Foge ao costume das reflexões sobre finados o texto de Gênesis 2.3,4. Eu mesmo, quando pastor, costumava utilizar os textos que lindamente falam diretamente da ressurreição dos mortos e da vida eterna. Entretanto, reflexões muito interessantes que o Rev. Thomas Egger, diretor do Concordia Seminary, de Saint Louis, Missouri, USA, trouxe a nós, alunos do mestrado do nosso Seminário Concórdia, em São Leopoldo, me fizeram refletir de uma outra forma, também muito consoladora, a respeito de um momento tão difícil da existência humana: a morte.
Em Gênesis capítulo 2, versículos 3 e 4, lemos que “no sétimo dia, Deus já havia terminado a obra que determinara; nesse dia descansou de todo o trabalho que havia realizado. Então abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porquanto nele descansou depois de toda a obra que empreendera na criação”. Assim como no Éden Deus “causou”, fez o ser humano descansar mesmo antes da queda, portanto, uma coisa perfeita e santa, assim também ele nos faz descansar quando nos chama dessa vida para o descanso, para aguardar o dia da ressurreição.
Como disse, parece estranho utilizar, em um funeral, um texto como o de Gênesis citado, ainda mais que Moisés nos relata o contexto do relato da criação dos céus e da terra. Mas acredito que nada é tão oportuno em um momento desses, de dor e despedida, como falar no descanso. Moisés nos conta que Deus descansou logo após trabalhar por seis dias e ver que tudo era bom. Abençoou o descanso e o tornou santo.
João, o apóstolo, quando deu uma “espiada” no novo céu e na nova terra, recebeu a ordem para escrever: “Então ouvi uma voz do céu, dizendo: — Escreva: ‘Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor.’ — Sim — diz o Espírito —, para que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham” (Ap 14.13). Descansar é uma bem-aventurança, é uma coisa boa.
Claro que, para nós, que ficamos ainda trabalhando e nos cansando com o corre-corre da vida, é doloroso o momento de se despedir de alguém que amamos, que conviveu conosco, que até há pouco tempo convivia conosco.
O cristão, quando morre, entra no descanso que Deus provê àqueles que cumprem a carreira e guardam a fé, como disse o apóstolo Paulo. Assim como Deus descansou após os dias da criação, assim o cristão descansa após a sua principal boa obra, que é crer em Cristo. Crer é dom de Deus, a fé é criação em nós pela água e pelo Espírito Santo. Abraão creu e isso lhe foi imputado por justiça, diz o autor aos Hebreus. Aquele que crê tem a fé imputada por justiça e por isso adentra, no momento da morte, no descanso das fadigas, como disse a voz do céu a João no Apocalipse.
O descanso que Deus provê após a morte remete-nos à rotina à qual o cristão sempre esteve habituado: descansar na presença de Deus. No culto, o cristão descansa aos pés de Jesus, que o serve com os “pastos verdejantes” do evangelho, e que é dado ao crente na santa ceia que “refrigera a alma”. Todos quantos descansam no Senhor já nesta vida, ao sétimo dia, isto é, vão aos cultos, têm contato com a Palavra de Deus, oram, meditam nas coisas lá do alto, tomam a santa ceia, estão sempre tendo descanso e alívio no Senhor. Jesus mesmo disse e ainda mantém: “Venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados e eu os aliviarei”. Alívio e descanso em Jesus. Assim como na Terra Prometida, após a fuga da escravidão egípcia, Deus daria descanso a seu povo de seus inimigos, assim também Deus, quando morremos, nos dá descanso de nossos inimigos, isso é, da carne, do mundo e do diabo. O próprio Cristo descansou no dia seguinte a seu sacrifício cruel na cruz, cumprindo, assim, o descanso abençoado que Deus criou para seu povo. Cristo, por seu descanso na tumba, santificou a tumba daqueles que morrem na fé. Aos olhos humanos, um corpo em decomposição. Aos olhos da fé, um descanso abençoado – está dormindo no Senhor.
Jesus disse: “Vinde, benditos de meu Pai, para o descanso”. Benditos os que morreram no Senhor, porque irão descansar dos seus trabalhos, e suas obras os seguirão. A Bíblia descreve o descanso na tumba não como o último.
Mas o último descanso será quando formos ressuscitados no último dia, e o “descanso” encontrará seu último cumprimento: o fim do descanso e, agora, um “sábado eterno”, um trabalho enorme a ser feito (como no Éden antes da queda). Os santos de Deus o servirão dia e noite. Mas, para os condenados, Apocalipse diz que eles não terão descanso nem de dia nem de noite, um eterno “não-descansar”; existência eterna, mas sem descanso em Deus, ainda que essa não seja essa a vontade dele para o ser humano.
Ao final do descanso, chegará o dia da ressurreição. O corpo que semeamos com lágrimas e tristeza na sepultura, será ressuscitado por Jesus Cristo no último dia, em grande alegria e glória. Seremos os mesmos que fomos neste mundo! Mas num corpo glorioso e perfeito, sem choro nem pranto nem dor. As primeiras coisas terão passado.
O apóstolo Paulo diz: “Se vivemos, para o Senhor vivemos. Se morremos, para o Senhor morremos. Quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor”. Desde o batismo, somos do Senhor. Que a certeza de que somos filhos de Deus pelo batismo, pertencemos a ele e, por isso, temos a certeza da sua bondade e misericórdia nos acompanhando a cada novo dia, nos faça seguir firmes na fé em Cristo, até o dia em que nós também receberemos o descanso. Sim, chegará o nosso dia de desfrutar desse descanso no Senhor. Esse descanso será santo, perfeito e bom. Afinal, foi criado pelo Senhor. Amém.
Tiago José Albrecht
Radialista e Teólogo
Porto Alegre, RS