Os limites da verificação

A complexidade favorece a dúvida, a verificação praticada embrionariamente em fins da Idade Média tomou corpo até em atividades corriqueiras. A possibilidade de fraude nos torna cautelosos. Decisões precipitadas ocasionam prejuízo. Testes avaliam hipóteses, autoridades verificam a legitimidade de documentos, de produtos, de informações.

Resultados são submetidos à verificação de outros investigadores. Observação e verificação revolucionaram o mundo na ciência, na indústria, no comércio, na comunicação, no transporte, na saúde.

A dúvida instabilizou os discípulos nos dias subsequentes à crucificação. A esperança em novos tempos afundou no desespero, a morte daquele que tinha sido aclamado como Messias desnorteou todos. Seguidoras do Crucificado vinham com informações desencontradas, umas viram o túmulo aberto ocupado por um menino, outras traziam a informação da presença de dois homens nas proximidades do túmulo aberto, Pedro encontrou uma túnica, Madalena declarou ter falado com Jesus. A divergência confirma a experiência pessoal. Os discípulos resistem à veracidade dos relatos, uns declaram que o Mestre se aproximou deles enquanto caminhavam, outros afirmam que o Mestre os socorreu enquanto pescavam, apontam a autenticidade da presença almejada em palavras, em ensinamentos, em gestos. A resistência de Tomé se destaca, teme ser enganado por aparências. Caravaggio retrata o momento em que, auxiliado pela mão do Salvador, o cauteloso discípulo introduz o dedo na ferida que a lança de um dos soldados tinha aberto no peito do Crucificado. A pintura impressiona pelo realismo, Tomé franze interrogativamente a testa, o dedo avança indagativo, os olhos concentram-se na ferida.

Em conversa com Tomé, Cristo adverte que a verdade não se restringe à observação nem à verificação. A marcha do tempo instabiliza fatos, verdades de hoje são substituídas por verdades de amanhã. Se você fica preso ao verificável, perece com o verificável. Para sair de si e entrar no mundo, você precisa crer no mundo, para sair do mundo em direção à Luz que ilumina o mundo, você precisa crer na Luz.

A ressurreição aconteceu no primeiro dia da semana. Com o túmulo vazio começa nova fase da criação e da revelação. Sem ressurreição o mundo não tem sentido. Bem-aventurados são os que não viram e veem mais do que os que verificam. A verificação se limita ao campo restrito do observado. Os que se prendem ao visível cortam a relação com o invisível. Na fé revela-se o Infinito, descubro-me limitado diante do que não se pode abarcar.

Verificação nenhuma nos revela o sentido da vida. A fé liga o passado ao presente, ao futuro. Quando nos dispomos ao futuro, entramos no território da fé. Possíveis, em lugar de fatos; revelação, em lugar de constatações. Renunciar à fé, é ater-se ao que é, ao que foi. A reflexão não anula a fé, quem reflete dialoga com a fé. Creio, Senhor, ajuda-me na minha falta de fé. A fé, criada e irrigada por Deus, cresce como semente de mostarda, desenvolve-se em árvore frondosa, cobre-se de flores, produz frutos, oferece sombra. A fé move montanhas: vence a indiferença, alivia sofrimentos, socorre os que duvidam, ampara desgarrados, remove dissabores cotidianos.

A inauguração de novos tempos não significa o ingresso em tempos sem sofrimento. Alegramo-nos quando saímos de pestes, quando procedimentos médicos restauram a saúde. Convém que não nos apeguemos ao que passa. Conforta-nos a esperança que atravessa séculos.

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