O mundo das emoções

O livro Martin e Bu no mundo das emoções, lançamento da Editora Concórdia, aborda sobre os sentimentos, para que as crianças os conheçam e possam reconhecer cada um deles. Indicado para os pequenos, o livro também traz um capítulo para os adultos, com o título “Só para os grandões”, escrito pela psicóloga Kamila Fukue. Para aprofundar um pouco mais o assunto, confira a entrevista realizada com ela.

Por que é tão importante conhecer cada um dos sentimentos?

Os sentimentos fazem parte da gente. Deixar de conhecê-los é deixar de se conhecer. Nós aprendemos que é errado sentir, que a gente não deve se relacionar com os nossos sentimentos desconfortáveis. Isso não é verdade. A gente sente e precisa conhecer esses sentimentos para saber lidar com eles quando eles aparecem.

A partir de que idade a criança passa a ter mais consciência do que sente e os pais podem ensinar seus filhos sobre isso?

A criança só vai ter consciência do que sente se ela for ensinada que o que sente tem um nome; que dá uma vontade maior de fazer; de gritar; ou dá uma vontade maior de ficar em silêncio.

Essa consciência sobre os sentimentos é aprendida na nossa sociedade e adquirida no nosso ambiente. Se a gente não ensina às nossas crianças o que está acontecendo com elas, se a gente não nomeia isso, elas não vão saber, e isso é algo muito angustiante. É como você sentir uma dor e não saber onde curar, onde está a ferida para tratá-la.

Os pais podem ensinar sobre sentimentos desde quando a criança nasce. Quando o bebê chora, podem dizer: “Você está chorando de sono”, ou “Você está chorando de fome” ou “Você está entediado”.

Até completar um ano, a criança compreende algumas emoções básicas. Depois, com dois, três anos, ela começa a ter uma noção corporal melhor, e maior consciência do que cada emoção significa. Aos cinco anos, ou até os oito anos, surgem novas emoções; surgem medos mais abstratos. Antes o medo era do “bicho-papão”; agora o medo é de ficar sem os pais, de algo que ela não consegue ver. Então nossas emoções vão se modificando também no decorrer do nosso desenvolvimento.

Ouvimos pais/mães dizerem: “Está chorando por birra”; “Está com sono”. Parecem justificar ou mesmo diminuir o sentimento dos próprios filhos. De que forma as crianças podem ser acolhidas em seus sentimentos/emoções?

Birras não existem. Exatamente isso. Vou explicar: se uma criança chora “por birra”, é porque ela está tentando comunicar algo para o qual ela ainda não tem linguagem para expressar. Ou ela ainda não foi ensinada ou, se foi ensinada, ainda não tem maturidade cerebral para reproduzir.

Não dá para ensinar um bebê de três meses a falar que está com sono. A única linguagem que ele tem é o choro. Se uma criança chora ou se está gritando porque está com sono, ela precisa, sim, ser ouvida e ser atendida, porque não consegue sozinha se regular. Ela precisa de um adulto para ajudá-la com isso. Na maioria das vezes, nós, adultos, também não fomos ensinados e não sabemos o que fazer com isso. Então é mais fácil justificar e deixar a criança sozinha, assim como nós também fomos deixados sozinhos.

Existem diversas formas de acolher o sentimento de uma criança, e em todas elas o padrão e o princípio é: estar ao lado da criança ao invés de se ausentar. Podemos ficar ao lado de uma criança desenhando sobre aquela emoção, sobre o que ela está sentindo; podemos abraçá-la, conversar com ela, perguntar o que foi difícil para ela e o que ela sentiu. As formas são diversas, e, em todas elas, precisamos estar ao lado da criança.

Muitas vezes os adultos não conseguem definir os próprios sentimentos. Como podem ensinar seus filhos e aprender com eles?

Se o adulto não consegue falar sobre os próprios sentimentos, então ele precisa procurar um especialista para isso, um psicólogo, precisa ir para a terapia. Só assim ele vai poder ajudar seu filho a falar do que sente.

O pai e a mãe estão em terapia, aprendendo sobre sentimentos, e o filho também está aprendendo com os pais. Os três aprendem ao mesmo tempo, e é muito lindo de se ver.

Aprendemos juntos quando falamos o que estamos sentindo: “Filho, eu fiquei com raiva da situação X”; “Eu estou alegre que você fez novos amigos e se sente bem com isso”; “Papai e mamãe estão frustrados porque queríamos muito dar um presente para você, mas não vamos poder dar agora”; “Mamãe não sabe o que está sentindo, mas logo vai passar. Vamos ficar juntinhos aqui e esperar esse sentimento passar”. Esses são alguns exemplos de como podemos conversar com a criança sobre aquilo que a gente sente, sobre o que ela sente, ou sobre sentimentos que as pessoas possam estar sentindo. Assim a gente vai educando sobre sentimentos.

Que tipo de dificuldades uma criança que não consegue nomear/definir seus sentimentos pode ter? Que reflexos isso terá na sua adolescência e vida adulta?

Isso é assunto muito sério. Uma criança que não consegue definir ou nomear seus sentimentos, pode acabar sendo engolida por eles ou sendo definida por eles. Ela pode se tornar a própria tristeza, a própria raiva, pode se tornar a própria frustração. E quando isso acontece, ela se torna uma criança que tem dificuldades de relacionamento com os colegas, consigo mesma, com seus erros e fracassos, com os desafios que aparecem para ela na sua vida. E os reflexos disso são como uma ferida que vai inflamando se não for tratada.

Na adolescência, pode ser alguém que pratica autolesão ou automutilação. Na vida adulta, pode ser alguém com transtornos de pânico, com uma depressão grave ou com transtornos de personalidade.

É possível que uma criança que já aprendeu sobre seus sentimentos consiga ensinar outras (“bom contágio”) ou ela acaba enfrentando grandes batalhas quando está inserida em um meio onde a maioria das crianças não sabe?

Com certeza, aquilo que a criança absorve ela passa adiante. Sejam brigas que ela ouve dos pais e ela passa a brigar com os amigos; sejam histórias bíblicas que ela ouve na igreja e carinho que ela recebe, ela também passa adiante.

Ela pode contagiar outras crianças falando de seus sentimentos quando é ensinada sobre isso. E o oposto também pode acontecer. O meio em que está inserida pode influenciá-la a questionar sobre os sentimentos ou ignorar e falar que são bobagens. Esta é a maior batalha sobre os sentimentos. Nós influenciamos o meio e o meio nos influencia.

Conversar sobre os sentimentos, saber o que cada um está sentindo, é uma tarefa diária?

Mais que uma tarefa diária, é uma tarefa fluida, ou ao menos poderia ser vista assim. Fluida no sentido de que quando surgem os sentimentos, essa é a oportunidade de se falar sobre eles. Ou mesmo recordar de um sentimento muito intenso que aconteceu e falar sobre ele.

Não existe uma regra. Falar sobre os sentimentos é falar sobre o que Deus criou. Deus nos deu olhos, ouvidos, razão e todos os sentidos. Inclusive não há como falar de amor desconectado de Deus.

Os pais devem também expor e nominar seus próprios sentimentos para os filhos? Que implicações isso pode gerar?

Os pais podem expor seus sentimentos de uma forma que não contaminem quem está ao seu redor, sejam seus filhos, outras crianças ou colegas de trabalho. Todos nós podemos expor nossos sentimentos sem contaminar ou descontar nas pessoas ao redor. É muito mais sobre a forma como você expõe os sentimentos do que a hora em que vai fazê-lo.

Para as crianças aprenderem sobre os sentimentos, é mais fácil você expô-los na situação em que estão acontecendo ou que aconteceram recentemente, pois a memória facilmente é associada ao fato vivenciado.

Mas se você falar na hora em que está irritado, muito provavelmente você vai descontar e gritar com a criança também. Então vale a pena você pedir um tempo para a criança e falar “Eu vou respirar fundo, porque estou muito irritado neste momento, e, se eu falar agora, posso respingar em quem mais amo e não quero fazer isso”. Então você pode sinalizar e explicar sobre seu sentimento um pouco depois.

Não tem regra ou hora certa de falar, o importante é falar do que sentimos e como podemos reagir diante daquele sentimento.

Outras considerações importantes.

Todo sentimento é válido, mas nem todo comportamento é válido. Precisamos ensinar para nossas crianças e adultos que é válido o que a gente sente, que faz sentido sentir medo, tristeza, raiva, alegria, ansiedade. Faz sentido, mas isso não me dá o direito de me comportar de uma forma que prejudique a mim mesmo ou ao meu próximo.

Por exemplo, eu sinto frustração quando as coisas não saem do jeito que eu quero. Mas nem por isso eu preciso brigar com todos. Fico irritada quando me interrompem, mas isso não me dá o direito de gritar com quem está à minha frente. E é interessante porque, se me interrompem em casa, eu grito, mas se o chefe me interrompe no trabalho, eu não grito. Logo, a gente compreende que o ambiente influencia na forma como a gente reage às emoções e que a gente tem várias formas de reagir a uma determinada emoção.

Na terapia a gente aprende a lidar com as emoções de diversas formas. Quem não teve esse aprendizado na infância, precisa, sim, buscar ajuda psicológica e ampliar o seu leque de comportamentos diante das suas emoções. Não existe mais essa ideia de não agir com as emoções. Todos nós sentimos. Não temos controle sobre nossos sentimentos. Eles acontecem de uma forma quase que orgânica, como uma reação química do nosso corpo. O que a gente controla é a forma como reagimos a essas emoções. E essa forma é aprendida, seja em terapia, seja na infância, seja observando um colega de trabalho, alguém no YouTube, ou lendo livros e absorvendo conteúdos que ajudem a clarear esses comportamentos.

Kamila Fukue

Psicóloga CRP 07/28444

@psicologakamilafukue

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