Já por algum tempo, o Direito Religioso conta com uma coluna, de mesmo nome, na centenária revista Mensageiro Luterano, o que muito nos honra. Os últimos temas foram tratados pelo Jean Regina, figura carimbada no meio luterano. Pois bem, hoje quem vos escreve é Thiago Vieira, parceiro do Jean nessa caminhada em defesa do nosso direito de crer e viver conforme a nossa crença.
A teologia precede a ética, já dizia Santo Agostinho. É a partir da teologia que moldamos a nossa forma de nos relacionarmos com Deus e com o próximo, e isso tem uma grande importância não só na economia interna da igreja, como também na sua proteção jurídica. O objeto final da liberdade religiosa acaba sendo a própria religião, que tem como centro a teologia.
E o que é religião? As respostas podem ser das mais variadas, de acordo com o recorte científico que se queira dar, entretanto, como esta coluna é de Direito Religioso, o recorte será jurídico. Para os cientistas e operadores do Direito, em sua maioria, a religião é a soma de três elementos básicos, sem os quais a religião não existe ou deixa de existir: divindade, moralidade e culto.
A religião investigada deve conter em si uma transcendência entre o físico e o material, o natural e o sobrenatural. Há uma relação de verticalidade do fiel com a divindade. Essa relação vertical se dá a partir de valores pré-estabelecidos. Tais valores, escritos ou não, formatam o relacionamento das pessoas religiosas com Deus (divindade) e entre si, daí decorre o pensamento agostiniano de que “a teologia precede a ética” ou lex orandi, lex credendi. O relacionamento com Deus (divindade) a partir de valores morais pré-estabelecidos tem como seu ápice o culto, que é o terceiro elemento dessa equação. O culto é o ato individual ou (na maioria das vezes) coletivo, em que o fiel adora, levando em consideração, sempre, sua teologia.
Isto é, o direito protege aquele agrupamento de pessoas, organizados institucionalmente ou não e que tem em comum uma relação com a divindade que culmina em um culto, sendo ambos a partir de uma moralidade específica. Por outro lado, na falta de um desses elementos não estaríamos diante de uma religião, logo não atrairia para si as proteções constitucionais e legais inerentes às liberdades de crença e religiosa. Vejam como a teologia é importante, também sob o ponto de vista do Direito. Quanto mais forte a teologia, ao mesmo tempo mais difícil será a tarefa do Estado em interferir no exercício da crença por parte dos fiéis.
Nesse sentido, laicidade estatal implica exatamente em não interferência do Estado e de qualquer Ente em nossas crenças. Para isso, é essencial que elas sejam claras, facilmente identificáveis e, na medida do possível, vertidas no vernáculo. Por isso, adicionalmente, o Livro de Concórdia e o Estatuto Social da congregação são tão importantes.
Se desejamos viver conforme cremos e oramos, precisamos de teologia, em nossas vidas, assim como nos documentos constitutivos da igreja. Sei que parece conversa de professor de teologia, mas não é. A teologia é o núcleo da religião e, como núcleo, goza da proteção, não do Estado, mas em face do Estado e de terceiros.
Com uma teologia fundamentada, não só em nossos documentos confessionais, como também em nossos estatutos sociais e regimentos internos, teremos mais segurança em face do Estado e de terceiros, literalmente vivendo nossa fé (o justo viverá pela fé) e cumprindo o chamado de Deus para a nossa vida. Tirem a teologia da igreja, e o que teremos é uma estrutura secular imóvel, semelhante à carcaça de uma Ferrari 250 decorativa na entrada de algum museu: pode até ser bonita, mas, sem motor, perde seu objetivo de existência.