recebem consolo certo e firme, pois trata de como Deus nos aceita e perdoa nossos pecados.
Se nós concordamos que lex orandi, lex credendi, ou seja, a maneira como a pessoa ora, diz o que ela crê, os hinos 365 a 379 nos propõem um tratado maravilhoso sobre esta que é a principal doutrina das Escrituras Sagradas – a justificação pela fé – e, quando nós cantamos hinos com esse teor, estamos expressando de maneira muito clara e vibrante a fé que o Espírito Santo implantou em nosso coração desde o batismo e que tem nutrido pela Palavra e Santa Ceia.
É precisamente disso que fala o hino 365, quando lembra o episódio do pedido do centurião para que Jesus fosse à sua casa curar seu servo (Mt 8.5-13). Ele confiou na palavra de Jesus. Por isso o autor sacro diz: “Dá-me a fé do centurião na Palavra que nos cura do pecado e maldição, sofrimento e desventura. Minha fé vem sustentar e aumentar” (Hinário Luterano, 365, estrofe 3). Essa fé está firmada no “Eterno Fundamento”, que é Cristo (HL 366, estrofe 1). Essa fé em Cristo Jesus não é infrutífera; produz bons frutos, conforme o autor do hino 367 expressa: “Senhor, oh! queiras me ajudar que a fé se fortaleça: bons frutos venha sempre dar e em obras resplandeça; que seja ativa pelo amor, paciente, alegre, com fervor, aos outros favoreça” (estrofe 5).
A doutrina da justificação pela fé nos consola, dizendo que Deus nos aceita como estamos. Não precisamos nos esforçar para mudar algo em nós para, então, Deus nos ser agradável. O convite maravilhoso de Jesus, retratado em Mateus 11.28, é cantado na primeira estrofe do hino 368, quando o poeta diz: “Ó meu Redentor bendito, minha eterna salvação, venho a ti, cansado e aflito, suplicar o teu perdão”.
No que diz respeito à salvação eterna, não existe fé forte ou fraca; existe a fé em Jesus Cristo e em como ele nos salva por pura graça, pelo seu sacrifício, morte e ressurreição. Por isso o autor do hino 369 diz: “Quando eu fraco me sentir, quando o mundo me oprimir e pesar a minha cruz: Crê somente – diz Jesus”. O mesmo assunto é retratado no hino 370, que fala da tristeza de coração, produzida pelos nossos pecados e, por outro lado, nos consola, ao dizer: “Teu pesar em alegria veio Cristo transformar” (Hl 370, estrofe 4). Essa certeza é segura porque não está dentro de nós; vem de fora – vem de Deus, em Cristo Jesus. Por isso o hino 371 canta: “Por graça deverei ser salvo, por isso não vou duvidar… Por graça! Nota bem: Por graça!”, e conclui, dizendo: “Eu creio o que me diz Jesus: A graça à vida te conduz”.
O apóstolo Paulo teve especial apreço pelo assunto da justificação pela fé. Em Romanos 8.1 ele diz: “Não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus”. É uma palavra firme, que não deixa nenhuma dúvida a respeito da reconciliação com o Pai e da vida eterna nos céus. O autor do hino 372 retrata esta verdade com singular maestria, ao dizer: “Por Deus justificados, quem nos condenará?”. Ele continua, dizendo: “Celeste paz inunda o nosso coração. Certeza mais profunda da eterna salvação”.
Esta verdade é cantada no hino 373, ao dizer que esta salvação eterna é, e não está baseada na lei e nas obras, mas no cumprimento perfeito da lei realizada pelo nosso Salvador Jesus Cristo. Ele diz: “Agora temos salvação por graça e por bondade… aprenda, pois, quem é cristão, que a Lei já foi cumprida, pois Cristo fez a salvação por Deus tão exigida… Agora sei: A Lei me traz noção do meu pecado; mas o Evangelho dá-me paz, estando atribulado, e diz: Ó pecador, na cruz encontrarás sossego e luz, pois foste resgatado”.
A justificação pela fé é o ato forense de Deus – é a declaração judicial de Deus de que somos aceitos por ele, pela fé em Jesus Cristo. Por isso o autor do hino 374 canta: “Cobriu-me de justiça, de suma perfeição… Delícias mui queridas, contigo, ó Salvador, a desfrutar convidas por teu divino amor”.
Esse amor de Deus por nós, por todas as pessoas, é cantado de modo maravilhoso no hino 375: Ao mundo Deus assim amou, traduzindo numa belíssima poesia a porção mais conhecida da Bíblia; “porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu filho Unigênito para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). Nada mais consolador do que saber-se amado por Deus!
Por isso cantamos com júbilo o hino 376, “Vós crentes, todos, exultai!”, e o autor do hino 377 nos convida a repousar na segurança de saber que estamos “no verdadeiro, Jesus Cristo” (1Jo 5). Ele canta: “Bem sei em quem eu creio”. O autor do hino 379 diz que “só tem paz o coração que tem certeza disso!”. Humilde, o autor do hino 379 confessa: “Desta graça, ó Cristo amado, sou contínuo devedor. Fui de todo penhorado pelo teu divino amor”.
Uma olhada rápida nos hinos de Fé e Justificação do nosso hinário produz em nós alguns efeitos práticos:
– reforça em nós a confiança na verdade de que somos aceitos por Deus, pela fé em Cristo Jesus, por pura graça;
– retira do nosso coração toda a incerteza e dúvida, e nos dá a garantia de que, a qualquer tempo, Deus está, em Cristo, de braços abertos para nos receber, acolher e perdoar;
– enche o nosso coração de alegria, a despeito da nossa intensa luta contra o diabo, o mundo e a nossa própria carne. A despeito das tristezas que podemos colher nesse embate renhido, nossa segurança repousa no que Cristo fez por nós;
– qualifica-nos a viver uma vida cristã cheia de frutos. Lutero disse que o cristão não procura as boas obras que deve fazer, mas que as faz naturalmente. Somente quem tem seu coração tomado pela suprema paz que lhe é alcançada pela justiça da fé, tem a condição adequada para servir a Deus de vontade alegre e livre;
– Faz transbordar em nós a esperança da vida eterna. A ressurreição dos mortos e a certeza da vida eterna nos céus são temas muito ausentes das músicas cristãs em nosso tempo e são verdades seguras que a doutrina da justificação pela fé, registrada nas Escrituras Sagradas e cantada nos hinos do nosso hinário, nos fazem crer, viver e esperar, em Cristo Jesus.
Quero concluir, incentivando o leitor a conhecer e a cantar os hinos do nosso Hinário Luterano em geral, e os hinos sob o tema da Justificação pela fé, em particular. Este ano iremos celebrar os 100 anos do nosso Hinário Luterano. As palavras do hino 374 são especiais demais para mim. Despeço-me com elas: “Em meu Jesus confio, porquanto me remiu; por sua luz me guio: as trevas destruiu. Seu sangue tão precioso de todo me lavou. Meu salvador gracioso a vida me legou”.
Pastor Silvio Ferreira da Silva Filho