Legados da imigração alemã no Brasil

IMIGRAÇÃO ALEMÃ – 200 ANOS

Numa edição anterior, falamos das condições dos imigrantes alemães na Europa e da realidade que enfrentaram aqui no Brasil. Em outra, tratamos da estruturação do luteranismo no Brasil em meio à imigração alemã. Agora, vamos trazer algumas contribuições da presença alemã à sociedade gaúcha e/ou brasileira. Se pessoas e instituições deixam um legado, muito mais um grande contingente étnico o faz. Para entendermos a composição da nossa sociedade, é importantíssimo olhar o legado de cada grupo dela pertencente.

      Possivelmente, ao pensarmos no legado das etnias, independente se alemã ou italiana, ucraniana, polonesa, russa, africana, logo vamos nos lembrar da culinária, da música e das danças, do folclore, da arquitetura, da língua, das festas. No caso dos alemães, na culinária, temos o chucrute, a salada de batata, as cucas. Na música, lembramos das bandinhas. Das festas, lembramos do Kerb, uma confraternização que segue por vários dias, que comemora o padroeiro da cidade, a inauguração de uma igreja, o término da colheita. E, mais recente, temos as Oktoberfest. Na arquitetura, são marcantes as construções em técnica enxaimel.

      Dentro de uma percepção rápida da herança oriunda dos alemães, é saliente a contribuição no campo da religião. Nesse aspecto, o grande legado está na presença protestante no Brasil e a diversificação das igrejas cristãs. A Europa central, sobretudo a Alemanha e a Suíça, foram palco do movimento da Reforma religiosa no século 16, fazendo surgir a igreja luterana e outras igrejas reformadas. Os imigrantes de fala alemã trouxeram a fé luterana e constituíram as igrejas luteranas, tornando-se pioneiras na diversificação religiosa no Brasil, que só admitia o catolicismo até o início do século 19.

      Mas há também contribuições que lançaram raízes profundas sobre a economia, a cultura, a política, a educação. O fato de hoje termos uma forte indústria coureiro-calçadista no Vale do Rio do Sinos (São Leopoldo, Novo Hamburgo) e do Vale do Rio Paranhana (Igrejinha, Três Coroas), no Rio Grande do Sul, tem seus fundamentos já com as primeiras levas de imigrantes. Em resumo, os primeiros grupos de imigrantes em São Leopoldo, RS, e adjacências, forneceram alimentos e utensílios de couro como botinas, bolsas, montarias/selas para o exército brasileiro, o qual estava em campanhas pela Província de São Pedro (Rio Grande do Sul). Esta atividade coureira incipiente lançou as primeiras sementes de futuros empreendimentos nesse setor hoje tão pujante.

     Mas a industrialização gaúcha ou brasileira deve muito mais aos imigrantes alemães. Nos tempos em que eles chegaram, o Brasil se encontrava longe da indústria. Tudo era importado. Os imigrantes trouxeram um potencial tecnológico. Cerca de 60% deles eram artesãos, isto é, pessoas que exerciam profissões manuais. É o ferreiro, o padeiro, o moleiro, o tecelão, o sapateiro, o marceneiro, o carpinteiro, o alfaiate. Ao longo do tempo, essas capacidades, acrescidas do capital financeiro que foi sendo constituído pelos serviços prestados e pelo comércio nas colônias, proporcionaram a criação de pequenas indústrias familiares, alavancando condições que deram origem a grupos e setores altamente desenvolvidos e expressivos nos dias de hoje. Como já referido, o setor calçadista. De pequenos empreendimentos na linha de ferragem, veio a existir uma Gerdau. No ramo da tecelagem, veio a existir grande indústria têxtil, como uma Hering, em Blumenau, SC. Fruto do engenho e trabalho de imigrantes e seus descendentes em Porto Alegre, a fábrica de confecções Renner e uma fábrica de chocolates chamada Neugebauer, onde trabalharam muitos luteranos de congregações da cidade. São apenas exemplos, entre muitos.

     Na área da economia, não podemos esquecer a contribuição para a agricultura. O modelo de uso das terras no Brasil era o latifúndio – as sesmarias, com seus 1.200 hectares –, com produção em grande escala de um tipo de produto apenas, como a cana de açúcar, o café ou o algodão, e voltado à exportação. Com os alemães, instalou-se um novo modelo. As propriedades eram pequenas, de até 75 hectares, e nelas trabalhava toda a família, com produção diversificada para a alimentar a família, e o excedente sendo vendido para abastecimento do mercado interno. Originou-se, pois, a agricultura familiar no Brasil. A imigração italiana, que se sucedeu, também adotou esse modelo.

    Ainda no campo da economia, cabe lembrar o legado do cooperativismo. Diante das dificuldades comuns que os imigrantes e seus descendentes tiveram, gerou-se um forte senso de cooperação. O padre Theodor Amstad, no século 19, trouxe os ideais cooperativistas presentes na Europa, e, sob sua liderança, fundou-se na hoje Nova Petrópolis, RS, a primeira cooperativa no Brasil. Atualmente o sistema cooperativista é abundante entre nós, responsável em grande parte pela produção, comércio e exportação agrícola do Brasil.

     A herança do espírito associativista também se deu na área da cultura, pois foi intensa a criação de clubes, como de leitura, de teatro, de canto coral. Os clubes de canto coral foram abundantes até há poucas décadas, sobretudo para a preservação da música religiosa. Igualmente foram abundantes os clubes desportivos: de tiro, de bolão, de ginástica – a Sociedade de Ginástica Porto Alegre (SOGIPA) se originou nesse contexto. Antes disso mesmo, o espírito de cooperação já podia ser encontrado na fundação das comunidades escolares (Schulgemeinde) e religiosas (Kirchengemeinde). A prática das comunidades locais de cooperarem e se organizarem é pertinente para a estruturação da sociedade brasileira. Por sua vez, ainda, pelo fato de não católicos não poderem ser sepultados nos cemitérios públicos, tornou-se comum a cooperação no estabelecimento de cemitérios comunitários.

    Como aspecto cultural, podemos falar também da imprensa. Os alemães contribuíram para o seu desenvolvimento. Foram fundados jornais que tiveram considerável circulação. Inclusive jornais exclusivamente religiosos. Um dos jornalistas de grande influência no século 19, no Rio Grande do Sul, foi o liberal Karl von Koseritz, o qual fundou vários jornais e escreveu vasta quantidade de artigos que geraram polêmica, inclusive entre a igreja.

    Na área da educação, o Brasil não tinha um sistema educacional, e os imigrantes estavam desassistidos. A educação formal restringia-se a poucos da elite brasileira. Por sua vez, era coisa só para meninos. Os imigrantes vinham de uma realidade que já contemplava a escola também para as meninas. Aliás, já no século 17, por volta de 1650, o território da Prússia previa escola para ambos os sexos. Diga-se mais: antes mesmo, no século 16, Lutero foi vanguardista para a inclusão das meninas na educação básica, para uma educação lúdica e para composição de classes mistas na escola, para meninos e meninas conviverem. A educação básica para os filhos era a visão incorporada nos alemães. Assim, aqui fundaram e mantiveram escolas para seus filhos. A sua existência fomentou um sistema educacional para o Brasil, a contribuição na produção de material didático e o desenvolvimento de uma futura intelectualidade. Contribuiu, inclusive, para o lugar da mulher na sociedade brasileira, pois a mulher alfabetizada, em relação à não alfabetizada, torna-se mais independente, mais participativa e até protagonista na sociedade.

     Na política, inicialmente, os imigrantes não tinham direito de votar ou serem votados. As necessidades da colonização foram forjando a busca de participação política. Partidos e/ou políticos se formaram para lutar por esse segmento social, contribuindo para o crescimento da consciência política e da ruptura da estrutura de poder presente desde o início da história do Brasil.

Há outros aspectos e detalhes do legado da imigração alemã que merecem ser conhecidos e mais estudados. Quero deixar o incentivo!

Eliseu Teichmann
Mestre em Teologia e História

Pastor da IELB em Londrina, PR

No século 16, Lutero foi vanguardista para a inclusão das meninas na educação básica, para uma educação lúdica e para composição de classes mistas na escola, para meninos e meninas conviverem. A educação básica para os filhos era a visão incorporada nos alemães. Assim, aqui fundaram e mantiveram escolas para seus filhos. A sua existência fomentou um sistema educacional para o Brasil, a contribuição na produção de material didático e o desenvolvimento de uma futura intelectualidade.

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