Bebê reborn: uma afinidade entre realidade e fantasia

Artur Charczuk
pastor e psicanalista
e-mail: arturcharczuk13@yahoo.com.br

Dias desses, um grande amigo veio ao meu encontro, um tanto curioso a respeito de um assunto que está em voga e me perguntou: “Com tantos avanços que o ser humano realizou até aqui: na cultura, na ética, na ciência, isto é, o homem está um tanto desenvolvido, pastor Artur, como ele, no ápice da civilização, encontrou o bebê reborn pelo caminho”?

A título de curiosidade, reborn é uma palavra em inglês e significa renascido. De fato, a pergunta feita é intrigante, ou seja, como é que os bonecos hiper-realistas têm chamado atenção cada vez mais? E esses bebês são adquiridos e cuidados por adultos, como se eles fossem reais: recebem vestimenta adequada, são alimentados, passeiam com os pais postiços e recebem certidões fictícias de nascimento. Quem acompanha, como um expectador, os movimentos do fenômeno, percebe que o mesmo carrega dimensões psicológicas um tanto profundas. Eu gosto da afirmação de Donald Woods Winnicott, um pediatra e psicanalista inglês: “brincar é coisa séria”. Ou seja, quando a criança brinca, para quem está vendo, os movimentos da criança são um tanto graciosos e bonitos, entretanto, o brincar é um ato de explorar o mundo. Quando a criança brinca, ela está dando sentido para a realidade, buscando preencher sua vida com sentidos e significados. O brincar é uma oportunidade em que a criança organiza seus sentimentos: amor, raiva, ansiedade e assim por diante. A criança ressignifica o que sente, elabora suas frustrações, a fantasia alivia suas angústias – perceba, amigo leitor, o quanto de seriedade tem o brincar.

Já os bonecos feitos à imagem e semelhança de um bebê real, inclusive com detalhes – manchinhas, furinhos, dobrinhas, textura da pele e outras particularidades – encantam a ponto de o adulto cobrir o bebê reborn de fantasias. Por detrás de um cuidado minucioso, está uma forma de brincar; é o adulto buscando por alguma ressignificação, alguma organização de sentimentos. Na verdade, o adulto que cuida de um reborn, está cuidando de si, de feridas emocionais não cuidadas, de decepções ao longo de sua história, da solidão, da ausência de filhos, etc. O bebê nada mais é do que um reflexo daquilo que a pessoa almeja, tornando-se um reparo psíquico a fim de satisfazer o desejo de dar e receber amor. Traduz-se numa estratégia de cura diante de sofrimentos psíquicos represados, pelos caminhos do ficcional.

A grande preocupação é quando o domínio da fábula toma o lugar da realidade, nesse caso, quando o indivíduo percebe o inanimado como algo com vida, que respira. Quando a pessoa passa a substituir as relações reais, com as relações com o boneco, com um apego excessivo, caindo em isolamento.

Uma coisa é fato: o reborn não é um outro com quem se constrói uma relação. Em situações assim, o melhor caminho é não julgar, mas acolher e escutar o outro. Em tempos de hiperindividualismo, angústia, vínculos frágeis, o reborn veio a ser como a busca por uma vida emocional idealizada, perfeita e sem cicatrizes. O sintético tido como abrigo contra o mundo e suas agruras.

OS PEQUENINOS

“Jesus, porém, disse: Deixem os pequeninos e não os impeçam de vir a mim, porque dos tais é o Reino dos Céus” (Mt 19.14). Enquanto um reborn atenta para uma relação de dependência entre o adulto e o que é inanimado, a presente passagem aponta para uma outra realidade, aliás, uma realidade maravilhosa: os que são dependentes de Deus, revelado em Jesus Cristo, possuem acesso aos benefícios do Reino. Que notícia maravilhosa, leitor, Jesus acolhe os humildes, as crianças, isto é, uma dependência viva e salvífica. Nada de artificial, nada de tecido ou inanimado, mas é a Palavra viva e eficaz, simplesmente Jesus Cristo. Confiemos no Senhor, depositemos nele nossas tristezas, preocupações, angústias. A relação com o Filho de Deus não é uma relação de apenas um, não é um relacionamento alicerçado na solidão. Jesus abraça o ser humano pecador por inteiro, Cristo é o nosso suficiente refúgio. Sim, amados, nosso refúgio não está através de uma vitrine com um bebê à venda, está na cruz, está em Jesus Cristo.

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