Cintia Hoffmann
Psicóloga
Na mitologia grega, conta-se a história de Procrusto, um homem que oferecia abrigo aos viajantes — mas com uma condição cruel: todos deveriam caber perfeitamente em sua cama. Se os convidados fossem maiores, ele cortava o que sobrava de suas pernas; se menores, esticava seus corpos. Essa imagem extrema serve como metáfora para um erro que, muitas vezes, cometemos ao olhar para as famílias: a tentativa de ajustá-las a um padrão único, rígido, idealizado.
Cada família tem sua própria configuração, seus ritmos, desafios e formas de amar. Não existem moldes perfeitos ou fórmulas prontas — e tentar forçar isso só gera dor e frustração. Do ponto de vista psicológico, é fundamental reconhecer e valorizar a singularidade de cada núcleo familiar. Aceitar essa diversidade é o primeiro passo para compreender a família como ela realmente é: o solo onde o sujeito começa a florescer, com todos os seus limites e potências.
No calendário, o dia 15 de maio é marcado como o Dia Internacional da Família. Mais do que uma data comemorativa, este dia nos convida a olhar com atenção para aquilo que é, para muitos, o primeiro lugar onde aprendemos a ser gente: a família. A convivência familiar é o contexto primordial onde o sujeito se constitui, aprende a lidar com suas emoções, desenvolve valores e estabelece vínculos que servirão de modelo para outras relações ao longo da vida.
É nesse espaço que se aprende, de maneira prática, o significado de palavras como amor, perdão, limite, respeito e cuidado. São os gestos do dia a dia, as rotinas compartilhadas, os conflitos e as reconciliações que moldam nossa visão de mundo e de nós mesmos. Uma família que se propõe a ser espaço de escuta e de segurança emocional, mesmo diante de suas imperfeições, contribui profundamente para a formação de pessoas mais conscientes, empáticas e resilientes.
Por isso, é tão importante que haja coerência entre os valores que se ensinam e as atitudes que se vivem. A criança observa tudo. Ela percebe como os pais se tratam, como falam com os outros, como lidam com o erro e com as frustrações. Não há outra maneira verdadeira de ensinar senão pelo exemplo. É comum vermos discursos cheios de boas intenções sobre amor, paciência e fé, mas que não se refletem na maneira como se fala com um filho ou com o cônjuge após um dia difícil. Quando há distanciamento entre discurso e prática, instala-se a confusão emocional — e muitas vezes, a dor.
Outro aspecto fundamental é a coerência entre o modo como nos comportamos dentro e fora de casa. Em um mundo cada vez mais voltado para as aparências, é fácil cair na tentação de sermos gentis apenas com os de fora, enquanto dentro de casa prevalecem as explosões, o silêncio ou a indiferença. Essa inversão é danosa. O lar precisa ser, antes de tudo, um lugar de acolhimento, onde se possa errar, pedir perdão, recomeçar. Um lugar onde todos, sem exceção, se sintam pertencentes e respeitados.
Isso não significa que a família deva ser um ambiente perfeito — aliás, não há famílias perfeitas, mas sim famílias possíveis, que buscam crescer juntas. Quando os vínculos familiares são sustentados pelo diálogo, pelo amor prático e pela fé vivida com humildade, criam-se raízes profundas. Raízes que dão sustentação mesmo quando a vida sacode com seus ventos fortes.
Para quem vive a fé cristã, a família é também uma expressão do amor de Deus. É nela que podemos experimentar, de forma concreta, o que significa ser amado incondicionalmente, ser perdoado, ser visto. Jesus, ao vir ao mundo como Salvador, através de uma família, santificou esse espaço como um lugar sagrado, um lugar especial e único. Um lar onde se vive a Palavra na prática cotidiana, com seus desafios e belezas.
Que o Dia da Família nos faça renovar o compromisso de fazer de nossos lares espaços de verdade, espaços de acolhimento e crescimento. Que sejamos famílias que não apenas falam de amor, mas que se esforçam por vivê-lo, com paciência, constância e fé. Afinal, é nesse solo que nascem os frutos mais bonitos da existência humana.